29 novembro 2006

Difícil inserção feminina

Historicamente, a ciência tem sido vista como uma atividade masculina. Até mesmo a imagem que costuma representar um cientista é a do homem de óculos, vestindo um jaleco branco, geralmente idoso. A conferência "Mulher-Ciência: Mulheres Latino-Americanas nas ciências exatas e da vida", de 17 a 19 de Novembro no Rio de Janeiro tratou desse esteriótipo e de outras questões da inserção das mulheres na ciência, especialmente na tecnologia
Historicamente, a ciência tem sido vista como uma atividade masculina. Até mesmo a imagem que costuma representar um cientista é a do homem de óculos, vestindo um jaleco branco, geralmente idoso.
"Esse estereótipo do cientista homem que está no inconsciente coletivo é uma imagem equivocada", observa a bióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jacqueline Leta, uma das organizadoras da conferência "Mulher-Ciência: Mulheres Latino-Americanas nas ciências exatas e da vida", que aconteceu dia 17/11, no Hotel Othon do Rio de Janeiro.
A conferência terá um enfoque muito mais sociológico do que histórico. "A proposta é focar nos problemas que as mulheres enfrentam na ciência, visando à formulação de políticas públicas", explica Jacqueline.
Estudos apontam que a participação das mulheres na ciência sempre foi significativamente menor que a dos homens e que elas costumam enfrentar discriminação. No artigo As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso, Jacqueline mostra dados que sustentam o contraste. Na Academia Brasileira de Ciência, por exemplo, as mulheres ocupam cerca de 8% das cadeiras: são apenas 26 num total de 353 membros.
O estudo aponta também a disparidade no sistema de concessão de bolsas, especificamente na questão das bolsas de produtividade, que são as de maior nível hierárquico. Segundo dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2002 havia, para cada pesquisador homem, 0,84 pesquisadora cadastrada no Diretório de Grupos de Pesquisa.
A relação diminui muito na concessão de bolsas de produtividade: para cada pesquisador contemplado com essa bolsa, há apenas 0,48 pesquisadora na mesma situação. "Homens e mulheres são avaliados da mesma forma, mas têm papéis distintos. O mérito não é pautado pela contribuição científica", afirma Jacqueline.
Desequilíbrio insistente
Por quê a física ou a astronomia são áreas tidas como predominantemente masculinas? Qual a causa para esse desequilíbrio de gêneros nas ciências? As mulheres são excluídas ou simplesmente não querem ocupar esses cargos?
"São tantas as informações contra a inserção de mulheres na ciência que elas podem não saber que querem entrar para essas áreas", acredita a pesquisadora, referindo-se aos estereótipos criados pela sociedade como uma das causas da escassez de mulheres no meio.
"Somos seres socialmente construídos, sofremos influência do meio. Se a mãe ou a professora dizem para uma criança que matemática não é coisa de menina, ela vai procurar outra área, mesmo tendo aptidão para a matemática. É necessário um trabalho no país de desconstrução desses mitos", acredita.
Além disso, as diferenças salariais por discriminação de sexo e até mesmo problemas de assédio sexual podem ser fatores que afastam as mulheres dos centros científicos. Há alguns anos, o artigo Nepotism and sexism in peer-review, publicado na Nature, causou polêmica no meio científico ao revelar que as pesquisadoras suecas recebiam 50% a menos do que colegas do sexo oposto.
Temas em discussão
Os participantes da conferência no Rio de Janeiro discutirão temas como as dificuldades sofridas no local de trabalho, carreira e família, estrutura de poder e ascensão profissional. Uma das propostas é a atração de jovens para as diversas áreas da ciência. Para isso será analisado o papel da mídia e da educação na formação de estereótipos. A mesa redonda “Políticas Públicas em Ciência e Tecnologia” contará com a presença da ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial da Mulher.
A contribuição da mulher na ciência e no desenvolvimento da América Latina também será enfocada. Cientistas como a tcheca naturalizada brasileira, Johanna Döbereiner (1924-2000), serão lembradas. A bióloga descobriu, no século passado, a íntima associação de determinadas bactérias com plantas e percebeu que essas agiam como uma espécie de adubo natural. Quando colocadas junto às sementes de soja, estimulavam o surgimento de estruturas nas raízes que facilitavam a maior absorção do nitrogênio do ar para as plantas.
Esses estudos permitiram a redução a zero dos custos com adubos nitrogenados, já que a bactéria fornecia “gratuitamente” esse elemento diretamente à planta. O resultado foi uma economia gigantesca na lavoura da soja – estimada em US$ 1,5 bilhão por ano –, tornando o país um dos líderes na produção mundial de soja.
Mais informações: www.cbpf.br/~mulher
Fonte: Instituto de Informática da UFRGS(Notícias)

