30 janeiro 2009

Uma decisão a favor do atraso científico

Artigo de Washington Novaes

“Como encontrar, sem investimentos em ciência, soluções econômicas e sociais baseadas na biodiversidade e que conservem biomas como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, os recursos pesqueiros?”

Washington Novaes é jornalista especializado em meio ambiente (wlrnovaes@uol.com.br). Artigo publicado em “O Estado de SP”:

Não poderia ser mais incompreensível e inquietante a notícia de que o Congresso Nacional reduziu em 18%, no Orçamento federal para 2009, os recursos para o Ministério da Ciência e Tecnologia (22/1) - uma redução de R$ 1,1 bilhão, do qual R$ 819 milhões destinados ao Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e R$ 180 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (este último anulado terça-feira última).

É um grave problema para o País. O próprio presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antônio Raupp, assim como o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, consideraram a decisão "extremamente grave".

O ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, foi mais longe: "É uma decisão irresponsável", que obrigará aqueles órgãos a "mandar embora" grande parte dos bolsistas que financiam, no momento em que "investir em ciência e tecnologia é uma das saídas para a crise financeira que o mundo enfrenta".

Nesta hora, não se pode aceitar que o Congresso corte recursos maiores que o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a maior entre todas as instituições de pesquisa do País. E no momento em que, segundo o Banco Mundial, o Brasil ainda investe apenas 1,02% de seu produto bruto anual em pesquisa - embora o presidente da República houvesse prometido chegar a 2010 com 1,5% (os países da OCDE investem em média 2,26%).

É também uma decisão muito problemática para áreas fundamentais num país que tem em seu patrimônio natural uma de suas armas mais fortes (Estado, 15/7/2008), já que recursos naturais são hoje um fator escasso no mundo (consumo já 30% além da capacidade de reposição da biosfera).

Como encontrar, sem investimentos em ciência, soluções econômicas e sociais baseadas na biodiversidade e que conservem biomas como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, os recursos pesqueiros?

Como desenvolver variedades agrícolas (soja, milho, feijão, café e outras) para substituir as que já estão tendo sua produtividade afetada pelo aumento da temperatura e pelas mudanças climáticas? Como desenvolver sistemas científicos avançados para previsões mais apuradas e com mais antecedência nessa área, para ajudar a evitar "desastres naturais" e dramas para as populações (como os que estão acontecendo hoje em vários Estados)?

Como investir no desenvolvimento de energias renováveis e alternativas, que poderão ser uma das grandes armas da economia brasileira nas próximas décadas?

Como aumentar o conteúdo tecnológico de nossas exportações e depender menos de importações às quais os países que nos vendem agregam todos os fatores, enquanto nós continuamos a comprar fora insumos caros e a depender fortemente de commodities cujo preço não controlamos?

Segundo o Fórum Econômico Mundial (Agência Estado, 10/4/2008), o Brasil ocupa hoje apenas o 59º lugar (entre 175 países) entre as economias que conseguem tirar proveito de novas tecnologias para aumentar a produtividade.

Nosso sistema educacional é muito falho, diz o relatório. E o ambiente regulatório, "inadequado". Nosso ensino de Matemática e Ciências classifica-se em 114º lugar e o sistema educacional como um todo, em 117º.

Estamos atrás do Chile, da Argentina e de outros países latino-americanos, longe da Índia, da China, de Cingapura, da Coreia do Sul, de Taiwan, para não falar de EUA, Japão e Alemanha, os primeiros colocados. 40% dos investimentos em ciência e desenvolvimento no mundo se concentram nos EUA e no Canadá (29,4% na Europa, 27% na Ásia e 1,6% na Oceania, na América Latina e no Caribe), segundo Jorge Werthein, da Rede de Informação Tecnológica da América Latina (Estado, 13/10/2008).

Estudo do Banco Mundial (Estado, 11/9/2008) aponta as razões fundamentais para nossos problemas na área: ensino básico precário, que resulta em candidatos pouco qualificados para o ensino superior; universidades "distantes do setor produtivo", voltadas mais para o conhecimento teórico do que para a prática; tradição de importar e adaptar tecnologias, em lugar de criá-las.

Por isso mesmo, a participação brasileira em patentes requeridas é inferior a 1%. O Brasil, que ocupava o 15º lugar entre os países produtores de artigos científicos, já perdeu esse lugar para Taiwan, Turquia, Suécia, Suíça.

