05 dezembro 2008

Inteligência e longevidade

O fato é: quem tem QI alto vive mais.

Fernando Reinach (fernando@reinach.com) é biólogo.

Com a descoberta dos antibióticos, da eletricidade e do telefone, a ciência contribui para o progresso com tecnologias desenvolvidas com base em descobertas científicas. Mas provavelmente a maior contribuição venha de descobertas que contradizem nossas crenças ou desejos. É o caso de Galileu, que demonstrou que não estamos no centro do Universo, e de Darwin, que descobriu que viemos de outro primata. Recentemente, a Ecologia nos forçou a aceitar e reavaliar nossa capacidade de destruir o planeta.

Mas não é só nas grandes questões que a ciência produz verdades inconvenientes. Faz dez anos que Ian Deary descobriu que crianças com QI mais alto vivem mais. É desagradável e politicamente incorreto acreditar que um teste simples, feito aos 10 anos, possa prever a longevidade de nossos filhos. Apesar das críticas, a observação foi confirmada. O problema é que, até agora, foi impossível descobrir a causa do fenômeno.

Para entender o problema, é preciso separar o que foi descoberto da maneira como a descoberta foi divulgada. Em 1998, Deary localizou um grupo de escoceses que havia sido avaliado por testes de QI em 1932. Ele descobriu que o grupo das crianças que havia obtido resultados melhores tinha mais representantes vivos quando comparado com os grupos que tinham obtido notas piores. A maneira simplista de descrever o resultado pode ser: pessoas inteligentes vivem mais.

A relação entre os resultados dos testes e a inteligência, difícil de definir ou medir, é polêmica. Em um pólo encontramos cientistas que gostariam de defini-la como a capacidade de ter notas altas nos testes de QI, uma maneira fácil de escapar do problema. Em outro estão biólogos que crêem que os testes só medem a capacidade de responder testes de QI. A maioria acredita que os testes avaliam parte do que chamamos de inteligência. O fato é: quem tem QI alto vive mais.

Atualmente existem quatro hipóteses para explicar a observação. A primeira é que pessoas “inteligentes” levam vidas mais saudáveis, pois tomam decisões “corretas”, como evitar o fumo. A segunda é que nossa sociedade valoriza a inteligência e crianças com QI alto tendem a ter uma educação melhor e, sendo mais bem remuneradas, têm melhores condições de vida. A terceira é que um QI mais alto na infância demonstra que a criança sofreu menos nos anos anteriores e isso seria determinante para sua longevidade. Esse sofrimento na infância pode ter origens físicas ou sociais. A quarta é que um QI mais alto na infância é conseqüência de corpo e cérebro com menos defeitos genéticos.

Essas hipóteses estão sendo testadas e ainda não existem respostas. O interessante desse exemplo é que, dependendo da hipótese que for comprovada, a relação entre QI e longevidade pode ter conotações muito diferentes. A causa pode ser social ou as diferenças genéticas podem ser as únicas responsáveis. Vamos ter de esperar.

Talvez fosse mais fácil esquecer ou desqualificar a descoberta de Deary. Mas não é a maneira de operar da ciência, que entrega à sociedade o dilema de como conviver com descobertas que nos forçam a mudar a maneira de ver o mundo. É a tradição de Galileu e Darwin.

Mais informações: Why do intelligent people live longer? Nature, vol. 456
(O Estado de SP, 4/12).

Fonte: JC e-mail 3655, de 04 de Dezembro de 2008.

Marcadores:

03 dezembro 2008

Prioridades para bolsas no exterior e para a pesquisa

Artigo de Simon Schwartzman.

"O Brasil investe muito pouco dinheiro em ciência e tecnologia".

Simon Schwartzman é sociólogo, ex-presidente do IBGE e integra atualmente o Conselho de Administração do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets). Artigo publicado no “Globo On-line”:

Apesar da infelicidade dos comentários recentes do presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) sobre as ciências econômicas ("vamos continuar mandando alunos para formar doutores num modelo que faliu o mundo?"), ele tem razão em pensar que é preciso estabelecer prioridades e decidir como usar melhor os recursos públicos.

Uma bolsa de doutorado pode custar 200 mil dólares, não podem existir muitas, e é preciso ser muito criterioso na sua distribuição. Isto não somente em relação à qualidade dos candidatos, a seus planos de trabalho e às universidades para onde pretendem ir, mas também em relação à expectativa futura de sua inserção no país e à possível contribuição de sua linha de trabalho, seja para a educação superior, seja para o desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia no país.