Periódicos científicos adotarão mais rigor em suas publicações

29/11/2006 - 09h38

RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

A maior fraude científica da década vai fazer com que periódicos que publicam artigos de pesquisadores adotem mais rigor --e burocracia-- na hora de avaliar os trabalhos. Essa foi a tendência apontada pelo resultado de uma comissão independente que investigou a possibilidade de negligência por parte da revista "Science", da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em se deixar enganar pelo veterinário coreano Woo-Suk Hwang.

O cientista falsificou dados em dois estudos sobre clonagem de embriões humanos para obtenção de células-tronco, em 2004 e 2005, e conseguiu driblar editores e revisores da revista. Segundo o comitê, porém, a "Science" fez tudo o que podia para evitar a entrada de informação incorreta.

"Os editores seguiram os procedimentos em operação na 'Science', um processo de revisão similar ao de outras grandes publicações científicas", disse John Brauman, líder do comitê. Para ele, contudo, "nenhum conjunto realista de procedimentos pode ser completamente imune à fraude deliberada". O "peer-review", sistema-padrão em que o estudo é submetido ao crivo de cientistas independentes, tem mais poder de flagrar inconsistências lógicas do que dados falsos.

Em relatório divulgado ontem, o comitê pede à revista que crie um sistema de "avaliação de risco" para detectar eventuais interesses de autores em cometer fraude. Áreas concorridas ou que atraiam a imprensa receberão mais atenção. "Poderemos pedir a autores para revelar informações sobre suas atribuições individuais nos trabalhos e, às vezes, enviar dados, imagens e materiais originais, quando forem questionados", disse Donald Kennedy, editor-chefe da "Science".

Mudança conjunta

Brauman sugeriu também que outras publicações científicas de impacto, como a "Nature" e a "PNAS", discutam uma política conjunta de mudança de critérios. O líder do comitê diz que parte da dificuldade de avaliação dos estudos fraudados de Hwang se deveu ao fato de os autores estarem um país distante e se comunicarem entre si em outra língua. A "Science", porém, promete que isso não será usado para dificultar a entrada de autores estrangeiros.

"Talvez tenhamos de abandonar a esperança tradicional de que a confiança coletiva vai continuar funcionando", disse Kennedy. "Mas temos de ter a consciência de que, quando apertamos nossos procedimentos, haverá custos sociais associados a essa mudança."

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u15593.shtml

27 novembro 2006

Semana de Astronomia discute gênero e ciência

Semana de Astronomia discute gênero e ciência

Não é de hoje que as mulheres vêm desempenhando importantes papéis na construção da ciência. Por esse motivo, a 14ª Semana de Astronomia terá como tema As Mulheres na Astronomia. O evento será promovido pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, entre os dias 24 e 26 de novembro. Por meio de palestras, oficinas, sessões de planetário, teatro e outras atividades, será abordada a contribuição de algumas mulheres na construção do conhecimento em astronomia e, também, os mitos femininos que foram eternizados em diferentes culturas. A questão de gênero e ciência será abordada para contribuir com a compreensão da ciência como construção social, ou seja, apresentar a ciência como um produto que ao mesmo tempo influencia e é influenciado pela sociedade. A entrada é franca e o Mast fica no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. A programação completa está no site www.mast.br. Assessoria de Comunicação do Mast
http://agenciact.mct.gov.br/index.php/content/view/42089.html

Entrevista Neide M. Osada - O gênero nas ciências

CIDADE DO CONHECIMENTO - Entrevista com Neide Mayumi Osada

A pesquisadora falou na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line sobre a sua dissertação Fazendo gênero nas ciências: uma análise das relações de gênero no projeto genoma da Fapesp, mulher e a produção do conhecimento e como está a pesquisa no Brasil. Confira a entrevista!

