02 novembro 2008

C&T, Inovação e Inclusão Social na Amazônia do Século XXI

Atigo de Vera Maria F. de Almeida e Val, Sergio Ricardo Nozawa, Maria Teresa Fernandez Piedade e Adalberto Luis Val.


“Exclusão social e iniqüidades estruturais são normalmente ignoradas quando se planejam mudanças no processo tecnológico e de inovação. Ignorar esses fatores quando da produção e distribuição de novos conhecimentos e artefatos resulta em desenvolvimento desigual”

Vera Val é pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa); Sergio Nozawa é professor do Centro Universitário Nilton Lins, em Manaus; Maria Teresa é coordenadora da cooperação Brasil-Alemanha entre o Inpa e a Sociedade Max-Planck, da Alemanha; e Adalberto Val é diretor do Inpa. Artigo escrito para o “Jornal da Ciência”:

Mecanismos que permitam uma mudança no status do conhecimento e do desenvolvimento científico e tecnológico na Amazônia requerem uma visão moderna de inclusão social que fuja da abordagem "simplória".

Esta abordagem, por via de regra, se restringe à busca da diminuição das desigualdades sociais por meio de mecanismos de redistribuição de renda que acabam resultando em políticas "assistencialistas e populistas", as quais não geram possibilidades amplas de melhoria na qualidade de vida do brasileiro.

Tais políticas tampouco permitem que o ser humano possa ter acesso ao conhecimento que lhe trará livre arbítrio sobre sua vida, saúde, lazer, nível de aprendizagem, dentre tantas outras escolhas que lhe são possíveis quando é tratado com igualdade.

Gerar informações que subsidiem avanços biotecnológicos (ou tecnológicos) altamente inovadores e sofisticados é mister para o avanço de uma sociedade. Novas tecnologias, novas abordagens para o estudo da adaptação dos organismos aos seus ambientes e às variações ambientais são novas maneiras de tratar os problemas de mudanças antrópicas sobre os ecossistemas em geral e conservar sua diversidade.

Além de ser uma fonte de saberes e suporte para novas ações, que servirão de base para avanços posteriores, tais tecnlogias podem e devem refletir em melhorias no bem-estar dos brasileiros de uma maneira geral e dos amazônidas em particular. Treinamento e capacitação de pessoas é fundamental para torná-las aptas a lidar com tais inovações.

A integração entre informações biológicas de todos os gêneros (genéticas, fisiológicas, fenotípicas e ambientais) é crucial para subsidiar tomadores de decisão. A decisão para conservação do meio ambiente e das espécies que nele vivem não pode ignorar os fatores sócio-econômicos locais, tanto sob a ótica do bem-estar social como sob a ótica do desenvolvimento econômico.

Há milênios o homem vem explorando o meio ambiente em que vive sem considerar este aspecto, o que tem resultado em degradação ambiental. Após toda a exploração ocorrida e após o uso indiscriminado do meio ambiente pelo homem, restou para a Amazônia, ou melhor, para a sociedade brasileira e, em particular, para a amazônida, salvaguardar um dos últimos ecossistemas praticamente intocados do mundo.

O ônus de desenvolver ("inventar") mecanismos sustentáveis de crescimento social e econômico, mantendo um ambiente saudável para gerações futuras, é agora o principal desafio da sociedade e do governo locais. Saliente-se, adicionalmente, que não há modelo a copiar, pois não há no mundo nenhum país desenvolvido que tenha mantido a qualidade original de seus biomas naturais.

Ao estimular avanços em biotecnologia no Norte do Brasil, estamos promovendo oportunidades a uma região relativamente carente em investimentos socioeconômicos, mas que, por outro lado, representa uma das principais agendas ambientais e biológicas do país e, talvez, do planeta.

Exclusão social e iniqüidades estruturais são normalmente ignoradas quando se planejam mudanças no processo tecnológico e de inovação. Ignorar esses fatores quando da produção e distribuição de novos conhecimentos e artefatos resulta em desenvolvimento desigual.

As desigualdades acabam, pois, reforçadas por processos de exclusão tecnológica, tais como a exclusão digital e o acesso desigual a produtos de proteção à saúde (remédios e tratamentos), geralmente caros. Além disso, a produção, a distribuição e a geração de conhecimentos podem também causar desigualdades sociais quanto ao acesso a bens e serviços.

Uso do conhecimento

O desafio deste milênio é reverter o mo-do como são governadas a produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico, ou seja, como mudar a relação entre a pesquisa pública e privada e entre as atividades de disciplinas e setores estabelecidos e emergentes; como aplicar os direitos de propriedade e outros meios de manejar o conhecimento e controlar a informação, além de estabelecer relações entre diferentes tipos de agências reguladoras, algumas muito arcaicas para o momento atual.

A produção de conhecimento e a desigualdade no acesso pessoal às informações implicam, em muitos casos, em assimetrias na privacidade e liberdade civis, pois se pode restringir ou coibir esse acesso a setores diversos da sociedade ou a diferentes classes sociais, tornando vulneráveis estruturas socioeconômicas e os ambientes às quais pertencem.

A representação científica do conhecimento e da prática tecnológica que é traduzida no discurso popular e na mídia irá refletir a auto-imagem dos grupos que recebem a informação e isso implica a credibilidade e a "expertise" de vários tipos, como, por exemplo, a influência nas escolhas vocacionais que "refletem" o status social das profissões.

Efeitos da mídia e da indústria podem gerar "heróis ou vilões" tecnológicos, sucessos e fracassos nos mercados financeiros, nas estratégias de manejo e nas orientações políticas do uso de artefatos. O que não poderia ocorrer e ocorre é que o conhecimento é visto hoje como símbolo de status social.

Na era da genômica as preocupações acima listadas são cada vez mais persistentes e devem ser consideradas em qualquer ação e proposta em ciência e tecnologia.

Portanto, qualquer programa de pesquisa e desenvolvimento deve adotar uma série de precauções tais como: (i) Ação ou Pesquisa de ação, que busque ganhar o entendimento sociocientífico durante o engajamento no esforço do alcance da mudança científica que quer desenvolver; (ii) Abordagem baseada em "estudos de casos", ou seja, centrar-se em métodos práticos voltados a problemas já detectados no ambiente, na sociedade ou na economia; (iii) Realização das análises comparativas não somente entre regiões e países, mas também cronológicas, nas quais se obtenham informações em séries históricas que auxiliem as tomadas de decisões futuras baseadas em dados pretéritos (isso é muito importante no caso de mudanças globalizadas); (iv) Programação de esforços com acurada orientação e conceitos, objetivando uniformização e aprimoramento de indicadores, estatísticas e medidas para estudos posteriores e acompanhamento, bem como análises financeiras.

Segundo estudo encomendado pelo Economic and Social Research Council (ESCR), dos Estados Unidos, as prioridades temáticas nos estudos que envolvem a área de genômica e outras áreas afins, tais como transcriptômica e proteômica devem visar melhorar: o desempenho econômico e o desenvolvimento de um país, região ou estado; o comportamento humano e o respeito ao meio ambiente; a governança e a cidadania; o conhecimento, a comunicação e a aprendizagem; a longevidade, a qualidade de vida e a saúde; a estabilidade social e a inclusão; e o trabalho e a organização.

Formação de pessoal

Para atender essas prioridades, algumas premissas são importantes para que qualquer ação em Ciência, Tecnologia e Inovação atinja o devido sucesso. Como qualquer projeto na área da genômica, transcriptômica e proteômica opera na fronteira do conhecimento e utiliza-se de ferramentas que podem levar ao estabelecimento de novos paradigmas para o estudo de seres vivos em geral, ao pensarmos em inovação do conhecimento é imperativo tornar as pessoas capazes de compreender, analisar, sintetizar, interpretar e produzir esses novos saberes e conhecimentos.

E, exatamente por se tratar de novas formas de se lidar com o estudo dos seres vivos, o treinamento de pessoal se faz tão necessário que o direcionamento de recursos para geração e capacitação de mão-de-obra que tenha condições de produzir, interpretar e utilizar as informações geradas é imperativo em qualquer proposta de P&D, seja para o setor privado, seja para o setor público, seja para o terceiro setor.

Uma ação de P&D deve incluir a identificação das questões que combinem desenvolvimento científico, tecnológico, inovador e socioambiental.

A criação de programas, centros e redes de pesquisas deve poder contar com "massa crítica" suficiente para consolidação da nova área de investigação e treinamento. Programas de treinamento em todos os níveis são prioritários, no estabelecimento de elos sociais e econômicos.

Ainda, abordagens interdisciplinares e multidisciplinares, com oportunidades para compartilhamento de pesquisa e formação, valendo-se das ciências sociais e às engenharias não podem faltar a uma sociedade que pretende desenvolvimento sustentável. Oportunidades de treinamento cruzado e ligações com seus usuários e stakeholders (potenciais beneficiários dos resultados e ações do projeto) são fundamentais ainda no planejamento da ação.

Reconhece-se, ainda, que para uma ação deste tipo ser bem-sucedida, é preciso estabelecer indicadores de resultados. De acordo com alguns modelos de políticas públicas, os indicadores de resultados são medidas cujos valores fornecem uma informação incompleta, mas útil, sobre um fenômeno que se busca aprender. Para compreender uma situação complexa, é necessário utilizar diversos indicadores que podem ser de natureza quantitativa ou qualitativa.

Os dois tipos devem ser utilizados para uma avaliação completa: informações quantitativas são mais fáceis de coletar do que as qualitativas. Mas a qualificação é muito importante e constitui-se na informação de maior confiança. Cada ação gera seus próprios indicadores que podem ser técnicos, econômicos, organizacionais ou informativos, delimitadores e classificadores.

Para atender à nova ordem da Inclusão Social, qualquer ação em Ciência, Tecnologia e Inovação precisa englobar todos esses indicadores e se enquadrar nas propostas sugeridas internacionalmente para que se eleve o patamar de conhecimento e desenvolvimento de uma sociedade à era da tecnologia genômica e seus avanços. Treinamento e capacitação são palavras-chave que não devem ser ignoradas, assim como o aprendizado com outros setores da sociedade que já prosperam no caminho da inclusão social com respeito ao meio ambiente e sucesso sócioeconômico.

A diversidade biológica existente na Amazônia, intimamente ligada a um conjunto de habitats igualmente diverso, constitui uma ferramenta única para a inclusão social. Não há consenso sobre o tamanho dessa biodiversidade e as estimativas para sua valoração carecem de uma base sólida. Isso decorre, fundamentalmente, da abordagem a que temos nos dedicado.

Basta visitarmos qualquer museu no exterior ou qualquer coleção biológica no Brasil que nos depararemos com um esforço hercúleo em coletar espécimes da flora e da fauna, identificá-los, assinalar onde ocorrem e mostrar suas cores e suas formas. Ainda que essa seja uma ação relevante e reconhecidamente importante, é uma forma reducionista de tratar a biodiversidade da região Amazônica.

A diversidade da Amazônia está potencializada infinitamente não nas cores e nas formas, mas na função de cada organismo, nas suas respostas a cada desafio ambiental, quer sejam naturais, quer sejam de origem antrópica. Trata-se de uma condição aparentemente paradoxal, já que essa amplificação está calcada na unicidade do código genético.

Com o advento da Biologia Molecular, aprendemos que essa aparente unicidade pode manifestar-se de infinitas formas, por meio de infinitos processos de regulação gênica, e esconde infinitas oportunidades face ao mundo de desafios que vive a humanidade.

Assim, é importante finalizar propondo mudanças no olhar que se volta à Amazônia e suas riquezas naturais. Não há como isolá-la do homem que nela vive, nem dos anseios de desenvolvimento econômico-industrial, tampouco isolá-la do contexto brasileiro considerando-a apenas como uma paisagem (ou um conjunto de ecossistemas – como queiram) a ser preservada.

Novas abordagens para conservar sua biodiversidade, fazendo uso do que ela pode oferecer, sem degradar o meio ambiente e trazendo benefícios às sociedades que ela engloba, é a principal tarefa deste milênio. Tarefa esta que só poderá ser alcançada com uma nova perspectiva de inclusão social.

Nota dos autores: Este artigo é parte do Projeto Adapta, proposto no edital Institutos Nacionais MCT/CNPq, e reflete a filosofia de Inclusão Social na qual a proposta se baseou.

Nota da redação: O artigo foi originalmente publicado no “Jornal da Ciência”, que tem conteúdo exclusivo. Informações sobre como assinar a edição impressa pelo fone (21) 2295-6198 ou e-mail jciencia@alternex.com.br.

Fonte: JC e-mail 3632, de 31 de Outubro de 2008.

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Museus precisam “sair de seus muros”

"Como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu?", questiona Alfredo Tomalsquim

Em entrevista ao “Gestão C&T”, Alfredo Tolmasquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), fala da importância de divulgar a ciência e tecnologia e ressalta o papel importante da Semana Nacional de C&T como evento mobilizador.

Tolmasquim também enfatiza a necessidade de os museus conseguirem sair de seus muros. "Como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu?", questiona.



Leia a íntegra da entrevista:

- A Semana de C&T terminou no dia 26. O Mast é uma instituição que constantemente realiza ações em prol da divulgação da ciência, fale um pouco desta tarefa em difundir o conhecimento científico e tecnológico dentro e fora da Semana de C&T.

A cultura científica é, nos dias de hoje, tanto uma necessidade do país, que necessita ter uma população cientificamente letrada para enfrentar os desafios de um mundo globalizado e altamente competitivo, como para a inclusão social e a ampliação da cidadania. Grande parte dos assuntos que envolvem toda a sociedade e o próprio futuro do planeta está vinculada a questões científicas e tecnológicas, como lixo atômico, fontes renováveis de energia, aquecimento global, pesquisa com células-troncos e muitas outras. Não se pode mais falar em participação social da população sem uma cultura científica que a permita ter suas próprias conclusões. Nesse sentido, a Semana de C&T tem um papel importante como evento mobilizador, no sentido de aproximar a população da ciência e tecnologia e, também, aproximar os cientistas e nossas instituições científicas da população.

- No Brasil, os museus ainda são locais de acesso "elitizado". Como o senhor acha que esta realidade pode mudar? Que ações são necessárias para, de fato, aproximar a população desses ambientes?

Essa questão é muito complicada: como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu? Há um aspecto de auto-estima, em que muitas pessoas acham que não estão à altura daquele lugar. É importante que os museus consigam sair de seus muros e ir até a população, convidá-los a entrar. Da mesma forma que em muitas cidades, em períodos diferentes, levou-se a música clássica aos grandes parques, os museus precisam trabalhar no mesmo sentido. Claro que há o problema da segurança do acervo, que deve ser levado em consideração. O Mast tem uma experiência muito interessante nesse sentido. Nós alugamos ônibus e, com o auxílio de ONGs, levamos grupos de comunidades de baixa renda para visitar o Mast. Na maioria dos casos, é a primeira vez que eles entram num museu e começam a descobrir que esse universo também lhes pertence.

- Há no atual governo federal ações voltadas à criação de museus, foi lançado, por exemplo, edital pelo Iphan apoiando a criação de museus em locais que ainda não possuem. Como o senhor avalia esse apoio governamental?

Muitas vezes se pensa que os museus têm que ser grandiosos e funcionar em grandes palacetes. É importante também estimular a criação de pequenos museus locais, que preservem elementos que ajudam a retratar a história de uma certa comunidade, de um saber local, ou de um grupo social específico. Há uma riqueza cultural espalhada por todo o Brasil que precisa ser conservada, estudada e disseminada. O MinC tem feito uma papel fabuloso nesse sentido, mas é importante conseguir envolver também as empresas, não só as grandes financiadoras como Petrobras ou BNDES, mas a também o pequeno empresário local.

- Que ações do Mast o senhor destacaria como atividades essenciais para que o museu exerça, de fato, o seu papel dentro do Sistema Nacional de C&T?

O Mast, enquanto instituto de pesquisa do MCT, tem o objetivo de preservar a memória científica e tecnológica nacional. Isso implica basicamente na conservação de acervos de C&T, no estudo da história da ciência no Brasil e na disseminação desse conhecimento para a sociedade. É significativo que o MCT, enquanto instância formuladora e financiadora da pesquisa científica e tecnológica, tenha também a preocupação com a memória e a história de C&T. Nesse sentido, além dos acervos de cientistas e instituições científicas sob a guarda do Mast, temos desenvolvido parcerias com inúmeras instituições e associações científicas na preservação de seus acervos históricos. Além disso, em março de 2009, terá início o curso de especialização em preservação de acervos de ciência e tecnologia, justamente para capacitar as instituições de pesquisa em nosso país na preservação de seus acervos.

- O museu realiza exposições itinerantes. Como funcionam? Há dados, números que mostrem os locais pelo qual o museu tenha passado? Quantas pessoas atingiu etc.?

Nossa experiência com as exposições itinerantes tem sido muito positiva. Temos conseguido montar exposições em cidades com pouca oferta em termos de divulgação de ciências. Por exemplo, a exposição itinerante "Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", inaugurada no último mês de outubro, na Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte, em Mossoró (Rio Grande do Norte), só na primeira semana recebeu mais de 1 mil visitantes. Os projetos das exposições temporárias do Mast sempre são elaborados de forma a que essas exposições possam ser transportadas e montadas em outros locais. Em nosso site (http://www.mast.br), há informações sobre as exposições itinerantes disponíveis. A instituição que deseja requerer o empréstimo das exposições deve entrar em contato com o Serviço de Produção Técnica do Mast e informar o local (com total de área disponível para montagem da exposição) e o período para a apresentação da exposição. Somando todas as exposições itinerantes do Mast ("Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", "Einstein e a América Latina", "Passo a passo, salto a salto, vôo a vôo: o cientista Santos-Dumont", "Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos do Brasil" e "Luiz Cruls; um cientista a serviço do Brasil"), o número total de visitantes é de aproximadamente 10 mil pessoas.

- No último dia 23, foi publicada uma portaria interministerial (Ministério da Cultura e Ministério da C&T) voltada para uma cooperação técnica na formulação de políticas de integração entre as atividades desenvolvidas pelos ministérios e entre o Plano Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PAC da C&T). Como o senhor vê essa parceria e que ações poderiam ser desenvolvidas por meio dela?

Essa cooperação vem em boa hora e considero que ela se dará em dois sentidos. O primeiro é relacionado ao papel que a ciência e tecnologia desempenham atualmente em todas as áreas culturais, como a restauração de acervos históricos, identificação de falsificações de obras de arte, operacionalização e disseminação da internet, TV em alta definição, e muito mais. Isso se faz ainda mais importante num momento em que se pretende ampliar o acesso da população às diversas formas de expressão cultural. Um outro aspecto, não menos importante, é a compreensão da ciência e da tecnologia como parte intrínseca da cultura. A ciência e tecnologia tanto são fruto da época e da visão de mundo em que são produzidas, como ajudam a moldar a concepção de mundo da sociedade. Precisamos entender que a ciência não é apenas um agregador de valor no processo produtivo, mas, ao mesmo tempo, fruto e gerador do processo cultural. Junto com a tríade ciência, inovação e mercado, temos que valorizar também a relação ciência, educação e cultura.

- O Mast é associado à Abipti desde 2005, como avalia a atuação da associação?

A Abipti tem desempenhado um papel muito importante na articulação das instituições de pesquisa e é parceira do Mast no projeto de construção de parques da ciência em cidades brasileiras. Isso mostra uma abertura e um interesse da Abipti para a questão da disseminação do conhecimento científico na sociedade. Creio que o grande empecilho, hoje, no Brasil, para se fazer ciência e tecnologia é a estrutura legal, tanto no sentido das licenças junto aos diversos órgãos de proteção, como as normas de gerenciamento no serviço público. Fazemos um esforço "sobre-humano" para conseguir gerenciar os recursos e as instituições dentro da atual estrutura jurídica para o serviço público no Brasil. Creio que um papel fundamental que a Abipti pode desempenhar também é ajudar a rever a atual legislação, propiciando que as instituições brasileiras possam participar do processo competitivo que envolve a ciência e a tecnologia em todo o mundo.
(Gestão C&T online)

Fonte: JC e-mail 3632, de 31 de Outubro de 2008.

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Informar, educar e entreter

A disseminação do conhecimento tem sido o propósito da BBC desde sua fundação, informou Jana Bennett, diretora geral de televisão e internet da emissora, na abertura da Mostra Ver Ciência, na semana passada.

“A BBC começou há mais de 80 anos como a primeira emissora nacional nos dias do rádio. Hoje são oito estações digitais nacionais e 47 estações regionais locais de rádio no Reino Unido”, contou Jana Bennett, na palestra que abriu a Mostra Ver Ciência, integrada a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia desde 2004, no Planetário do Rio de Janeiro, na noite de 22/10.

Jana Bennett ingressou na emissora pública britânica em 1979, tendo trabalhado em diversos programas de notícias, atualidades e ciências até ser nomeada, em 1990, editora-chefe da prestigiosa série de programas científicos Horizon, no ar há mais de 40 anos.

Em 1994 assumiu a chefia do Departamento de Ciência, tendo sido condecorada em 2000 pela Rainha Elisabeth com a Ordem do Império Britânico por seu trabalho com Ciência na TV. Em 2006 foi nomeada diretora da BBC Vision, o maior grupo de produção multimídia do mundo.

Uma das maiores preocupações da maior emissora pública do mundo sempre foi com a disseminação do conhecimento e a difusão da cultura científica que, de acordo com Jana Bennett, não tem só a ver com informação ou fatos.

“Ela acontece no momento em que a pessoa consegue fazer conexões entre as informações. E para isso a BBC se concentra em três conceitos: importância, relevância e capacidade de interpretar a informação e, através disso, estabelecer o poder de conexão”, explica Jana.

Com relação ao primeiro conceito, a diretora da BBC acredita que é possível identificar o que é importante conhecer e que há áreas dentro do cânone de conhecimento formal que exprimem o melhor da cultura mundial. “Essas áreas dão às pessoas as ferramentas intelectuais de que elas precisam para agir como cidadãos participativos no mundo moderno”.

Para a BBC, o que é importante saber engloba os principais conteúdos da Ciência, História, História Natural, Arte, Cultura, Religião, Atualidades e Negócios. Para cobrir todas essas áreas, a emissora investe em equipes especializadas de excelência e terceiriza em torno de 40% de sua programação para produtores independentes.

Ela explica que na maioria dos países do mundo a televisão se desenvolveu a partir do modelo de cinema e do teatro, baseando-se em dramaturgia e entretenimento. No caso da BBC, o modelo era de programas de rádio, redigidos por especialistas pioneiros que deram à BBC esse tom de produção documental que mantém até hoje.

Jana afirma que os profissionais de mídia não podem ter medo dos desafios que a ciência apresenta. “A experiência da BBC mostra que ciência pode ser popular se for bem comunicada”, defende Jana Bennett. A grande lacuna na compreensão da ciência influi no valor que a sociedade dá à ciência. Recentemente, a BBC conduziu uma pesquisa com mil colegiais sobre o que queriam ser quando crescessem e apenas 20% queriam ser cientistas que ganhassem o Prêmio Nobel.

“Em contrapartida, a maioria das meninas escolheu Katie Price, famosa modelo da Grã-Bretanha, como a mulher que mais admiram. Isso demonstra a falta de conhecimento e de interesse do jovem por ciência, o que traz sérias conseqüência para o futuro”, relata Jana.

Daí o segundo conceito valorizado pela BBC, a relevância do conteúdo. “A noção de relevância para nós pode ser interpretada de diferentes formas. Pode ser o assunto ou o tratamento do assunto. Mas seja qual for a interpretação de relevância, o resultado deve ser conectar-se com a vida das pessoas, partindo do ponto de vista do espectador”. Ela destaca que a emissora busca elaborar uma programação que permita alcançar o público através de suas paixões e necessidades.

Para tanto, a equipe da BBC procura adaptar a abordagem dos mais diferentes conteúdos científicos de forma a abarcar diferentes segmentos da população, especialmente os jovens. E funciona. “Nesta última pesquisa, descobrimos que 93% das pessoas entre 15 e 34 anos no Reino Unido conhecem algum programa da BBC. Usamos rostos conhecidos para ajudar a trazer um público maior para assuntos difíceis.”

Outro aspecto destacado pela diretora da BBC é a integração entre a televisão e a internet. “A emissora tem investido em desenvolver novos formatos que sejam adequados para a internet e até para celulares. É fundamental abranger as novas mídias”, disse Jana.

Uma experiência bem sucedida que tiveram nesse sentido foi um programa sobre exploradores intrépidos numa jornada épica pelo rio Amazonas. “Trechos da série começaram a ser divulgados na internet quase um ano antes do programa ir ao ar na TV. Na internet é passado o sabor da experiência, ainda fresca, é uma versão mais bruta, menos editada dos eventos”.

Jana avalia que a experiência da internet não tira o impacto do programa na TV, mas estabelece uma plataforma cruzada que vem redefinindo a relação da BBC com o seu público.

No futuro, Jana Bennett aposta numa tecnologia de comunicação com um caráter de rede, “disseminando o conhecimento como um vírus”. Ela destaca que isso leva a perceber o que uma emissora pública na era digital pode se tornar. Mas há uma grande preocupação de sua parte em como esse conhecimento é e será assimilado pelo público, o terceiro conceito que orienta a prática da BBC. A palavra em inglês, literacy, pode ser compreendida como alfabetismo, ou seja, o oposto do analfabetismo.

Jana parte do princípio de que existe uma definição padrão do que é saber ler e escrever, mas há um aspecto mais importante, que é saber interpretar - saber ler a informação e aplicar o conteúdo aprendido para resolver problemas.

“Ver o mundo de forma diferente do que se via anteriormente. É a interpretação e o entendimento das principais questões”, esclarece Jana. Para ela, a alfabetização pela mídia significa possibilitar que o público faça bom uso da informação, que facilite o entendimento da tecnologia que transforma o nosso mundo e o nosso cotidiano.

“Entender o mundo do conhecimento, que nos permite desfrutar melhor de nossas vidas e fazer com que elas sejam mais satisfatórias é necessário também para que participemos integralmente da sociedade em que vivemos. Por isso é que a disseminação do conhecimento é tão importante para a BBC e para todos os que acreditam e investem na democracia”, encerrou a palestrante.
(Notícias da ABC, 28/10)

Fonte: JC e-mail 3630, de 29 de Outubro de 2008.

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