Quando, tempos atrás, eu disse numa entrevista que precisaríamos pensar se devemos ou não dar prioridade à física de partículas nos investimentos de pesquisa, deixando muitos físicos indignados, eu estava expressando a mesma preocupação (eu não afirmei nada, no entanto, nem poderia, sobre o valor intrínseco desta área de conhecimento, nem estava decidindo nada).

O governo federal, por meio da Capes e do CNPq, vem reduzindo sistematicamente as bolsas de estudo para o exterior, que estão sendo substituídas pelas chamadas "bolsas-sanduíche", em que os estudantes brasileiros passam um tempo fora, mas voltam para defender suas teses aqui. A idéia de fortalecer os programas de doutorado no Brasil é importante, mas existe também o risco de manter o país fechado para o resto do mundo.

Apesar de ter muitos programas de pós-graduação de boa qualidade, o Brasil não possui nenhuma universidade de padrão realmente internacional, e a experiência cultural e pessoal de ver e entender como funciona uma destas universidades é tão ou mais importante do que o conteúdo da tese ou da pesquisa que o estudante desenvolva. Não conheço nenhuma avaliação dos programas do tipo "sanduíche", mas eles têm dois óbvios problemas: a curta duração e o fato de os estudantes ficarem fora dos programas regulares das universidades, o que significa que podem ficar marginalizados, sem entender muito do que está acontecendo à sua volta, a não ser que tenham um orientador fortemente interessado em seu trabalho.

Por isto, é importante manter aberta a janela da pós-graduação no exterior, e não penalizar, como hoje ocorre, os cursos cujos melhores alunos são bem recebidos nos doutorados das melhores universidades lá fora. Existe uma maneira fácil de reduzir os custos ou dobrar o número de bolsistas, que é financiar somente os dois primeiros anos dos estudos de doutorado.

Nos Estados Unidos pelo menos, depois de dois anos os bons estudantes de pós-graduação conseguem com facilidade uma bolsa local, ou um trabalho de assistente de pesquisa ou de ensino que pague seus custos e permita que eles participem mais plenamente da vida universitária. Estudantes que conseguem bolsas de pós-doutorado, ou contratos de trabalho de alta qualidade no exterior, deveriam ser estimulados a seguir adiante, e não ser forçados a voltar para o país imediatamente, como ocorre hoje.

Existe também o risco de o bolsista não voltar. Dar a bolsa na forma de um crédito, a ser perdoado caso o bolsista se integre a uma universidade ou centro de pesquisa no país, pode ser uma maneira de reduzir este risco. A experiência mostra que, quando existem boas condições e boas perspectivas de trabalho no Brasil, os estudantes que se formam no exterior preferem voltar, e os que ficam lá fora podem atuar como pontes importantes entre as comunidades científicas e técnicas do Brasil e aquelas do exterior.

O problema das prioridades é mais complicado. Para muitos cientistas que conhecemos, a única política científica aceitável por parte do governo seria dar cada vez mais dinheiro para os pesquisadores, sem se perguntar para que e como este dinheiro está sendo utilizado. Isto funciona razoavelmente bem dentro de cada área de conhecimento, quando as diferentes propostas e solicitações são analisadas no mérito por especialistas da própria área.

Mas as exigências de avaliação podem ser muito diferentes entre uma área e outra. As tentativas de medir e comparar o desempenho das áreas por indicadores objetivos, como publicações internacionais ou citações, são muito precárias, e é impossível muitas vezes distinguir entre a defesa da boa pesquisa e a defesa dos interesses corporativos dos pesquisadores, sobretudo quando os avaliadores são indicados pelas próprias instituições que vão ser avaliadas, e os mais encrenqueiros são cuidadosamente evitados. Na falta de critérios adequados, a distribuição de recursos entre as diferentes áreas acaba ocorrendo de forma tradicional, dando mais para que tinha mais antes, ou a partir de preconceitos, fáceis de ocorrer quando biólogos acham que podem avaliar a economia, físicos, a ciência política, e sociólogos, a pesquisa em genética.