Nesse quadro, reduzir os recursos estatais para pesquisa e desenvolvimento é muito temerário, ainda mais quando se sabe que eles representam 51% do total. E mesmo nos investimentos privados 60% vêm de fora do País (OCDE, 28/10/2008). Só 10,1% dos graduados em universidades têm titulação em Ciência e Engenharia. E só 7,8% de nossa população entre 25 e 64 anos passa pelo ensino superior. Apenas 1% dos formados em nossas universidades passaram por cursos tecnológicos.

Com a decisão do Congresso em relação ao Orçamento, o total brasileiro de investimentos em ciência e tecnologia, que foi de R$ 23,7 bilhões em 2006, poderá até reduzir-se, já que o FNDCT e o CNPq são os principais financiadores de pesquisas e formação de cientistas. Não tem cabimento. E é preciso criar pressões em todas as áreas para que essa decisão seja revista.

Não nos podemos conformar com a posição de apenas produtores de commodities e importadores de bens tecnológicos, ainda mais num momento em que a cotação daquelas cai, ao mesmo tempo que sobem os preços de insumos, tecnologias e equipamentos de que elas dependem (reduzindo ainda mais sua rentabilidade líquida).

Não podemos, em última análise, conformar-nos apenas com o papel de fornecedores de produtos baratos aos países industrializados, na parte que lhes convém - e que implica altos custos ambientais e sociais, sem remuneração. Essa lição já é mais do que sabida. Está na hora de mudar - inclusive aproveitando a crise financeira.
(O Estado de SP, 30/1)

Fonte: JC e-mail 3692, de 30 de Janeiro de 2009.

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Pesquisadora espanhola debate tema “museus de ciências e consumo cultural”

Evento, promovido pelo Museu da Vida, através do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, acontece dia 5 de fevereiro, no RJ

Três exposições científicas, lançadas em Barcelona, na Espanha, são o pano de fundo para se refletir de que forma os museus de ciência integram os hábitos de consumo cultural da sociedade espanhola.

As exibições “Tesouros da Natureza”, “A Forma” e “Gente e Genes” motivaram o estudo de Patricia Castellanos Pineda, do Observatório de Difusão da Ciência (Universidade Autônoma de Barcelona), que resultou no livro “Los Museos de ciencias y el consumo cultural: una mirada desde la comunicación”, tema da palestra que promoverá no Museu da Vida em 5 de fevereiro.

A jornalista, que desde 1997 estuda a função de meio de comunicação de massa dos museus, buscou identificar como os visitantes das exposições liam (consumiam) o conteúdo e quais atividades culturais formavam parte de sua vida, incluindo a visita a museus de ciência.

As três exposições estudadas, em cartaz simultaneamente entre 2000 e 2001, foram montadas nos dois principais museus de ciências de Barcelona – o Museu de Zoologia e o Cosmocaixa – e na residência de pesquisadores do Conselho Superior de Investigações Científicas, por instituições européias distintas.

Pineda frisa que os museus deixaram de ser um edifício destinado a guardar e exibir objetos, para se tornar protagonistas da vida cidadã, fazendo uma ponte entre diferentes setores sociais. E destaca que, dentre os museus, os de ciência foram os pioneiros a priorizar a relação com os visitantes e que, portanto, estão na dianteira da busca por mecanismos que conquistem o público.

Para sua análise, a pesquisadora usou o método de “Estudos de visitantes”, comumente utilizado entre as décadas de 1920 e 1930, sobretudo nos Estados Unidos. Segundo Pineda, apesar da sua utilidade, o método ficou esquecido durante o pós-guerra até ser retomado na década de 60 e se consolidar graças à introdução do marketing na vida dos museus. Num primeiro momento, a metodologia se restringiu a estudar as características demográficas dos visitantes, mas os museus a aprimoraram, desenvolvendo uma maneira de aplicá-la para verificar se suas exposições cumpriam seus objetivos educativos.

A palestra “Los Museos de ciencias y el consumo cultural: una mirada desde la comunicación” é gratuita e não requer inscrição prévia. A apresentação será em espanhol, sem tradução, às 10h, do dia 5 de fevereiro, na sala de aula do Museu da Vida - Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz, Av. Brasil 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro.

Mais informações: nestudos@fiocruz.br
(Assessoria de Comunicação da Fiocruz)

Fonte: JC e-mail 3690, de 28 de Janeiro de 2009.