Neide Mayumi Osada possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1997) e mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Atualmente ela é pesquisadora da Cidade do Conhecimento da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Conhecimento, atuando nos seguintes temas: Gênero e Ciência, Mulher e Ciência, Biologia Molecular, Produção Científica, Projeto Genoma.

IHU On-Line - A senhora pode falar um pouco sobre a dissertação "Fazendo gênero nas ciências: uma análise das relações de gênero no projeto genoma da Fapesp"?
Neide Mayumi Osada - O tema da pesquisa, Ciência e Gênero, surgiu por influência da Cátedra Regional Unesco, Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina cujo ponto focal no Brasil é a Cidade do Conhecimento, projeto da qual participo desde a sua fundação. A definição do tema "projeto genoma" ocorreu pela importância que a Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo deu à Biologia Molecular, área da Biologia que abarca os projetos genomas. O investimento da Fapesp no período de 1997 a 2003, período em que ela conclui o programa genoma, foi de R$ 100 milhões. O investimento permitiu importantes transformações nos laboratórios de biologia molecular do Estado de São Paulo, capacitou pesquisadores, conseguiu grandes avanços na Biologia, colocou a pesquisa nacional na mídia internacional, demonstrou que o País produz conhecimento em áreas de ponta quando existe uma política científica que proporcione o seu desenvolvimento.

IHU On-Line - Como é desenvolvido pela senhora o tema Mulher e Ciência?
Neide Mayumi Osada - A pesquisa buscou entender como ocorre a participação da mulher na produção do conhecimento do projeto genoma e entender as razões pelas quais as mulheres avançam menos que seus pares homens, numa área como a biologia, ou seja, uma das áreas do conhecimento cuja participação feminina é mais equilibrada. Os dados da pesquisa apontam que as mulheres são maioria até o pós-doutorado, no corpo docente a participação da mulher é equilibrada entre os doutores e os livre-docentes, e elas são minoria entre os professores titulares. Na coordenação de importantes pesquisas coletivas, as mulheres coordenaram cerca de 40% dos projetos, ou seja projetos do tipo genoma, temático da Fapesp, Jovem pesquisador da Fapesp.

IHU On-Line - Como é a participação da mulher na produção científica no Brasil?
Neide Mayumi Osada - Podemos afirmar que o século XXI é o século das mulheres pelas conquistas sociais e nas ciências. A presença da mulher nas ciências da vida é eqüitativa, pelo menos nas posições iniciais e intermediárias da academia; nas ciências sociais e humanas não há dúvidas quanto aos avanços obtidos, e que não se limitam à presença igualitária, mas também às contribuições na produção do conhecimento. Nas ciências exatas e engenharias, a situação é preocupante, pois a presença feminina no corpo docente e discente de importantes instituições de ensino não ultrapassa a média de 15% do total de alunos e professores. Atualmente, as mulheres não sofrem nenhum tipo de preconceito declarado sobre a sua presença nas ciências brasileiras. No entanto, os homens continuam agindo de forma a garantir a hegemonia masculina nos postos mais elevados das ciências. A formulação do projeto genoma da Fapesp por um grupo composto por 18 pesquisadores, consultores e conselheiros da Fapesp, todos do sexo masculino, mostra que o "clube do bolinha" nas ciências existe. Pode-se dizer até que a formação desse "clube" não ocorreu de forma consciente. Durante a realização de uma das entrevistas, quando questionada a ausência das mulheres no grupo dos 18 que decidiram os rumos do projeto, o entrevistado não havia percebido a ausências delas, assim como não sabia explicar as razões para esta exclusão, no entanto, a sua expressão facial demonstrava constrangimento diante do questionamento.