Quando governantes e burocratas tratam de estabelecer prioridades, os riscos são altos. A transferência do antigo CNPq para o Ministério do Planejamento, nos anos 70, foi baseada na idéia de que a ciência deveria ser planejada. Tivemos inclusive vários planos nacionais de desenvolvimento científico e tecnológico que, embora pudessem dar impressão de coerentes, não passavam de uma listagem apressada do que já estava sendo financiado, criando para isto, no entanto, uma burocracia de custos cada vez maiores, que redundou na implantação de um Ministério da Ciência e Tecnologia em 1985 (coisa que os Estados Unidos e muitos outros países desenvolvidos não têm).

Ainda precisa ser feita uma avaliação dos grandes projetos - sobretudo na área tecnológica, que são os mais caros - iniciados naqueles anos e que fracassaram, ou continuam existindo sem maiores perspectivas ou impacto. Eu listaria, como bons candidatos, a política de informática, o programa espacial e o programa nuclear. Uma lista mais detalhada incluiria um grande número de projetos "induzidos" pelas agências com as melhores das intenções, mas que deixaram de produzir resultados porque apostaram em instituições, pessoas e projeções tecnológicas equivocadas. Sem falar nas prioridades estabelecidas por puro preconceito contra ou a favor de determinados temas ou áreas de estudo e pesquisa.

Não há soluções fáceis para esta situação, mas alguns princípios importantes poderiam ser úteis. O primeiro é diversificar. Quando existem várias agências em diferentes níveis de governo, cada qual com suas missões e prioridades, os riscos de errar são menores. A Capes é uma agência de apoio à formação de recursos humanos para o ensino superior, o CNPq cuida do fomento à pesquisa básica e aplicada, a Finep trata dos projetos tecnológicos, as Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais têm uma ótica regional, etc. É como deve ou deveria ser. Existem superposições entre os trabalhos destas agências, o que é bom, porque permite às instituições e aos pesquisadores buscar apoio num "mercado" diversificado de recursos e prioridades.

O segundo princípio consiste em se preocupar com os grandes projetos tecnológicos e de alto custo, e deixar espaço para o varejo dos pequenos projetos e iniciativas, que devem ser financiados sobretudo através dos mecanismos clássicos de controle de qualidade por revisão por pares.

O terceiro é, ao estabelecer projetos e áreas prioritárias, não se limitar a dizer, por exemplo, que "a nanotecnologia é importante", e colocar dinheiro no setor, mas especificar, com muito mais clareza e detalhe, como os investimentos nesta área poderão trazer resultados palpáveis, olhando, por exemplo, sua inserção em cadeias produtivas reais ou em formação. Estas prioridades precisam ser traduzidas em linguagem suficientemente clara para serem entendidas pelos não especialistas, e acompanhadas de mecanismos também claros de avaliação externa de resultados.

Mais importante do que tudo isto, no entanto, é o fato de que o Brasil investe muito pouco dinheiro em ciência e tecnologia - cerca de 1% do PIB, comparado com 2,5% da Alemanha, 2,6% dos Estados Unidos e 3% da Coréia. A diferença entre o Brasil e estes países não está só no fato de que investimos menos, mas no fato de que, nas economias desenvolvidas, os investimentos são feitos sobretudo por empresas ou institutos de tecnologia, enquanto que, no Brasil, predominam os gastos com pesquisas em instituições públicas.

Não é possível mudar de patamar e de escala dos investimentos em pesquisa no Brasil sem mudar este padrão de financiamento, o que depende, por sua vez, de que as instituições públicas se tornem muito mais abertas e orientadas para a criação de pontes entre o trabalho acadêmico e a busca de resultados práticos e significativos das pesquisas. Nesta mudança, a pesquisa básica, acadêmica e independente, não pode nem precisa ser prejudicada, porque ela só consegue prosperar de fato quando o sistema de inovação de um país funciona como um todo, e envolve a participação de cada vez mais recursos, pessoas, empresas e instituições.
(O Globo On-line, 2/12)

Fonte: JC e-mail 3654, de 03 de Dezembro de 2008.

Marcadores:

02 dezembro 2008

O Triângulo de Sabato

Artigo de Renato Dagnino.

“O vértice Empresa mudou também, em relação ao que se esperava, para pior. Agravou-se o predomínio das multinacionais, sobretudo nos setores intensivos em tecnologia”.