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Ciência, Tecnologia e gerações na VI Bienal da UNE

Artigo de Ronaldo Mota

“É da essência da evolução do conhecimento, em qualquer nível e contexto em que se realize, a imprevisibilidade da ciência, da tecnologia que ela por ventura engendra, e as inovações que delas resultam”.

Ronaldo Mota é professor titular de física da Universidade Federal de Santa Maria, pesquisador do CNPq e assessor especial do ministro da Ciência e Tecnologia. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Realizou-se em Salvador-BA na semana passada a VI Bienal de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), onde participei como convidado. Um dos temas destacados pelos organizadores foi o papel da educação e da inovação nas universidades e, principalmente, indo além de seus muros.

Foi uma oportunidade muito rica de apresentação e debates de idéias acerca de um tema crucial que impacta na educação superior através da extensão, em todas as suas dimensões, na economia, enquanto resultados das tecnologias que são engendradas pelo desenvolvimento científico, e, especialmente, pelo incentivo à inovação e à criatividade em todos os seus aspectos.

Além de todas as contribuições decorrentes das dezenas de atividades desenvolvidas, foi um momento único em termos de oportunizar o encontro de várias gerações de acadêmicos, permitindo observações muito interessantes sobre o que diferentes faixas etárias têm para aprender e ensinar quando se encontram. Aprender juntos quando pensam que ensinarão sozinhos e educar coletivamente quanto mais nos assumimos enquanto eternos aprendizes.

Os tempos atuais se caracterizam pelas quebras de barreiras. De gênero, cada vez mais mulheres em qualquer área da atividade humana, de etnias e raças, em um mundo cada vez mais multicolorido, e de enfrentamento de vários outros preconceitos. Um quase preconceito, menos perceptível, permanece: o de idade. E como é difícil superá-lo.

Por mais que observemos as citadas evoluções, os agrupamentos sociais têm, em geral, nas faixas etárias um estigma. Mais jovens com os seus, os adultos menos idosos nos espaços respectivos, cada vez mais comuns os programas para terceira idade etc. Há, naturalmente, cruzamentos e junções etárias, mas são raros.

Ainda que episódicos esses eventos, interessante perceber como são profícuos, sendo momentos onde todos acumulam experiências e educam, coletiva e solidariamente. Não importa que não seja simples aos mais jovens observar a dimensão do que significa termos vivenciado o surgimento dos Beatles ou a queda da ditadura. Afinal, somente 35% da população sabem o que foi o movimento "Diretas-já!" de 25 anos atrás. Tão difícil como nos convencermos (e nos consolarmos) de quantos Obamas os mais jovens vivenciarão, ainda que, desafortunadamente, no futuro não mais compartilhemos, talvez. Importa agora o que os extremos etários têm a falar, e a ouvir, entre si.

O estranho, muitas vezes, é acharmos naturais coisas que, de fato, não o são. Tende-se a imaginar o mundo atual mais libertário e inovador, enquanto o antigo retrógrado e preconceituoso. Vejamos, a título de exemplo, as danças e os momentos de confraternização. Alguém já parou para refletir sobre o que foram os saraus dançantes de outrora. Nada mais ousado, despudorado. Dançava-se agarradinho, até de rostinho colado, com quem nunca se vira antes. Era simples, convidava-se a moça, se com sorte ela aceitasse, eram momentos primorosos e inesquecíveis. O contato físico, o perfume e todas as sensações decorrentes.

Hoje, em geral, as danças são quase solitárias e nada solidárias. Fosse o inverso, do descolado e distante antes para o juntinho agora e teríamos todo tipo de acusações contra a evolução indecente, inaceitável e ultrajante. Já imaginaram quantos processos de assédios teríamos hoje se metade das evoluções daquele período ousasse prosperar nos salões atuais?

Voltemos para o evento da UNE mais diretamente. Há um admirável permanente despertar de estudantes universitários e secundaristas. Todos muito conscientes, bem intencionados e maduros politicamente. É um permanente, vigoroso e elogiável renascer permanente, gerando a formação de quadros muito preparados para enfrentar os desafios das próximas gerações. Diria mesmo que este movimento em direção a ouvir os menos jovens é fruto exatamente de tal maturidade.