IHU On-Line - De que forma a mulher delineia a sua carreira dentro da academia?
Neide Mayumi Osada - Na maioria das vezes, a construção da carreira científica da mulher ocorre a partir das oportunidades que surgem diante dela, pois as barreiras e os preconceitos são inúmeros. Durante a graduação elas são maioria, correspondendo a aproximadamente 60% dos alunos, na pós-graduação e no pós-doutorado elas ganharam cerca de 60% das bolsas disponibilizadas pela Fapesp na área da biologia, entre 1992 e 2005. No que se refere obtenção de recursos de pesquisa do tipo Jovem pesquisador - concedido a recém-doutores - temáticos - grandes projetos de pesquisa e genoma, elas ficaram com aproximadamente 40% dos recursos. A diferença é muito grande. Como é possível interpretar esses dados? Um dos pontos cruciais é a família que tem peso importante na construção da carreira de uma mulher, pois se ela tem filhos durante a pós-graduação, ela corre o risco de gerar menos resultados de pesquisa, na maioria das vezes é durante o doutorado e o pós-doc que surgirão as oportunidades de fazer um estágio no exterior, e numa área tão nova como a biologia molecular, não estagiar empobrece o currículo e gera conseqüências negativas sobre a carreira dessas pesquisadoras, enfim, são os "Efeitos Matildas" que impedem os avanços das mulheres nas carreiras científicas. O termo "efeito matilda" foi utilizado pela pesquisadora Margaret Rossiter em 1993 para falar das dificuldades da mulher nas ciências; um paralelo ao efeito Matheus estudado por Robert Merton, sociólogo da ciência, para falar do reconhecimento dos cientistas que estão no topo da carreira em detrimento aos jovens pesquisadores. Bem, Merton empresta o termo da bíblia, Mateus 13:12, "àqueles que têm será acrescentado, àqueles que não têm, será tirado".

Fonte (e texto completo) em http://www.cidade.usp.br/blog/2006/09/29/244/

A divulgação científica como instrumento de cidadania

A divulgação científica como instrumento de cidadania
Por: Ramayna Gazzinelli

Neste ano em que comemoramos o centenário da Teoria da Relatividade, recordei-me de uma história que me foi contada na escola primária, segundo a qual apenas uma meia dúzia de pessoas em todo o mundo, além do próprio Einstein, compreendia a teoria. Essa lenda, bastante difundida como vim a descobrir depois, dá uma idéia da distância em que o homem comum vê a ciência. Nem sempre foi assim. Até a revolução científica dos séculos XVII e XVIII, que deu início ao desenvolvimento rápido das ciências, livros de diversos ramos do saber eram facilmente compreendidos por pessoas cultas. Galileu, um dos fundadores da física moderna, escreveu suas principais obras em italiano, em vez do latim usual, para que pudessem ser compreendidas por todos.
A palavra scientist só foi criada no início do século XIX, o que indica que o processo de especialização das ciências, iniciado com a revolução científica, ganhava rapidez, mas elas continuavam acessíveis ao homem comum. Humphry Davy e Michael Faraday, na primeira metade desse século, faziam demonstrações populares sobre suas descobertas mais recentes em química e eletromagnetismo, com grande afluência de público. Charles Darwin escreveu sua obra mais importante, A origem das espécies, de forma que pudesse ser lida pelo leitor não-especializado. Não se pode negar o êxito editorial dessa obra tão minuciosa e revolucionária – a primeira edição se esgotou no dia da publicação, 24 de novembro de 1859 e, já em janeiro do ano seguinte, vinha a lume a segunda edição. Mesmo relatos experimentais, publicados em periódicos especializados – como o artigo fundamental da genética de Gregor Mendel –, eram compreensíveis para o leitor não-especializado.
O processo de especialização das ciências completou-se no século XX. As comunicações científicas são, agora, escritas tendo-se em vista os especialistas de um pequeno canto do saber. Até pesquisadores de uma mesma ciência, mas de diferentes especialidades, são afetados pela dificuldade de comunicação, porque são diversos os instrumentos, as técnicas de medidas, os métodos matemáticos de análise e os conceitos usados. A ligação dos conhecimentos em cadeia, o maior grau de abstração e a linguagem hermética da ciência moderna criam barreiras intransponíveis para o homem comum, o que acaba constituindo uma ameaça à própria ciência, por tornar impossível o exame de suas aplicações pela sociedade que a mantém.
Vivemos imersos num ambiente científico. Os aparelhos que nos cercam e, talvez, nos dominam na vida diária – televisão, computador, telefone celular, radar, aparelhos de diagnóstico médico – não são invenções técnicas, mas invenções de base científica, isto é, que não existiriam sem a ciência moderna. A todo momento, tomamos decisões políticas, que, muitas vezes, envolvem conhecimento científico, ao optar pelo programa de um partido, opinar em referendos ou, simplesmente, subscrever manifestos. Em nosso país, existem, atualmente, algumas questões graves sobre as quais não se pode opinar sem reflexão cuidadosa, fundada num conhecimento científico mínimo – a instalação de usinas nucleares, a produção de grãos transgênicos, o uso de células embrionárias e a clonagem de seres humanos, entre outras. Essas questões complexas podem ser analisadas de diferentes perspectivas e podem ter respostas variadas de diferentes peritos. Por isso, elas exigem que o cidadão tenha algum conhecimento científico para que não seja manipulado por especialistas, que, com freqüência, torcem os fatos científicos para satisfazer suas ideologias, ou por demagogos, que as manipulam de maneira puramente emocional. O acesso à informação científica séria permite ao cidadão participar racionalmente do debate com a informação necessária e sem preconceitos.
Não se trata, porém, de apenas instrumentalizar o cidadão para o debate na sociedade democrática, mas, principalmente, de inseri-lo na cultura de nossos tempos. A ciência representa para nossa civilização o que a teologia foi para a da Europa medieval ou a filosofia para a dos gregos. Apesar da aparente oposição entre cultura e ciência – o que C. P. Snow chamou, num ensaio clássico, de “as duas culturas”– e que transparece, por exemplo, na existência, em nosso país, de ministérios distintos de ciência e de cultura, a ciência é parte essencial de nossa cultura e, como tal, deve ser tratada. A divulgação científica pode desempenhar essa tarefa de inclusão do cidadão na cultura de nosso tempo.
Um dos exemplos mais notáveis de divulgação científica foi o livro Silent Spring, de Rachel Carson, publicado em 1962, a respeito do uso indiscriminado do pesticida DDT. Esse livro levou à proibição do DDT, mas, principalmente, desencadeou o moderno movimento ambientalista em todo o mundo. Rachel Carson era uma cientista e seu livro, ancorado em referências científicas de qualidade e escrito com sensibilidade, destinado ao leitor comum. Deve-se a isso sua notável influência na população norte-americana, que, por sua vez, pressionou o governo Kennedy a agir. Passados pouco mais de 40 anos desses fatos, ao observar a imensa força do movimento ambientalista hoje, é difícil imaginar a que grau o mundo era, nessa época, insensível à destruição do ambiente. Porém, mesmo com esse progresso, a questão ambiental continua a ser um dos mais importantes alvos da divulgação científica, porque o homem continua a agredir a natureza e, nas palavras da própria Carson, “o homem é uma parte da natureza e sua luta contra a natureza é inevitavelmente uma luta contra si mesmo”.
O exemplo de Carson mostra que a divulgação científica não é uma tarefa desprezível e pode gerar resultados apreciáveis para a sociedade. O próprio cientista tem um ganho, porque, ao criar imagens para explicar conceitos novos para o leitor não-especializado, sua própria compreensão deles aumenta.
A popularização da ciência pode ser feita por cientistas, jornalistas científicos ou escritores. No primeiro caso, a principal dificuldade está em conseguir o cientista libertar-se de sua linguagem, que é, de certa maneira, cifrada para o leitor; no segundo, em captar o jornalista os conceitos corretamente; no terceiro, em não falsear o escritor a ciência para satisfazer a ficção. Em todo o caso, é importante comunicar ao leitor a idéia de que a ciência é um processo e não, uma enciclopédia; de que a ciência está sempre em formação – uma teoria, aceita, hoje, como verdade científica, poderá não resistir aos testes experimentais e será abandonada amanhã; de que a ciência deve ser vista com olhos céticos – nem toda descoberta anunciada por um cientista ou laboratório deve ser aceita como verdade estabelecida; de que a “verdade” científica é o resultado da concordância do trabalho de muitos cientistas de laboratórios independentes, durante muitos anos; e, por fim, de que, muitas vezes, descobertas extraordinárias, apresentadas como “verdades científicas”, são, de fato, modelos de trabalho usados pelos cientistas para desenvolverem suas teorias.

O casamento telefone-computador

O casamento telefone-computador

Renato Sabbatini

Duas das maiores invenções da humanidade, o telefone e o computador, estão se "casando". A tecnologia resultante, denominada "telefonia integrada ao computador" (CTI - Computer-Integrated Telephony) é uma pequena revolução, em termos dos novos serviços que pode proporcionar. O principal deles, o "call center" (centro de chamadas, ou, centro de atendimento telefônico) é um dos setores em expansão mais acelerada no mundo, gerando atualmente bilhões de dólares em negócios. A prova disso é o explosivo interesse gerado recentemente no Brasil por seminários, livros e cursos, e pela entrada de grandes empresas de telecomunicação, como a Algar e a Telefonica, no estabelecimento de gigantescos "call centers" que serão oferecidos para terceirização de serviços.

Como funciona um "call center", e qual o papel da CTI?

Você, com certeza, já utilizou um "call center" alguma vez na vida. Os números de atendimento ao público das companhias telefônicas (102, de auxílio a lista, 104, de suporte técnico, etc.) são um bom exemplo, embora um pouco restritos quanto às possibilidades completas de um bom "call center". Os serviços de operação de bancos ("Fone Fácil" e equivalentes) também são outro exemplo. Os serviços de atendimento ao consumidor (SAC) de indústrias também já incorporam essa tecnologia, assim como inúmeros serviços de número 0800 e 0900 implementados por instituições públicas e empresas provadas.
Eles funcionam assim: em uma sala, dezenas ou centenas de atendentes ficam a postos em frente de terminais de computadores ligados em rede, e controlados por um software especial de "call centers", que os integram a rede telefônica. Quando chega uma chamada (através de um número único), uma central PABX digital redirige a mesma ao primeiro operador livre (ou coloca o usuário em espera, através de mensagens de voz). O operador atende a chamada, e no diálogo com o usuário, o identifica (por exemplo, através do número do telefone, ou da conta bancária, do CPF, etc.). O software do "call center" começa então a auxiliar o operador, mostrando na tela do computador a ficha de cadastramento do usuário, o histórico de chamadas anteriores e como foi feito o atendimento, dados individuais (como saldo bancário), etc. Enquanto a conversa flui, o software monitora a sua duração, e grava em fita tudo o que é falado, para fins legais ou de auditoria. Ao terminar a chamada, o software solicita ao operador dados adicionais e os armazena na ficha computadorizada do usuário.

A integração computador-telefone funciona em vários pontos do "call center". Muitas centrais, por exemplo, economizam tempo do operador, ao transferir várias operações de seleção feitas pelo usuário para uma Unidade de Resposta Audível (URA). Este equipamento é aquele que oferece ao usuário, através de mensagens de voz pré-gravadas e digitalizadas no computador, uma série de opções que ele deve selecionar através do teclado do telefone (se você quiser ver o seu saldo, disque 1, se quiser falar com um operador, disque 2…). Também podem recuperar mensagens mais longas, gravadas no computador (textos de ajuda ou instrução, por exemplo), ou sintetizar mensagens compostas (como um número de telefone, um saldo bancário, etc.), passando-as pelo telefone. A CTI permite também que o operador disque números através do teclado do computador e que toda a operação do "call center" seja otimizada por um software de controle, que ajuda a diminuir a ociosidade dos operadores, redistribuindo chamadas, controlando a produtividade de cada um, e assim por diante.

Outro conceito interessante é a realização de chamadas pelo próprio "call center", com inúmeras aplicações: levantamento de opinião e do grau de satisfação dos usuários, por exemplo, ou telemarketing (venda de bens e serviços pelo telefone). Nessas aplicações, a CTI se torna ainda mais importante do que no atendimento de chamadas, pois o software pode, por exemplo, montar listas de números telefônicos a serem chamados, distribuí-las equitativamente pelos operadores, e discar automaticamente os números. A diversidade de coisas que se pode fazer com a CTI é imensa, e basta usar a imaginação para ver que ela terá um papel cada vez mais importante no mundo dos negócios e dos serviços. Muitas pessoas já tem CTI no seu computador, e não sabem. Os modems mais modernos, que integram voz, fax e dados, podem ser acionados por softwares, como o RapidComm Voice, da US Robotics (a maior fabricante de modems do mundo), que permitem usar o microfone o os alto-falantes do microcomputador para discar, falar ao telefone, enviar e receber faxes, acessar um provedor Internet, estabelecer comunicação de dados ponto-a-ponto, etc.