Renato Dagnino é professor titular do Grupo de Análise de Política de Inovação do Depto. de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Numa conversa com Jorge Sabato, um dos fundadores do Pensamento Latino-americano sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS), ele me contou como havia surgido o “seu” triângulo. Tinha sido numa reunião com economistas em que ele queria mostrar-lhes o modelo cognitivo que usava para descrever e prescrever a Política de C&T (PCT). E, para isso, estilizou as relações entre Governo, Empresa e Universidade com essa figura geométrica porque ela era a mais complicada que os que o estavam escutando podiam entender.

Brincadeiras à parte, a força dessa estilização já quarentona permanece. E tem sido retomada no norte com outras roupagens. Ela manifestou-se uma vez mais numa das poucas sessões em que se discutiu a PCT latino-americana da Reunião da semana passada, em Porto Alegre, em que participaram brasileiros, argentinos e uruguaios. A sessão contou com a participação (entre outros; poucos, diga-se de passagem) da vice-presidente do CNPq - Wrana Panizzi – conhecida pelas suas propostas de renovação dessa política.

Este texto resume o que ali sugeri: a introdução de mais um vértice na figura proposta por um dos meus mestres mais brilhantes que dê conta das mudanças que ocorreram desde então e se aproveite da maior capacidade que temos hoje os que fazemos no nosso quotidiano – de maneira bottom-up e incremental - a PCT.

Assim, de forma bem-humorada, mas respeitosa, proponho uma nova estilização. Um modelo cognitivo que nos permita prescrever sobre a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade sul-americana atual: o “Quadrado do Dagnino”.

Antes disso, me fiz algumas perguntas: Quem eram esses três atores? Qual era o projeto político que esse triângulo simbolizava? Que comportamento dos atores, que dinâmica de funcionamento sistêmico se pretendia? Que processos de co-construção sócio-técnica e co-organização política no âmbito interno e externo eram com eles coerentes?

O Governo – antecipador, forte e portador de um “projeto nacional” de industrialização de baseado na substituição de importações que expressava o compromisso desenvolvimentista entre as elites e o operariado -, não por acaso, ficava no vértice superior.

A universidade, que na Argentina prefigurava o que viria a ser no Brasil – o celeiro de onde se esperava viria o conhecimento necessário para o desenvolvimento tecnológico na empresa – ficava, como esta, na base.

A pesquisa universitária receberia os recursos do governo para fornecer à empresa nacional – demiurgo modernizante e quase antiimperialista do capitalismo nascente – a capacitação tecnológica que a condição periférica e o acosso das multinacionais não havia (ainda) gerado.

Uma das contribuições mais importantes de Sabato não foi muito levada em conta. Talvez por não aparecer no triângulo, mas provavelmente porque não era conveniente para os que o popularizaram, as “fábricas te tecnologia” que, com base nos institutos públicos e em novos grupos universitários de pesquisa, fariam a ponte entre os habitantes de dois territórios-vértices que “não falavam a mesma língua”.

Na verdade, com o início do desmantelamento neoliberal do Estado latino-americano, sua proposta se transformou nos anos oitenta no simulacro das incubadoras, parques e pólos de alta (!?) tecnologia.

Quarenta nos depois do triângulo, não são apenas os mecanismos institucionais da interação universidade-empresa que se revelam inadequados e, por isto, inócuos. O ambiente nacional e globalizado em que se inseria o triângulo sofreu transformações que alteraram a natureza e o comportamento dos três atores e, é claro, o que se pode esperar das relações entre eles.

O Governo, ademais de ocupar um Estado tetraplégico e lobotomizado que o torna muito distinto, não logrou forjar um projeto que, no âmbito tecnológico-produtivo, viabilize pela via cognitiva o estilo alternativo de desenvolvimento econômico-social com o qual se comprometeu. Pelo contrário, se aprofunda a disfuncionalidade entre a PCT – focada na obtenção de um quimérico aumento na propensão à P&D da empresa que a tornaria internacionalmente competitiva e que permitiria uma ainda mais irrealista melhoria da vida da população excluída – e as políticas de inclusão social nas quais este mesmo governo aplica (e não poderia nem deveria ser de outra forma!) recursos crescentes.

O vértice Empresa mudou também, em relação ao que se esperava, para pior. Agravou-se o predomínio das multinacionais, sobretudo nos setores intensivos em tecnologia que poderiam demandar resultados da pesquisa universitária; o que levou a um paroxismo da disfuncionalidade.

