Maycke Young de LimaResenha do livro:
MEADOWS, Arthur Jack. A comunicação científica. Tradução de Antonio Agenor Briquet de Lemos. Brasília, DF: Briquet de Lemos/Livros, 1999. ISBN 85-85637-15-3
A. J. Meadows começou a se interessar por comunicação na década de 1960 e este livro, particularmente, originou-se de um estudo do autor sobre a mudança das atividades exercidas pelos intermediários da informação – dentre eles, o bibliotecário – nos diferentes campos da pesquisa científica, ocasionada, principalmente, pela introdução das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) na sociedade.
É grande o número de mudanças ocorridas na comunicação científica desde a criação da forma impressa até a revolução digital. Porém, o advento das novas tecnologias para disseminação da informação não elimina a existências de tecnologias previamente existentes, por exemplo, nos primeiros anos da chegada da prensa gráfica, a maioria da produção escrita ainda circulava por meio dos manuscritos por motivo de censura religiosa ou política (CHARTIER, 1999). Da mesma forma, o advento da revolução digital não eliminou a circulação do impresso, pelo contrário, ambos os suportes ‘coexistem’ de certa forma.
Considerando a comunicação científica, um grande marco foi o surgimento da revista científica. A revista impressa surgiu no século XVII, por meio da publicação de “cartas” que veiculavam informações científicas oriundas de localidades específicas. A primeira revista (Journal des Savants) foi publicada em 5 de janeiro de 1665; mas foi em março do mesmo ano que a primeira revista precursora do moderno periódico científico foi publicada: Philosophical Transactions.
A forma de apresentação dos artigos científicos sofreu muitas modificações ao longo desses séculos de existência. Por exemplo, as referências antes apareciam no meio do texto, sem nenhum formato padrão, o que dificultava muito a identificação e recuperação das citações de um texto. Depois elas foram para as notas de rodapé e posteriormente para o final do artigo, ganhando uma normalização básica que ainda possui suas especificidades relativas ao campo de pesquisa. A evolução da estrutura dos elementos constitutivos do artigo científico proporcionou, entre outras coisas, uma melhoria na eficiência das atividades de comunicação na ciência e da recuperação da informação dentro de cada artigo.
A acumulação das pesquisas é uma questão que se agrava a cada segundo atualmente, pois a taxa de crescimento da produção científica aumenta exponencialmente, segundo Meadows, e, considerando que este livro foi publicado originalmente em 1998 e que se lê em praticamente todos os documentos científicos da atualidade que essa taxa continua em crescimento acelerado, esse argumento confirma-se como um empecilho para a comunicação científica, posto que a acumulação em doses exageradas leva à entropia.
Como então os pesquisadores dão conta do montante de informação produzido? A resposta está na especialização, eles se concentram sobre temas cada vez mais restritos. O lado bom disso está na possibilidade de desenvolvimento de soluções específicas para problemas também específicos, entretanto, problemas de grande proporção acabam demandando a interação entre campos científicos diferentes, o que nem sempre ocorre às mil maravilhas.
Esse excesso informacional também demanda um aumento na dedicação e no tempo despendido por uma pessoa para se tornar um pesquisador, de onde decorre a profissionalização da pesquisa. Espera-se que um pesquisador, para ser considerado como tal, tenha atingido o grau de pós-graduado (de preferência, doutorado), ou seja, o pesquisador representa uma categoria de profissional extremamente instruído.
Os cientistas amadores, por outro lado, além de não terem necessariamente uma preocupação com a questão de obtenção de grau, são diferenciados dos profissionais, segundo o autor, pelo tempo de dedicação à escrita para o grande público. Meadows salienta que os amadores despendem mais tempo redigindo comunicações ao grande público, enquanto os profissionais utilizariam esse tempo para redigir textos direcionados aos pares.
Independentemente da categoria de pesquisador (amador ou profissional), todos enfrentam em conjunto o crescimento da informação e os desafios postos pelo mundo da eletrônica à comunicação científica. Desafios no sentido de que as novas tecnologias demandam tempo e dedicação para serem incorporadas às rotinas de pesquisa, ou seja, é mais um aprendizado a ser adquirido. Mas, afinal, esse desafio vem se mostrando digno dessa dedicação, dadas as facilidades proporcionadas após a familiarização do pesquisador com as tecnologias.
Meadows também discute a influência das diferentes tradições de pesquisa para a comunicação científica. O autor reconhece que a diversidade de princípios adotados por cada disciplina, assim como a especificidade do objeto de estudo de cada uma delas, demandam práticas comunicativas com características específicas, sem descartar, é claro, uma certa padronização. Um exemplo das diferentes práticas comunicativas em cada disciplina é proporcionado pelo autor ao apresentar dados sobre o número de autores por artigo, sobre as características de periódicos por matéria, entre outros.
A preocupação com a comunicação da ciência para um público maior se coloca nas análises das práticas midiáticas com relação ao espaço destinado à divulgação científica. Os temas vinculados às ciências duras são, em geral, mais divulgados pela mídia do que os temas pesquisados nas ciências sociais e nas humanidades.
Neste ponto, é salientada a enorme contribuição das novas tecnologias para essa disseminação informacional. Porém, ao mesmo tempo em que o autor reconhece as facilidades proporcionadas pelas TICs (por exemplo, a velocidade da divulgação científica), também são reconhecidas algumas de suas desvantagens como, por exemplo, a possibilidade de veicular informações estranhas (para não dizer completamente falsas ou contraditórias), o que demanda um maior cuidado com o controle de qualidade da informação comunicada por meio eletrônico.
Procurando identificar quem pesquisa, Meadows realiza uma análise dos fatores que motivam o pesquisador, identificando basicamente dois tipos: psicológicos e sociológicos. O autor aprofunda-se na discussão do primeiro tipo, identificando algumas características que, de certa forma, apontam um potencial de pesquisa no sujeito para as ciências ou para as humanidades. Ou seja, “[...] quem ingressa nesses campos pode apresentar características psicológicas um tanto diferentes” (p. 85).
Em termos da comunicação, Meadows aponta duas características importantes para os pesquisadores: a quantidade e a qualidade da informação comunicada. A quantidade é discutida comparando estatísticas de diferentes disciplinas, onde o autor constata uma predominância de publicação de artigos nas ciências duras e de livros nas ciências sociais e humanidades. São feitas algumas tentativas de calcular uma equivalência entre o número de artigos e de livros visando gerar uma comparação interdisciplinar, porém sem muito sucesso. O autor sugere analisar a qualidade com base em indicadores de citação das publicações, mas reconhece um ponto fraco nesse método: o motivo pelo qual uma publicação é citada nem sempre está ligado a sua qualidade. Existe uma gama de motivos não tão glamurosos que estão por trás das práticas de citação de trabalhos no meio científico. Outra possibilidade de analisar a qualidade da produção científica está na exame de como os pesquisadores são recompensados por seus trabalhos, “[...] parece ser razoável supor que são recompensados principalmente os que produzem pesquisa de mais alta qualidade” (p. 91).
O autor indaga, então, como a produtividade varia durante a vida do pesquisador? Na maioria dos casos, o pesquisador começa a publicar na casa dos 20 anos, e aumenta sua taxa de contribuição até o fim da casa dos 30 ou 40, seguindo-se a isso um declínio. Porém, como na maioria das constatações assumidas por Meadows, essa é também uma questão que varia segundo a disciplina. Pesquisadores das disciplinas das humanidades e ciências sociais tendem a considerar que sua maior contribuição vem depois dos 50 anos, enquanto pesquisadores das ciências duras tendem a apontar a casa dos 30 ou início dos 40. Não há muito acordo com relação aos detalhes entre os pares, além de que muitas contribuições reconhecidas foram feitas por pesquisadores que não se enquadravam nem de perto a essas estimativas de idades por área do conhecimento.
Ainda considerando a produtividade, o autor observa a semelhança da posição das mulheres na produção científica em relação aos pesquisadores de países em desenvolvimento, onde ambos os grupos têm aumentado sua contribuição. A colaboração científica nas publicações também tem aumentado em todas as áreas. Em parte, esse aumento na colaboração tem sido impulsionado pela incorporação das novas TICs e a possibilidade de articulação entre os pares devido ao acesso às redes de informação.
Quanto aos canais da comunicação científica, Meadows enfatiza a necessidade de balancear os determinantes financeiros e de legibilidade para estabelecer um projeto gráfico para a leitura científica. É necessário reconhecer que uma publicação tem suas restrições orçamentárias (uma visão característica, principalmente, das editoras), assim como suas peculiaridades relativas ao público-alvo e até sua finalidade em determinado campo científico, e todos esses fatores atuam diretamente na padronização de seu projeto gráfico. E, por fim, o ato de ler é afetado também diretamente por essa definição.
É abordado também o canal oral, caracterizado por vantagens em relação à escrita (por exemplo, a rapidez de transferência informacional) e também por desvantagens (por exemplo, a demora maior para sua absorção). Ler, assim como falar, é um processo interativo, porém o primeiro estabelece uma interação com uma página, enquanto o segundo, uma interação social. Os congressos e conferências são eventos em que o canal oral constitui-se na forma mais importante de interação, inclusive o autor esclarece que, em geral, os pesquisadores comparecem a tais eventos visando interagir com os pares, criando redes humanas (também chamadas de redes de contatos ou redes sociais), e não para assistir às apresentações.
Focalizando os fluxos de informação nessas redes, Meadows identifica alguns elementos que podem ser relacionados a conceitos da teoria dos grafos. O gatekeeper, por exemplo, seria o equivalente ao cutpoint em uma rede social (HARARY, 1972); todos os outros integrantes da rede recorrem a ele quando precisam de informações, portanto, ele é o elo de ligação entre vários pesquisadores e grupos de pesquisadores; se ele for excluído da rede, há possibilidade de que vários membros sejam desconectados, ou seja, não possuam mais contatos em comum. Existem também os isolados da informação, que seriam, na teoria dos grafos, simplesmente aqueles que não se conectam com outros membros da rede. Algumas dinâmicas identificadas pelo autor nesse estudo sobre os fluxos informacionais na comunidade científica poderiam ainda ser características de alguma rede social real e específica, identificada em um estudo qualquer sobre o tema.
Meadows passa a se concentrar então nas seguintes questões: como as pesquisas são tornadas públicas, e quais fatores merecem atenção nesse contexto? Basicamente, as pesquisas divulgadas originam-se de projetos que chegaram a algum resultado e que mereçam, segundo a concepção dos autores, ser publicadas; ou ainda de levantamentos ou reflexões que não existiam, à priori, como projetos de pesquisa. Então, os escritos científicos se constituem de duas formas, seja a partir de um relatório de pesquisa pré-elaborado ou, então, “do nada”, de acordo apenas com os requisitos do canal escolhido para divulgação e os anseios do autor (é claro que a segunda opção demanda mais trabalho).
Dentre os canais de publicação disponíveis, dois são destacados: o livro e o periódico. Como observado anteriormente, são os pesquisadores das humanidades e das ciências sociais que publicam um maior número de livros em relação aos artigos periódicos. O grupo das ciências duras adota a dinâmica oposta, e assim chegam a questão: em que periódico publicar?
Fatores como o prestígio do título, o público leitor, o hábito de publicar em um mesmo periódico originado de boas experiências anteriores e a rapidez da publicação, são considerados na escolha de um periódico para submissão de um trabalho.
As editoras são instâncias importantes a se considerar nesse momento, tanto no âmbito dos periódicos quanto dos livros. Meadows assume que a maioria dos “dispositivos contratuais no campo das edições científicas deixam o equilíbrio do poder na mão da editora” (p. 180). Essa é, com certeza, uma prática digna de reflexão por parte da comunidade científica: É coreto ceder os direitos autorais à exploração da editora, principalmente no caso dos artigos de periódicos, onde, em sua maioria, os autores não recebem nenhum retorno financeiro imediato ou mesmo posterior?
Deixando para reflexão da comunidade científica essa questão ética relacionada às práticas editoriais, outro fator a ser considerado após a submissão de um artigo de periódico é a relação entre editoras, avaliadores e autores. O primeiro grupo faz uso dos serviços dos outros dois grupos, na medida em que os pares avaliam os próprios pares, ou seja, avaliadores e autores são membros da mesma comunidade científica, muito provavelmente até da mesma área de pesquisa (já que essa proximidade é obviamente necessária para que o grupo dos avaliadores possa dar um parecer sobre o trabalho realizado pelos autores).
A relação entre as editoras e os outros dois grupos ocorre, em geral, de modo satisfatório, dadas as condições de relação no âmbito das publicações. Porém, o mesmo não pode ser dito sobre avaliadores e autores. O primeiro grupo é normalmente muito criticado pelo segundo, principalmente quando recusam submissões de trabalhos. A sugestão de correções também não é bem recebidas pelos autores, mas já é algo melhor do que ter o trabalho recusado.
Meadows aponta como possível causa para essas divergências a falta de preparação de muitos pesquisadores para redigir textos científicos. Muitos deles podem ser excelentes para pesquisar, mas para comunicar suas pesquisas aos pares ou mesmo ao grande público, tornam-se verdadeiros desastres. O contrário também pode ser encontrado em vários periódicos, principalmente naqueles com pouco tempo de vida que, em geral, não são tão rigorosos ao avaliar um trabalho para publicação.
Além disto, vários autores acusam seus avaliadores de plágio ou de discriminação por gênero ou instituição vinculada. Algumas práticas vêm sendo combatidas no meio científico com ações como, por exemplo, a avaliação às cegas, onde o avaliador não recebe quaisquer informações sobre o(s) autor(es) do trabalho a ser analisado, porém, novos procedimentos para burlar o sistema também surgem na mesma velocidade.
O último ponto de discussão do livro retrata as práticas de pesquisa bibliográfica dos membros da comunidade científica. Ao se deparar com uma necessidade de informação, o pesquisador normalmente inicia suas buscas em seu acervo particular, se existente. Normalmente tais acervos são organizados pelo próprio pesquisador, o que proporciona, na maioria dos casos, um certo grau de desarrumação de documentos. No entanto, até a desarrumação pode ter sua lógica organizacional oculta aos olhos de externos, por exemplo, a presença de várias pilhas de documentos pode significar uma divisão por assunto e um documento fora da pilha, mas ainda próximo dela, pode significar que ele pertence àquela categoria e deve ser lido com mais urgência.
Caso o pesquisador não encontre o que procura em seu material de acesso pessoal, ele pode adotar três caminhos distintos na busca externa por informações: pesquisar por conta própria; pesquisar com o auxílio de colegas ou amigos; ou fazer uso dos serviços de intermediários profissionais (bibliotecários e cientistas da informação). Um problema apontado por vários profissionais da área de referência é a dificuldade de descobrir o que o pesquisador realmente procura, isto é, o pesquisador muitas vezes sabe exatamente o que precisa, mas tem dificuldades para expressar isso na forma de uma questão compreensível pelo profissional da informação.
A seqüência de passos ao efetuar uma busca por informações pode ainda variar segundo a área de pesquisa e segundo características particulares do pesquisador. Em geral, o esquema adotado pelos pesquisadores visa poupar o máximo de esforços no processo de busca.
O requisito básico da informação é que ela esteja disponível no momento em que o pesquisador necessite e no formato que torne mais cômoda sua absorção. No entanto, a mesma fonte de informação pode ainda ser pertinente a um cientista e inútil à outro, pois ambos podem vê-la de forma diferente. A informação pertinente passa a ser, portanto, “tudo aquilo que os cientistas estejam dispostos a pegar na suposição de que possa ser útil em seu trabalho” (p. 211).
Mesmo com os diversos caminhos de busca possíveis de trilhar, ainda existe uma dificuldade que tende a aumentar dia após dia: a imensa quantidade de informação gerada. Isso constitui um grande empecilho para as buscas. Com relação à recuperação eletrônica da informação, existem alguns métodos que podem ser utilizados para driblar esse imenso volume de documentos, embora nenhum deles seja completamente perfeito. Um método existente há muito para se avaliar o desempenho de sistemas informatizados de recuperação de documentos, consiste na comparação de dois coeficientes: revocação e precisão. O primeiro é a relação entre o número de documentos pertinentes recuperados e o número total de documentos pertinentes existentes na base de dados. O segundo é a relação entre o número de documentos pertinentes recuperados e o número total de documentos recuperados. Para o sistema alcançar o seu melhor desempenho, ambos os coeficientes devem concordar, ou seja, devem ser recuperados todos os documentos pertinentes e nenhum impertinente. Porém, em uma situação real de busca, é extremamente difícil conseguir atingir esse ideal, mesmo com uma excelente estratégia de busca. Costuma-se dizer que, dispondo de uma estratégia de busca bem formulada, é possível chegar bem próximo do ideal de recuperação, mas nunca é possível ter certeza de que o melhor de todos os resultados foi obtido.
Entretanto, apesar de todas essas considerações relativas ao acesso eletrônico às informações, é necessário reconhecer que nem todos os pesquisadores dispõem de infra-estruturas eletrônicas adequadas para o acesso, principalmente os pesquisadores de países em desenvolvimento, que acabam se contentando com as restrições infra-estruturais, além daquelas relativas à barreira do idioma (vários pesquisadores não dominam o idioma veiculado por documentos estrangeiros que poderiam ser pertinentes).
A comunicação científica já superou vários desafios ao longo dos tempos, e, de acordo com a situação exposta por Meadows, ainda tem muito que superar. Um ciclo que tende a se estender pela eternidade, na medida em que os desafios mudam constantemente, seja devido às requisições da comunidade científica, às restrições e possibilidades geradas por novos suportes, ou à qualquer outro motivo que venha a surgir.
Referências:
CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador; conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP, 1999.
HARARY, F. Graph theory. Massachusetts: Addison-Wesley, 1972. 274 p. (Addison-Wesley Series in Mathematics).
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