À medida em que as redes de telefonia também vão se tornando totalmente digitais, como tem acontecido com os celulares (CDMA e TDMA), a integração entre computadores e telefones tende a ser cada vez maior. No futuro, os bancos de dados das companhias telefônicas, os telefones e os computadores do usuário, e a Internet, serão totalmente integrados entre si, dando um grande impulso ao comércio eletrônico, entre outras coisas.

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 13/8/99.

Mulheres em ciência e tecnologia: ascensão limitada

Mulheres em ciência e tecnologia: ascensão limitada

A representação desproporcional de mulheres em C&T não é um tema novo em ciência e tem sido amplamente abordado na última década. As causas para o problema são complexas e com múltiplas facetas, sejam estas de ordem sócio-cultural, econômica ou cognitiva. No entanto, através de medidas que estimulam o aprendizado de matemática e áreas correlatas em um período precoce do desenvolvimento feminino, assim como políticas de incentivo a jovem cientistas, esta situação tem sido gradativamente revertida. Em 1995, a proporção de mulheres obtendo diplomas em áreas de C&T em instituições americanas atingiu o valor de 46%. Certamente, este valor é uma superestimativa visto que a classificação como ciências pelo National Science Foundation inclui as áreas de psicologia e ciências sociais, onde tradicionalmente a proporção de mulheres sobrepõem-se à proporção de homens. Ainda assim, em 1995 um terço do total de diplomas em física concedidos por instituições americanas foram obtidos por mulheres. Se um número significativo de mulheres são bem sucedidas na obtenção de diplomas em áreas de C&T, porque tão poucas mulheres são encontradas em posições acadêmicas permanentes?
Recentemente, o Conselho de Pesquisa Médica da Suécia financiou um amplo estudo na tentativa de identificar os fatores determinantes deste problema. A publicação dos resultados em 1997 surpreendeu a comunidade científica ao revelar uma forma sutil de discriminação sexual através do mecanismo pelo qual financiamentos de projetos e laboratórios de pesquisas são concedidos. Entre outras estatísticas, o relatório mostrou que para obter suporte financeiro, pesquisadoras devem ser em média 2,2 vezes mais produtivas do que seus colegas do sexo masculino. Como conseqüência, uma série de estudos similares em países europeus como Reino Unido, Finlândia e Dinamarca foram realizados indicando que o problema é bastante generalizado. Mais recentemente, os resultados de uma pesquisa iniciada há 5 anos por um grupo de 15 professoras no Massachussets Institute of Technology (MIT) foram divulgados corroborando as conclusões do grupo sueco. Com a publicação destes dados estatísticos, obtidos por pesquisadores e instituições respeitadas no meio científico, parece difícil justificar a ausência de mulheres em ciência devido à inerente inaptidão feminina para ciências exatas. Contrariamente, as causas parecem resultar da inadequação das estruturas institucionais às quais estas cientistas pertencem.
A grande maioria das publicações relacionadas à representação feminina em áreas de C&T referem-se a estudos realizados em países europeus e norte-americanos e por esta razão os dados estatísticos apresentados neste artigo são representativos de tais países. No Brasil é difícil avaliar a situação devido ao número restrito de publicações na área, a maioria destes publicados anteriormente aos anos 90. Um detalhado estudo publicado por Azevedo et al., baseado em dados do CNPq e FINEP mostrou que em 1988 a mulher representava um terço da força produtora de conhecimento científico no país. Neste mesmo período, a porcentagem de mulheres em C&T variou em torno de 28% excluindo a área de ciências biológicas onde mulheres constituíam 48% dos recursos humanos em ciência e ensino no país. No entanto, apenas 8% e 23% dos consultores científicos da FINEP nas áreas de ciências exatas e ciências biológicas pertenciam ao sexo feminino. Nas engenharias nenhum dos consultores eram do sexo feminino. Atualmente, apenas 29% dos pesquisadores com bolsa de produtividade do CNPq na área de química são do sexo feminino, enquanto que aproximadamente 53% das bolsas de doutorado em química no país pela mesma instituição pertencem ao sexo feminino. Nenhum dos membros do Comitê de Assessoramento de Química do CNPq no presente momento é do sexo feminino.
Apesar do número restrito e pouco acessível de estudos sobre a atuação feminina em áreas de C&T, é razoável supor, com base na observação do número de mulheres ocupando posições permanentes em departamentos de engenharia, matemática, física e química brasileiros, que o Brasil não constitui uma exceção à tendência constatada em outros países.