Somou-se à idéia de que é a universidade pública (e não a privada) que deve produzir conhecimento com e para a empresa privada, ao invés de fazê-lo para o benefício do conjunto (público) da sociedade, o fato (que eu saiba único) de que um país destine recursos públicos para multinacionais desenvolverem pesquisa.

São muitas as evidências empíricas de uma PCT que, tentando remediar o que é estrutural na nossa condição periférica e em dependência cultural e que preside a baixa propensão à P&D da empresa local, agrava sua disfuncionalidade ao invés de alavancar aquele estilo alternativo.

Segue-se tentando alterar essa propensão pela via da formação de mestres e doutores quando a capacidade de absorção das empresas é de menos de 1%; incentivando a competitividade das empresas quando apenas uma centena delas inova em termos mundiais; aumentando a disponibilidade de recursos para a P&D quando elas afirmam que os sinais de mercado não as estimulam a usá-los e que sua estratégia de inovação não passa pela P&D e sim pela aquisição de equipamento (o que provavelmente explique a tendência observada de diminuição de sua receita destinada à P&D); estimulando as empresas a se relacionarem com a universidade quando as pouquíssimas que o fazem afirmam que isso não lhes interessa muito.

Não vou me referir ao vértice Universidade. Primeiro, porque já o tenho feito em outras oportunidades e porque nós bem sabemos dos seus defeitos. Segundo, porque eles só poderão ser amenizados e transformados em qualidades caso um novo vértice, que tensione a PCT e a agenda da pesquisa universitária pela via da policy e da politcs seja introduzido no seu modelo cognitivo.

O “Quadrado do Dagnino” (e vale, para os que o considerarão retrógrado, o duplo sentido) pretende “introduzir” no triângulo da PCT o vértice dos Movimentos Sociais.

Pretende fazer com que dela participe esse ator que com cada vez maior força vem colocando sua agenda em outras políticas públicas menos controladas pelos seus atores dominantes e que ainda não dispõem de um substrato cognitivo adequado; que é um portador do futuro igualitário que se quer construir; e que possui necessidades insatisfeitas que, estas sim, ao contrário daquelas poucas colocadas pelas empresas, contêm desafios tecnocientíficos capazes de mobilizar nosso potencial - tangível e intangível - de C&T.

Pretende fazer que dela participem os que, cada vez mais excluídos, seguem financiando a produção de um conhecimento crescentemente orientado para as empresas que hoje não absorve nem a metade da nossa População Economicamente Ativa.

Os presentes à sessão a que me refiro concordaram que o atual governo foi o primeiro a desenvolver ações no sentido do desenvolvimento de tecnologia para a inclusão social. Mas, que a julgar pela parcela dos recursos do PAC da C&T a ele destinado - apenas 2% do total – muito mais deve (e poderia) ser feito.

Discutiu-se também a necessidade de contar com instrumentos e arranjos institucionais para viabilizar o atendimento das demandas cognitivas dos Movimentos Sociais e implementar o “Quadrado do Dagnino”. Citou-se, entre elas, o Instituto Nacional de Inovação Social cuja proposta, enviada pela Unicamp ao CNPq no âmbito de recente Edital, está sendo reconsiderada pela comissão responsável.

Fonte: JC e-mail 3653, de 02 de Dezembro de 2008.

Marcadores:

Políticas de CT&I: heranças do passado e tendências atuais

Em 4º encontro CTS, pesquisadora identifica caminhos seguidos atualmente pelas políticas científicas no Brasil.

Os comitês gestores da ciência e tecnologia no Brasil seguem, em geral, três principais lógicas, na visão da pesquisadora Maíra Baumgarten, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): uma delas é a lógica “excelentista”, em que opinam grupos hegemônicos da comunidade científica; outra atende a interesses de “competitividade”; e a terceira segue a tendência “assistencial”.

Maíra apresentou em Porto Alegre dados da sua pesquisa “Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil contemporâneo”, durante a 4ª reunião Ciência, Tecnologia e Sociedade, na mesa-redonda que contou com a presença de Wrana Panizzi, vice-presidente do CNPq, e de Silvina Bidart, do programa de cooperação bilateral do ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina.

Segundo Maíra, a política para o setor de CT&I caminha em duas direções. Uma delas ainda está vinculada às visões predominantes no século passado, fundadas na perspectiva “excelentista produtivista”, que une a tendência de copiar modelos de países centrais com a idéia de excelência científica, que para a pesquisadora reforça a oligopolização de oportunidades e recursos por parte de alguns grupos específicos e instituições.