Quanto vale ouvir o jornalista Raimundo Pereira sobre democratização da mídia? Pode-se pensar, ter opinião, mas Raimundo foi além, ele fez. E fez muito. Acertou, errou, tanto faz. A dimensão de seu trabalho no ciclo Opinião, Pasquim, Movimento, Em Tempo etc. é transcendente. Ouvi-lo uma obrigação e um prazer para quem quer pensar o que foi, o que é e o que será o jornalismo no Brasil.

Fui lá para compartilhar pensar sobre ciência, universidade e o mundo que os cercam. Natural e compreensível que ímpetos e anseios apareçam: ciência a favor dos setores oprimidos, ciência para o povo etc. Difícil mesmo é, mesmo entendendo os bons propósitos dos sentimentos que geram tais concepções, nos confrontarmos com elas. Imprescindível lembrarmos que ciência é, antes de tudo, o desejo de ir além da fronteira, inovar algo que transcenda o que já se domina, ousar experimentar em novos contextos e propor idéias que se pretendam inovadoras.

Independente da nossa incapacidade de definir a priori o que seja ciência engajada ou ciência qualquer não previamente engajada, há algo de essencial na produção do conhecimento que faz a questão inicial irrelevante. Imaginemos, para efeito de puro exercício, que existissem (lembro que definitivamente é especulativo) as duas ciências, a comprometida com o povo e aquela descomprometida ou mesmo, por suposto, contra os interesses da maioria. Uma pergunta simples: quem, e baseados em quais critérios, fariam o julgamento? Como discernir entre o bom e o mau? Entre o correto e justo separando-o do errado e do injusto?

É da essência da evolução do conhecimento, em qualquer nível e contexto em que se realize, a imprevisibilidade da ciência, da tecnologia que ela por ventura engendra, e as inovações que delas resultam. É o indizível. Observe que isso não nos torna impotentes e nem faz de todas as teorias inocentes e iguais. Pelo contrário, é também do mundo da ciência o debate, a discordância, a contraposição. O que destacamos é que, infelizmente (eu diria felizmente), tais fronteiras entre as modalidades (boas e más) da produção do conhecimento, decididamente, não existem.

Existe sim a necessária crítica permanente, bem como a disposição para estarmos alertas sobre os caminhos que envolvem a produção e a utilização de qualquer novidade. O que é diferente, muito diferente, de nos pressupormos capazes de avaliar ou categorizar as ciências em blocos, a favor ou contra a maioria, sejam esses conhecimentos engajados ou descomprometidos.

Importante que se fale, imprescindível que se ouça, mas inevitável que seja difícil explicar as emoções de dançar colado tanto quanto a beleza intrínseca da novidade de especular no campo do saber. Tal qual dançar, só fazendo e deixando o tempo nos ensinar. Educando a todos, dado que sempre aprendemos e seremos todos, queiramos ou não, estudantes para sempre.

Fonte: JC e-mail 3690, de 28 de Janeiro de 2009.

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28 janeiro 2009

Jornalista faz ataque à Monsanto em livro

Marie-Monique Robin, aclamada pela esquerda francesa por suas reportagens sobre direitos humanos, lança livro contra os OGMs (organismos geneticamente modificados)

Rafael Garcia escreve para a “Folha de SP”:

"A biotecnologia em si não é boa nem ruim. Ela é uma ferramenta." Eis um bom argumento usado com frequência por cientistas defensores do uso de plantas transgênicas. Quem não enxerga, por exemplo, o mérito de distribuir para países pobres um arroz geneticamente modificado para conter mais vitaminas? Certamente ajudaria a combater a desnutrição. A declaração acima, porém, não é de um biólogo molecular, e sim de Robert Shapiro, ex-presidente da Monsanto -a empresa detentora de 90% do mercado global de transgênicos.

A fala está em um dos raros discursos públicos do executivo, que aparece no documentário "Le Monde Selon Monsanto" ("O Mundo Segundo a Monsanto"), lançado no início de 2008 na França e ainda sem previsão de estreia no Brasil. Um livro homônimo que acompanha o filme, porém, acaba de sair em português (Radical Livros, 372 págs., R$ 54,00).

As duas obras são assinadas pela jornalista Marie-Monique Robin, aclamada pela esquerda francesa por suas reportagens sobre direitos humanos. O livro é um libelo contra os OGMs (organismos geneticamente modificados). E o seu foco não é nenhum vegetal candidato a salvar o mundo, mas a soja que a Monsanto criou para ampliar a venda de seu produto líder, o herbicida Roundup.

Robin não menciona em nenhum momento pesquisas como a que produziu o arroz supervitaminado. Mas isso também não faz muita falta, do ponto de vista dos negócios. Segundo seu livro, 70% das sementes transgênicas vendidas no mundo são de vegetais resistentes ao Roundup, que pode agora ser borrifado indiscriminadamente sobre as plantações, matando só as ervas daninhas. Um gene inserido na soja torna-a imune ao veneno, que já era popular na agricultura.

Os outros 30% dos transgênicos são quase todos plantas de uma variedade chamada Bt, que exala inseticida de suas folhas e caules. Em tese, isso livra o agricultor da necessidade de mais veneno contra insetos.

"É uma façanha tecnológica admirável", reconhece Robin, antes de dizer ao espectador a que veio: mostrar por que a Monsanto ganhou o apelido de "Monsatã" de ambientalistas.

Equivalência

Sua principal crítica é que os alimentos derivados dessas plantas não passaram pelos testes adequados. Seu documentário conta como o processo de discussão legislativa sobre os transgênicos nos EUA na década de 1990 acabou legando ao país uma espécie de liberalismo sanitário. A opção da FDA (agência de vigilância sanitária dos EUA) foi a de não criar uma regulamentação específica para os OGMs.

Plantas "Roundup Ready" ou Bt passaram então a ser vistas pela lei como vegetais comuns. Um gene a mais ou a menos não altera a "equivalência em substância" entre as plantas transgênicas e variedades comuns, diz uma portaria da FDA de 1992. E daí veio a controvérsia.

"Estas são plantas-pesticidas e deveriam ser testadas como pesticidas", diz Robin. "Testar a segurança sanitária de um pesticida leva dois anos. Os OGMs que estão sendo plantados agora foram checados por no máximo três meses, e os problemas que surgem da intoxicação crônica não aparecem."

Como evidência do potencial tóxico do glifosato, princípio ativo do Roundup, Robin apresenta um estudo de Robert Bellé, do Instituto Pierre e Marie Curie. Em um teste em ouriços-do-mar, um animal modelo da biologia experimental, o herbicida afetou sua divisão celular, "a primeira etapa que conduz ao câncer", diz.

O trabalho de Bellé não é o único a apontar problemas, e na França o Roundup já perdeu o direito de exibir em seu rótulo a inscrição "biodegradável", já que a substância é mais persistente do que se achava.

O peculiar na história dos transgênicos nos EUA é que o personagem-chave por trás do conceito da "equivalência em substância" não é um químico, conforme mostra Robin, mas o advogado Michael Taylor.

Tendo trabalhado para a Monsanto até 1990, largou seu escritório quando convidado pela gestão Clinton para ocupar um novo cargo na FDA, onde ajudou a definir a política de governo para os OGMs. Depois de alguns anos, deixou a posição e voltou à empresa para ocupar a vice-presidência.

O livro referencia diversos documentos históricos mostrando como a empresa criou uma cultura particularmente eficaz para omitir efeitos nocivos de seus produtos.
O PCB, por exemplo, fluido usado em aparelhos elétricos por meio século, foi banido na década de 1970. Bem antes disso, a empresa já sabia dos malefícios da substância, indicam documentos internos.

Robin aponta que omissões similares ocorreram com o agente laranja (desfolhante usado na Guerra do Vietnã), o hormônio de crescimento usado em vacas e um herbicida à base de dioxina. Todos produtos Monsanto.

Por fim, ela fala da estratégia da empresa para esgotar a oferta de sementes de soja não-transgênica nos EUA, comprando empresas pequenas e processando agricultores por royalties. Sojicultores que tiveram suas plantações "invadidas" pela soja da Monsanto via polinização natural são acusados pela empresa de usar sementes "piratas", diz o livro.

Capitalismo globalista

"Tudo isso, claro, é uma coisa paradigmática do capitalismo da era da globalização, mas a Monsanto tem mesmo uma história muito especial nos EUA", disse Robin à Folha. No mês passado, a jornalista esteve no Brasil para lançar seu livro e negociar direitos de distribuição do documentário. Uma TV brasileira, diz, estava interessada, mas seu representante não fechou negócio. "Obtivemos a informação de que eles queriam comprar o filme para engavetá-lo depois."

Francesa "confunde o público"

Apesar de não ainda ter encontrado espaço no Brasil, o documentário de Robin teve boa aceitação na Europa e em outros lugares do mundo. A única frustração que a jornalista parece ter agora é pelo fato de ainda não ter conseguido ser processada pela Monsanto.

"É interessante que meu livro tenha sido traduzido para várias línguas, meu documentário visto em 20 países, e a Monsanto não tenha dito nada", disse Robin à Folha. "Mas aqui [no Brasil] acabaram de me dizer que o site deles eles fala algo sobre meu documentário. Até aqui, em todos os lugares que eu tinha ido, os representantes da Monsanto me diziam: "sem comentários"."

A empresa de fato publicou em seu site um comunicado sob o título "Documentário francês tenta denegrir imagem da Monsanto" (http://www.monsanto.com.br/monsanto/para_sua_informacao/documentario_frances.asp).

O documento rebate denúncias do filme de Robin, a quem acusa de "confundir o público" e "colocar os eventos fora de contexto".

A empresa nega que seus testes de segurança sejam insuficientes e diz que as avaliações de risco de seus produtos "se estendem por muitos anos".

Nega também, uma a uma, as acusações de que teria omitido dados de segurança que pudessem prejudicar seus produtos, como o PCB. A Monsanto "voluntariamente parou de produzir PCBs", afirma, "oito anos antes de a EPA (Agência de Proteção Ambiental) dos Estados Unidos bani-los, em 1979".

Sobre o herbicida Roundup, a multinacional norte-americana diz que o produto tem "mais de 30 anos de história de uso seguro" e que "alguns ativistas já fizeram testes científicos falsos para desafiar este grande recorde de segurança".

A Monsanto também nega usar tráfico de influência sobre governos. "Na realidade, a demanda para pessoas competentes com vasta experiência no segmento é sempre grande", diz o comunicado. "Estamos certos de que a maior parte dos funcionários do governo comporta-se com a mais alta integridade, independente da empresa ou segmento ao qual estiveram afiliados no passado."
(Folha de SP, 25/1)

Fonte: JC e-mail 3689, de 27 de Janeiro de 2009.

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Ciência paroquial

Editorial da “Folha de SP”

Merece repúdio ação parlamentar que desviou recursos de programas de pesquisa, em benefício de suas bases eleitorais

Com um mês de atraso, a comunidade científica levantou-se em protesto contra cortes realizados pelo Congresso no orçamento de 2009 para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O ministro Sergio Machado Rezende qualificou como irresponsabilidade a retirada de um quarto dos R$ 6 bilhões da proposta original do Executivo, pois até bolsistas seriam prejudicados. Toda essa reação soa um tanto exagerada.

Não se efetivará, ao que consta, a suspensão de bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Em nota, ontem, o MCT informou que a área econômica do governo federal já se comprometeu a adicionar ao orçamento do setor os R$ 180 milhões das bolsas, por meio de reservas de contingência.

Em mais um sinal de que a situação das bolsas não é alarmante, no final da semana passada a mesma pasta anunciou novas 3.230 bolsas de produtividade em pesquisa, espécie de bônus pago aos cientistas mais bem-avaliados. O CNPq conta agora com 12.100 bolsistas do gênero, 18% mais que em 2008.

O corte anunciado, de resto, não significará nenhum desastre para o ministério. A subtração de R$ 1,2 bilhão da proposta do Executivo mantém o orçamento de 2009 no patamar de 2008. Não é espantoso que seja assim, diante da perspectiva de quebra na arrecadação de tributos. Por outro lado, frustra-se mais uma vez o cumprimento da promessa de receitas crescentes para ciência.

O governo Lula assumira o compromisso de zerar até 2010 a prática tradicional de contingenciar recursos de fundos setoriais, criados justamente para dar previsibilidade ao fomento da pesquisa. Com a iniciativa do Congresso, as verbas deixam de crescer como se previa. Mas não se deve esquecer que o próprio Sergio Rezende dizia, há três meses, que não faltam recursos na área, e sim agilidade e competência para fazer uso das verbas.

É compreensível que entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) lutem para recompor o orçamento previsto. Ao MCT, além disso, cabe a tarefa de continuar zelando para que os recursos adicionais sejam alocados em estrita observância das regras de mérito, aferido por comitês independentes, sem margem para politização.

Há, contudo, um problema sério, embora de outra ordem, com os cortes feitos pelo Congresso. Um dos setores mais prejudicados foi o programa espacial, que perdeu 35% da verba prevista. Em contraste, programas acessórios e de apelo paroquial para deputados e senadores, como os voltados para inclusão social e digital, saltaram de R$ 41 milhões para R$ 424 milhões.

Os parlamentares cortaram verbas em atividades-fim, como o programa espacial, e aumentaram as dotações numa área em que se concentram suas emendas de interesse eleitoral. Eis aí uma distorção grave, que merece o protesto mais veemente e aberto do Ministério da Ciência e Tecnologia, da comunidade científica -e de toda a sociedade.
(Folha de SP, 27/1)

Fonte: JC e-mail 3689, de 27 de Janeiro de 2009.

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A burra opção pelo atraso da ciência

Artigo de Odenildo Sena

“[Corte em C&T] significará o trágico comprometimento das metas estabelecidas para a área, com consequências danosas e irreparáveis para o futuro da nação brasileira”.

Odenildo Sena é diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) e presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap). Artigo publicado no portal da Fapeam:

Dia desses eu fazia referência à decisão ousada do novo presidente americano em aumentar substancialmente os recursos para ciência e tecnologia. Não surpreenderia a ninguém e seria visto como algo absolutamente rotineiro se seu país, onde teve origem essa crise econômica que já se espraia pelo mundo afora, não estivesse sofrendo graves e pesadas consequências dessa tempestade cujo fim não se vislumbra sequer a famosa luzinha no fim do túnel.

Qual é essa lógica às avessas? A resposta me parece evidente. A hegemonia dos Estados Unidos, ao longo de seguidas décadas, sempre se deveu ao fato daquele país ditar os rumos do avanço tecnológico aos quatro cantos do mundo. Diferente de tantos e tantos outros países que, historicamente, se conformam com a condição de meros consumidores de tecnologia, os Estados Unidos são produtores de tecnologia em todas as áreas do conhecimento. Isso faz toda a diferença!

Os americanos sabem que a negligência nessa área é um risco que não pode ser corrido, sob pena de ameaça a sua soberania. Eles não perdem de vista a posição de países que, se há tão pouco tempo eram competitivamente apagados, para ficar só nos exemplos de China, Coreia e Índia, hoje despontam como nações que, justamente por terem privilegiado a produção de tecnologia, seguindo a lição americana, caminham para assegurar sua vaga no disputado universo das potências mundiais.

No caso particular do Brasil, é inegável que o governo Lula tem privilegiado desde 2003 investimentos em C&T, ao ponto de, pela primeira vez na história, ter lançado um plano nacional de ciência e tecnologia, com perspectivas de médio e longo prazos, com vistas a resguardar a soberania do país e lhe assegurar um espaço de vanguarda frente a outras nações.

Isso passa pelo desafio de saltar os investimentos dos atuais 1% do PIB para, pelo menos, 1,5% até o final deste ano, além de aumentar, de maneira ousada, a formação de capital intelectual – atualmente formam-se 10 mil doutores por ano, o que ainda é muito pouco para as necessidades do país. A se manter esse ritmo, a expectativa é de que, num prazo razoável, o nosso país reverta o quadro atual, deixando de ser mero consumidor para ser produtor de tecnologia.

A depender, entretanto, da proposta do senador Delcídio Amaral (imaginem se ele não fosse do PT!), responsável pela peça orçamentária para o corrente ano, os investimentos em ciência e tecnologia no país serão reduzidos em 18%, o que representará 1,1 bilhão a menos e significará o ¬trágico comprometimento das metas estabelecidas para a área, com consequências danosas e irreparáveis para o futuro da nação brasileira. Difícil entender essa burra e perversa opção pelo atraso do país.
(Notícias da Fapeam, 27/1)

Fonte: JC e-mail 3689, de 27 de Janeiro de 2009.

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Congresso penaliza ciência e tecnologia

Artigo de Marco Antônio Raupp e Alaor Chaves

Se o Brasil quer manter as esperanças de se tornar mais inovador e competitivo, é imperativo que se reveja o orçamento para C&T.

Marco Antônio Raupp, matemático, coordenador do Núcleo do Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP), é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Foi diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Laboratório Nacional de Computação Científica. Alaor Chaves, físico, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é presidente da Sociedade Brasileira de Física. Artigo publicado na “Folha de SP”:

Ao formular o Orçamento da União para o ano de 2009, o Congresso Nacional penalizou com especial severidade a área de ciência e tecnologia (C&T). O orçamento do ministério da área (MCT) sofreu corte de R$ 1,12 bilhão, equivalente a 52% do proposto pelo Executivo. A Capes, órgão do Ministério da Educação que cuida da avaliação e do fomento de nossos cursos de pós-graduação -responsável pela maior parte das bolsas desse nível no país-, sofreu cortes próximos de R$ 1 bilhão, quase metade do previsto.

O CNPq concede bolsas de estímulo à pesquisa, em procedimento extremamente seletivo, a pesquisadores doutores de universidades e institutos de pesquisa. O MCT reconheceu ser urgente ampliar tal programa e para ele previu R$ 195 milhões no orçamento de 2009.

O Congresso reduziu a verba em R$ 45 milhões. Tais cortes são de extrema gravidade e terão consequências negativas para a vida do país nos campos da educação e da C&T e no desenvolvimento tecnológico dos setores industriais de maior valor agregado. Desde os anos 1960, o Brasil tem praticado um programa de pós-graduação muito bem articulado e bem-sucedido. Nossa pós-graduação é das que mais avançam em todo o mundo.

Em 1987, o Brasil formou 868 doutores. Em 2008, o número ficou perto de 13 mil. Os novos doutores possibilitaram uma rápida expansão de nossa ciência: se em 1981 o Brasil só contribuía com 0,4% dos artigos científicos publicados em todo o mundo, em 2006 nossa participação foi de 1,9%. A utilização dos quadros mais qualificados para a expansão de nossa C&T foi fomentada, em nível federal, pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgãos do MCT.

Nosso progresso no campo da pós-graduação e da C&T tem sido fruto de políticas de Estado que há décadas transcendem os governos e têm sido praticadas com consistência e visão de longo prazo. Uma expansão rápida nesse campo foi reconhecida como essencial para o avanço do país, pois tínhamos partido, na década de 1950, de um patamar muito incipiente.

Apesar do grande progresso, a situação ainda requer muita atenção. Enquanto nos países desenvolvidos todos os docentes universitários têm o grau de doutor, em nossas universidades públicas os docentes com essa titulação não passam de 30% do total, e nas universidades privadas esse número é muito menor.

No momento, nossas instituições federais de ensino superior passam por uma reestruturação e expansão em que o número de vagas para o ensino será duplicado, e uma das dificuldades para que tal expansão se faça sem perda de qualidade é o pequeno número de pessoas qualificadas para ocupar as novas vagas de docência.

A enorme deficiência brasileira de profissionais capazes de realizar pesquisa e desenvolvimento (P&D), intimamente relacionada com o pequeno envolvimento de nosso setor empresarial em pesquisa e inovação, faz com que nossas empresas, sobretudo no setor industrial, sejam pouco inovadoras, o que as torna pouco competitivas no comércio globalizado.

O Brasil despende só 1,1% do seu PIB em P&D, enquanto os países inovadores e competitivos investem quantias que vão de 2% a 3,5% do seu PIB. Essa realidade levou o governo a formular, em 2004, uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior para o país. Até o final da sua gestão, o governo Lula almeja elevar os dispêndios nacionais em P&D para 1,5% do PIB.

O Orçamento de 2009 previa uma dotação de R$ 1,36 bilhão para a política industrial, mas o Congresso reduziu tal cifra em 68%. Nos países onde melhor se compreende o mundo contemporâneo, ante a atual crise econômica, decidiu-se aumentar os dispêndios em ciência, tecnologia e inovação (CT&I).

Já nossos congressistas julgaram por bem cortar fundo nesse item. Para eles, CT&I é custeio, não investimento. Jovialmente, declararam que seriam minimizados os cortes em investimento, o que revela o equívoco de políticos que decidem o destino do país sobre o que é custeio e o que é investimento. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê um paliativo altamente sujeito a incertezas: o Executivo poderá usar recursos possivelmente obtidos com a venda de imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal para repor o orçamento para C&T. Uma luz no fim do túnel que não irá gerar recursos no curto prazo.

É imperativo que se reveja o orçamento para C&T se o Brasil quer manter as esperanças de se tornar em breve mais inovador e competitivo.
(Folha de SP, 25/1)

Fonte: JC e-mail 3688, de 26 de Janeiro de 2009.

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