A proposta deste artigo é meramente estimular a discussão e pesquisas mais aprofundadas sobre a presença feminina em C&T. Quer saber mais? Então consulte: http://www.scielo.br/pdf/qn/v24n2/4292.pdf

26 novembro 2006

Discriminação e poucas oportunidades atingem mulheres cientistas nos países latino-americanos

Daniela Oliveira

Seja no Brasil, no Uruguai ou até mesmo em Cuba, a situação é bem parecida: mulheres em minoria nas ciências exatas, homens ocupando os cargos mais altos e de maior prestígio
A imagem é a de uma pirâmide, com sua base larga que vai se afunilando até chegar ao topo estreito. Tanto na política como na C&T, as mulheres mantém-se na base, ou no início das carreiras. No topo, aparecem os homens, que conseguem mais facilmente conquistar e permanecer nas funções mais altas e de maior prestígio.
A analogia foi utilizada por Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, na mesa-redonda 'Políticas Públicas em Ciência e Tecnologia na Perspectiva de Gênero', realizada na Conferência Ciência-Mulher 2004, no RJ.
Nilcéa Freire lembrou que, dentro da academia, os processos de discriminação e exclusão da mulher são sutis e sofisticados, mas igualmente perversos. 'Muitas vezes não nos damos conta do que acontece, já que estamos na Universidade ou em instituições de pesquisa, ambientes supostamente progressistas'.
A vice-presidente da SBPC, Dora Ventura, comentou uma série de situações de discriminação vividas por mulheres, e lembrou do caso do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, onde as pesquisadoras mediram com fita métrica seus laboratórios e verificaram que mesmo fisicamente ocupavam menos espaço que os homens.
E, ratificando o que já havia sido dito pelas demais participantes da mesa-redonda, apresentou uma série de dados referentes a bolsas de produtividade do CNPq, os quais apontavam a predominância das mulheres nas áreas humanas e sua menor presença nas ciências biológicas e exatas.
Dora Ventura afirmou que a SBPC vai contribuir para a elaboração dos programas propostos pelo MCT e pela Secretaria Especial da Mulher. Segundo ela, a questão do gênero será incluída nos estudos prospectivos que a SBPC vem realizando sobre a situação da Educação e da C&T no país.
Políticas públicas só podem ser pensadas em cima de dados, e isso ainda não temos. Vamos nos empenhar em reunir informações também sobre gênero', comprometeu-se Dora Ventura.
A afirmação da vice-presidente da SBPC foi ao encontro dos anseios das pesquisadoras presentes à conferência. A questão dos dados, especialmente sobre as demandas das mulheres cientistas e o que está sendo atendido pelas agências de fomento, foi cobrada por muitas participantes.
A diretora científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e atual presidente em exercício, Nidia Noemi Fabré, disse que vai incluir os dados sobre a demanda feminina dos auxílios de sua instituição.
Segundo ela, a participação feminina nos programas de apoio da Fapeam é similar a dos homens. Mas, semelhante ao resto do Brasil e possivelmente do mundo, a maior presença é nas áreas humanas, sociais e biológicas.
Nídia Fabré entende que a área multidisciplinar pode ser um meio de reverter este quadro na Amazônia. 'Talvez fosse o caso de se pensar em desenvolver políticas de sustentabilidade ambiental, por exemplo, conduzidas por mulheres'.
Presente ao primeiro dia da Ciência-Mulher 2004, Sara Teixeira, de 18 anos, é prova de que as novas gerações também estão preocupadas com a questão da mulher na ciência.
Bolsista de iniciação científica da Fiocruz há cerca de dois anos, a estudante afirma que ainda não sofreu preconceito ou teve alguma dificuldade por sua condição feminina. Mas ela acredita que, ao longo de suas trajetórias profissionais, passarão por isso.
Acho que o homem ainda é muito valorizado no meio científico, tem mais crédito e até mais prestígio na carreira. Mas acho que a mulher a cada ano vem conseguindo virar o jogo', considera Sara, que pretende cursar Farmácia e continuar na área de pesquisa.

Publicado no Jornal da Ciência (JC E-mail) – Edição 2649, 18 de novembro de 2004 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC.