28 janeiro 2009

Ciência paroquial

Editorial da “Folha de SP”

Merece repúdio ação parlamentar que desviou recursos de programas de pesquisa, em benefício de suas bases eleitorais

Com um mês de atraso, a comunidade científica levantou-se em protesto contra cortes realizados pelo Congresso no orçamento de 2009 para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O ministro Sergio Machado Rezende qualificou como irresponsabilidade a retirada de um quarto dos R$ 6 bilhões da proposta original do Executivo, pois até bolsistas seriam prejudicados. Toda essa reação soa um tanto exagerada.

Não se efetivará, ao que consta, a suspensão de bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Em nota, ontem, o MCT informou que a área econômica do governo federal já se comprometeu a adicionar ao orçamento do setor os R$ 180 milhões das bolsas, por meio de reservas de contingência.

Em mais um sinal de que a situação das bolsas não é alarmante, no final da semana passada a mesma pasta anunciou novas 3.230 bolsas de produtividade em pesquisa, espécie de bônus pago aos cientistas mais bem-avaliados. O CNPq conta agora com 12.100 bolsistas do gênero, 18% mais que em 2008.

O corte anunciado, de resto, não significará nenhum desastre para o ministério. A subtração de R$ 1,2 bilhão da proposta do Executivo mantém o orçamento de 2009 no patamar de 2008. Não é espantoso que seja assim, diante da perspectiva de quebra na arrecadação de tributos. Por outro lado, frustra-se mais uma vez o cumprimento da promessa de receitas crescentes para ciência.

O governo Lula assumira o compromisso de zerar até 2010 a prática tradicional de contingenciar recursos de fundos setoriais, criados justamente para dar previsibilidade ao fomento da pesquisa. Com a iniciativa do Congresso, as verbas deixam de crescer como se previa. Mas não se deve esquecer que o próprio Sergio Rezende dizia, há três meses, que não faltam recursos na área, e sim agilidade e competência para fazer uso das verbas.

É compreensível que entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) lutem para recompor o orçamento previsto. Ao MCT, além disso, cabe a tarefa de continuar zelando para que os recursos adicionais sejam alocados em estrita observância das regras de mérito, aferido por comitês independentes, sem margem para politização.

Há, contudo, um problema sério, embora de outra ordem, com os cortes feitos pelo Congresso. Um dos setores mais prejudicados foi o programa espacial, que perdeu 35% da verba prevista. Em contraste, programas acessórios e de apelo paroquial para deputados e senadores, como os voltados para inclusão social e digital, saltaram de R$ 41 milhões para R$ 424 milhões.

Os parlamentares cortaram verbas em atividades-fim, como o programa espacial, e aumentaram as dotações numa área em que se concentram suas emendas de interesse eleitoral. Eis aí uma distorção grave, que merece o protesto mais veemente e aberto do Ministério da Ciência e Tecnologia, da comunidade científica -e de toda a sociedade.
(Folha de SP, 27/1)

Fonte: JC e-mail 3689, de 27 de Janeiro de 2009.

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