“O resultado dessas ações é a permanência das disparidades regionais e intra-regionais, a precariedade das universidades públicas e a formação de mais doutores sem lhes possibilitar, no entanto, o acesso aos recursos e ao mercado de trabalho”, apontou Maíra. Ela frisou ainda que esse sistema mantém o conhecimento encerrado dentro das universidades e valoriza a publicação no exterior. “Devíamos valorizar mais as publicações nacionais”, contestou.

A outra direção da política de CT&I no Brasil é mais recente e visa à estruturação de políticas que contemplem o investimento nas competências educacionais, científicas e tecnológicas próprias do país, a partir de um olhar adequado às especificidades nacionais. Essa direção leva em conta a identidade histórico-cultural para definir as estratégias a serem adotadas.

Segundo a pesquisadora, há alguns esboços de políticas e ações com essas características: apoio ao desenvolvimento de tecnologias sociais, apoio à divulgação de C&T, editais por temas que trabalham com problemas locais e potencialidades regionais.

No entanto, segundo Maíra, na composição dos comitês gestores persistem as lógicas de excelência e competitividade próprias das áreas “hard” e com perspectiva econômica. Para a pesquisadora, há grandes dificuldades de formar comitês gestores realmente transdisciplinares, possibilitando a avaliação de projetos que integrem saberes e viabilizem soluções para as complexas questões sociais do Brasil.

A pesquisadora apontou ainda a limitada inclusão das ciências sociais e humanas nos projetos atendidos pelos editais. E criticou a lógica assistencial, também identificada nos comitês de C&T, em que os gestores públicos buscam, muitas vezes, resolver carências e demandas de inclusão social de forma simples e rápida sem mudanças significativas nas estruturas de educação e produção.

Ela defende, entre outros pontos, o estabelecimento de avaliações dos efeitos sociais das pesquisas como importante ferramenta de gestão da CT&I e elemento central de legitimação, junto à sociedade, da alocação de recursos para as atividades de pesquisa científica e tecnológica.

Debate

No espaço reservado à discussão, após apresentação de Maíra Baumgarten, o pesquisador Roberto Dagnino, da Universidade de Campinas (Unicamp), criticou de forma veemente o fato de apenas 2% da verba do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação serem destinados a movimentos sociais, enquanto cerca de 40% dos recursos estão dirigidos a empresas, para aplicarem em projetos de pesquisa em inovação. Para Dagnino, os movimentos sociais deveriam ser incluídos nas políticas científicas do Brasil como um novo e importante ator.

Maíra Baumgarten também manifestou receio sobre o volume de recursos destinados a empresas. “A questão de se incorporar a competitividade à ciência é importante, mas adianta destinar recursos a fundo perdido nas empresas? Não seria melhor conscientizá-las de que elas próprias deveriam aportar esse dinheiro?”, questionou.

Também presente à reunião, representando o Ministério da Ciência e Tecnologia, estava o chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais, José Monserrat Filho, que concordou com a necessidade de estimular as empresas a investirem recursos próprios em pesquisa. “Mas isso é uma luta, e vem de um esforço muito recente, que começou a surgir há apenas 20 anos”, argumentou.

O chefe da Assessoria salientou que os recursos somente são destinados a empresas cujos projetos já foram avaliados e aprovados. Defendeu também que, quando o governo apóia uma empresa, está considerando que isso vai gerar empregos futuramente e que, dessa forma, o investimento será revertido para a sociedade. Monserrat argumentou ainda que os 2% a que se referiu Dagnino são uma conquista recente, o que demonstra que o governo está caminhando numa nova direção.

Wrana Panizzi, vice-presidente do CNPq, defendeu que essas discussões deveriam ser feitas dentro dos organismos de financiamento do Governo, como o próprio CNPq. “Estes órgãos estão muito burocratizados. É preciso discutir internamente a razão de se investir numa área e não em outra”, afirmou Wrana.

Para Maíra, é necessário ainda debater melhor o próprio conceito de excelência científica. “Por que é tão difícil reconhecer como excelente uma atividade de divulgação científica?”, questionou.
(Marina Ramalho)

Fonte: JC e-mail 3652, de 01 de Dezembro de 2008.

Marcadores: