30 janeiro 2009

Ciência, Tecnologia e gerações na VI Bienal da UNE

Artigo de Ronaldo Mota

“É da essência da evolução do conhecimento, em qualquer nível e contexto em que se realize, a imprevisibilidade da ciência, da tecnologia que ela por ventura engendra, e as inovações que delas resultam”.

Ronaldo Mota é professor titular de física da Universidade Federal de Santa Maria, pesquisador do CNPq e assessor especial do ministro da Ciência e Tecnologia. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Realizou-se em Salvador-BA na semana passada a VI Bienal de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), onde participei como convidado. Um dos temas destacados pelos organizadores foi o papel da educação e da inovação nas universidades e, principalmente, indo além de seus muros.

Foi uma oportunidade muito rica de apresentação e debates de idéias acerca de um tema crucial que impacta na educação superior através da extensão, em todas as suas dimensões, na economia, enquanto resultados das tecnologias que são engendradas pelo desenvolvimento científico, e, especialmente, pelo incentivo à inovação e à criatividade em todos os seus aspectos.

Além de todas as contribuições decorrentes das dezenas de atividades desenvolvidas, foi um momento único em termos de oportunizar o encontro de várias gerações de acadêmicos, permitindo observações muito interessantes sobre o que diferentes faixas etárias têm para aprender e ensinar quando se encontram. Aprender juntos quando pensam que ensinarão sozinhos e educar coletivamente quanto mais nos assumimos enquanto eternos aprendizes.

Os tempos atuais se caracterizam pelas quebras de barreiras. De gênero, cada vez mais mulheres em qualquer área da atividade humana, de etnias e raças, em um mundo cada vez mais multicolorido, e de enfrentamento de vários outros preconceitos. Um quase preconceito, menos perceptível, permanece: o de idade. E como é difícil superá-lo.

Por mais que observemos as citadas evoluções, os agrupamentos sociais têm, em geral, nas faixas etárias um estigma. Mais jovens com os seus, os adultos menos idosos nos espaços respectivos, cada vez mais comuns os programas para terceira idade etc. Há, naturalmente, cruzamentos e junções etárias, mas são raros.

Ainda que episódicos esses eventos, interessante perceber como são profícuos, sendo momentos onde todos acumulam experiências e educam, coletiva e solidariamente. Não importa que não seja simples aos mais jovens observar a dimensão do que significa termos vivenciado o surgimento dos Beatles ou a queda da ditadura. Afinal, somente 35% da população sabem o que foi o movimento "Diretas-já!" de 25 anos atrás. Tão difícil como nos convencermos (e nos consolarmos) de quantos Obamas os mais jovens vivenciarão, ainda que, desafortunadamente, no futuro não mais compartilhemos, talvez. Importa agora o que os extremos etários têm a falar, e a ouvir, entre si.

O estranho, muitas vezes, é acharmos naturais coisas que, de fato, não o são. Tende-se a imaginar o mundo atual mais libertário e inovador, enquanto o antigo retrógrado e preconceituoso. Vejamos, a título de exemplo, as danças e os momentos de confraternização. Alguém já parou para refletir sobre o que foram os saraus dançantes de outrora. Nada mais ousado, despudorado. Dançava-se agarradinho, até de rostinho colado, com quem nunca se vira antes. Era simples, convidava-se a moça, se com sorte ela aceitasse, eram momentos primorosos e inesquecíveis. O contato físico, o perfume e todas as sensações decorrentes.

Hoje, em geral, as danças são quase solitárias e nada solidárias. Fosse o inverso, do descolado e distante antes para o juntinho agora e teríamos todo tipo de acusações contra a evolução indecente, inaceitável e ultrajante. Já imaginaram quantos processos de assédios teríamos hoje se metade das evoluções daquele período ousasse prosperar nos salões atuais?

Voltemos para o evento da UNE mais diretamente. Há um admirável permanente despertar de estudantes universitários e secundaristas. Todos muito conscientes, bem intencionados e maduros politicamente. É um permanente, vigoroso e elogiável renascer permanente, gerando a formação de quadros muito preparados para enfrentar os desafios das próximas gerações. Diria mesmo que este movimento em direção a ouvir os menos jovens é fruto exatamente de tal maturidade.

Quanto vale ouvir o jornalista Raimundo Pereira sobre democratização da mídia? Pode-se pensar, ter opinião, mas Raimundo foi além, ele fez. E fez muito. Acertou, errou, tanto faz. A dimensão de seu trabalho no ciclo Opinião, Pasquim, Movimento, Em Tempo etc. é transcendente. Ouvi-lo uma obrigação e um prazer para quem quer pensar o que foi, o que é e o que será o jornalismo no Brasil.

Fui lá para compartilhar pensar sobre ciência, universidade e o mundo que os cercam. Natural e compreensível que ímpetos e anseios apareçam: ciência a favor dos setores oprimidos, ciência para o povo etc. Difícil mesmo é, mesmo entendendo os bons propósitos dos sentimentos que geram tais concepções, nos confrontarmos com elas. Imprescindível lembrarmos que ciência é, antes de tudo, o desejo de ir além da fronteira, inovar algo que transcenda o que já se domina, ousar experimentar em novos contextos e propor idéias que se pretendam inovadoras.

Independente da nossa incapacidade de definir a priori o que seja ciência engajada ou ciência qualquer não previamente engajada, há algo de essencial na produção do conhecimento que faz a questão inicial irrelevante. Imaginemos, para efeito de puro exercício, que existissem (lembro que definitivamente é especulativo) as duas ciências, a comprometida com o povo e aquela descomprometida ou mesmo, por suposto, contra os interesses da maioria. Uma pergunta simples: quem, e baseados em quais critérios, fariam o julgamento? Como discernir entre o bom e o mau? Entre o correto e justo separando-o do errado e do injusto?

É da essência da evolução do conhecimento, em qualquer nível e contexto em que se realize, a imprevisibilidade da ciência, da tecnologia que ela por ventura engendra, e as inovações que delas resultam. É o indizível. Observe que isso não nos torna impotentes e nem faz de todas as teorias inocentes e iguais. Pelo contrário, é também do mundo da ciência o debate, a discordância, a contraposição. O que destacamos é que, infelizmente (eu diria felizmente), tais fronteiras entre as modalidades (boas e más) da produção do conhecimento, decididamente, não existem.

Existe sim a necessária crítica permanente, bem como a disposição para estarmos alertas sobre os caminhos que envolvem a produção e a utilização de qualquer novidade. O que é diferente, muito diferente, de nos pressupormos capazes de avaliar ou categorizar as ciências em blocos, a favor ou contra a maioria, sejam esses conhecimentos engajados ou descomprometidos.

Importante que se fale, imprescindível que se ouça, mas inevitável que seja difícil explicar as emoções de dançar colado tanto quanto a beleza intrínseca da novidade de especular no campo do saber. Tal qual dançar, só fazendo e deixando o tempo nos ensinar. Educando a todos, dado que sempre aprendemos e seremos todos, queiramos ou não, estudantes para sempre.

Fonte: JC e-mail 3690, de 28 de Janeiro de 2009.

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