17 outubro 2006

Entrevistas - Revista Fapesp

Entrevistas: Gilberto Câmara e Antonio Paes de Carvalho

O engenheiro eletrônico Gilberto Câmara, em suas atividades enquanto diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) tem contribuído para sua área de conhecimento, principalmente pelo fato de abrir um diálogo com a comunidade cientifica e sociedade em geral. Ele vislumbra o apoio consciente de todos os setores sociais, bem como do Governo, de maneira que as reais contribuições da pesquisa desenvolvida no setor espacial brasileiro sejam compreendidas, apoiadas e desta forma aplicadas.
O estabelecimento e cumprimento das metas através de um cronograma bem definido, são uma das principais preocupações de Câmara, uma vez que a confiança nos projetos garante o financiamento dos mesmos. Desta forma, a ciência reverte-se em melhorias, contribuindo para o desenvolvimento de vários setores da sociedade.
Câmara quer desenvolver uma tecnologia completamente brasileira, que não vise apenas a substituição da tecnologia importada, e sim uma que realmente funcione para as necessidades brasileiras.
Um exemplo ressaltado por Câmara que demonstra os impactos das aplicações dos novos conhecimentos na sociedade, é o caso do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). Este projeto apresenta desde o início um caráter operacional, gerando previsões do tempo num determinado prazo, o que realmente melhorou a capacidade do setor.
Este serviço é prestado diariamente a sociedade, através da mídia, o que demonstra que a ciência e a pesquisa científica podem conviver com as pessoas, gerando conhecimento e benefícios práticos.
Câmara demonstra vocação ao mostrar-se otimista em relação ao desenvolvimento cientifico e consequentemente social, através do comprometimento com o desenvolvimento da pesquisa, bem como sua divulgação e aplicação permanente.
Ele apresenta visão de futuro e aptidão para interagir com outros setores do conhecimento, já que desta forma surge a argumentação, advinda da dúvida, que necessita de comprovação científica.
Um cientista como Câmara apresenta uma enorme bagagem cultural, além do conhecimento especializado em sua área de atuação. Portanto, são várias as fontes que o influenciaram. Pode-se notar na entrevista que ele tem paixão por música. E que também observa exemplos bem sucedidos de empreendimentos científicos que funcionaram na prática, como no caso da motivação do grupo que trabalhou firme para desenvolver o projeto dentro do prazo com total eficiência.
Já Antonio Paes de Carvalho é considerado um cientista visionário, há 20 anos dá provas de sua vocação para a ciência, através de seu otimismo, obstinação e visão de futuro, quando concebeu o primeiro pólo de biotecnologia do país, enfrentando o ceticismo de muitos colegas, numa época em que o país ainda não possuía destaque internacional em pesquisas tecnológicas e acreditando sempre que a biotecnologia seria o caminho para o desenvolvimento industrial brasileiro.
Nascido no Rio de Janeiro em 1935 é médico (1959), Doutor (1961), Livre Docente (1964) e Professor Titular (1977) de Biofísica e Fisiologia no do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde desenvolveu a sua carreira científica com mais de 70 trabalhos originais publicados nos veículos especializados em biofísica celular do coração.
As primeiras experiências científicas de Antonio Paes de Carvalho trataram do controle nervoso da descarga elétrica do poraquê, sob a orientação de Carlos Chagas. Carvalho acredita que a sua mais importante contribuição científica foi: o conceito de que o potencial de ação do músculo cardíaco se compunha de duas respostas excitáveis superpostas, complementares e separáveis (Nature, London, 1966). Na administração acadêmica, organizou, em 1964, a pós-graduação do Instituto de Biofísica e foi o seu diretor adjunto. Entre 1971 e 1972, exerceu a pró-reitoria de pós-graduação da Universidade. Foi membro do Conselho Federal de Educação no período 1974/1980, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro de 1980 a 1985. O cientista também foi diretor do Instituto de Biofísica, 1980/1985, deu início ao Programa de Biotecnologia Vegetal da UFRJ em 1983 e fundou e presidiu a BIOMATRIX, primeira empresa brasileira de Biotecnologia vegetal. Em 1986 fundou também a ABRABI - Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia, a qual vem presidindo até hoje. Foi membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia no período 1990/1994, e membro e presidente do GEA/PADCT/MCT, programa do Banco Mundial para o desenvolvimento científico e tecnológico de 1989 a 1996. Em 1988, participou da criação do BIO-RIO um parque tecnológico dentro do campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, e que se dedica à implantação de pequenas empresas de biotecnologia e áreas afins, e à integração Ciência-Indústria. Permanece até hoje engajado nesta atividade, como presidente da Fundação BIO-RIO. É membro da Academia Brasileira de Ciências e seu representante junto ao Conselho da FAPERJ. É membro da Academia Nacional de Medicina e suas publicações sobre eletro fisiologia cardíaca e outras áreas, somam mais de 50. E em 10 de setembro de 2004 tornou-se professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em entrevista a revista Pesquisa Fapesp, Paes de Carvalho falou sobre sua carreira profissional, a importância da criação da Extracta, uma empresa que tem a missão de oferecer à indústria extratos da imensa biodiversidade brasileira, suas dificuldades e realizações com o desenvolvimento dessa organização e finalmente sobre o futuro da ciência e tecnologia no Brasil.
Através de suas pesquisas e empreendimentos, o cientista tenta disseminar na sociedade a cultura de valorização da flora nacional, apresentando alternativas de extratos brasileiros em substituição a produtos estrangeiros para as indústrias nacionais. Seus estudos também contribuíram com diversas empresas da área de saúde, que obtiveram sucesso graças ao apoio da Fundação BIO-RIO, e puderam assim beneficiar a população em geral.
Carvalho diz que a idéia da Extracta era ter uma empresa que tivesse acesso, catalogasse e analisasse a imensa variedade química da biodiversidade vegetal, dentro das regras estabelecidas pela Convenção da Biodiversidade e da lei brasileira.
Paes de Carvalho fez reflexões sobre a biotecnologia brasileira no futuro, argumentando que o Brasil tem potencial científico muito bom, e demonstrou preocupação em transmitir sua ciência às pessoas, e utilizar seus conhecimentos e práticas a favor do bem-estar social, quando diz que ambicionava, com a criação da Extracta, “poder oferecer coisas maravilhosas à indústria nacional para torná-la competitiva”.
E encerra a sua entrevista apontando qual seria uma possível saída para o país avançar tecnologicamente? Ele acredita que o Brasil ainda está começando a amadurecer: “Não podemos esperar pela solução política que tem como motor primário a construção do superávit da economia e a garantia de que os grandes negócios do país terão uma visibilidade boa no exterior”.
Fica claro perceber a visão dos dois cientistas sobre a ciência, e da sua importância para com a sociedade, não esquecendo sempre do papel social do cientista e de como suas visões, descobertas, projetos e estudos podem mudar uma sociedade.
GRUPO: Renato Campos
Larissa Spanó
Juliana Lazarim
Tainã Mattos

16 outubro 2006

Quando medicina e literatura se encontram

Moacyr Scliar, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, dá exemplos de obras clássicas que podem ser usados em uma abordagem científica.

16/10/2006

Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

Agência FAPESP - “É preciso eliminar as barreiras entre ciência e arte e entre saúde e literatura. Como médicos e cientistas, podemos aprender tanto nos livros de ficção quanto nos manuais de medicina”, disse o escritor gaúcho Moacyr Scliar, em conferência no Simpósio Ciência e Arte 2006, realizado na semana passada no Rio de Janeiro.

Membro da Academia Brasileira de Letras, Scliar é também médico, graduado em 1962 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em saúde pública, além de professor visitante nas universidades Brown e do Texas, nos Estados Unidos.

“A despeito dos avanços da neurociência, ainda não conseguimos descobrir a origem da criatividade. Porém, sabe-se que o processo criativo se dá da mesma maneira, tanto na arte quanto na ciência”, disse o também professor da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre.

Scliar citou alguns exemplos literários que podem ser usados em uma abordagem científica, como A morte de Ivan Ilitch, do russo Liev Tolstoi (1828-1910), que conta a história de um homem à beira da morte e sua relação com médicos. Na literatura brasileira, ele cita O alienista, de Machado de Assis, que considera “o melhor romance escrito sobre o poder médico”.

Outra obra que pode exemplificar, segundo ele, a estreita relação entre literatura e saúde, é A montanha mágica (1924), romance do alemão Thomas Mann que se passa em um sanatório de tuberculosos. “O livro tem a ver diretamente com a prática médica”, observou Scliar.

O francês Moliére é, para Scliar, outra referência. “A peça O doente imaginário satiriza a medicina no século 17, a qual o autor conhecia bem, pois sofria de tuberculose”, disse.

Scliar é autor de mais de 30 livros, entre os quais A guerra do bom fim (1972), O centauro no jardim (1980), A orelha de Van Gogh (1988) e A mulher que escreveu a Bíblia (1999).

Tem também diversas obras em que estão destacadas suas experiências com a medicina, de Histórias de um médico em formação (1962), seu primeiro, ao recente O olhar médico: crônicas de medicina e saúde (2005). É autor de Oswaldo Cruz: entre micróbios e barricadas, biografia do cientista e sanitarista.

Fonte: Agência FAPESP, 16/10/2006.

Cinema e Ciência

A partir do exemplo do filme O óleo de Lorenzo, Adlane Vilas-Boas Ferreira, da Universidade Federal de Minas Gerais, fala sobre como filmes podem ajudar em discussões científicas e na sala de aula.

16/10/2006

Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

Agência FAPESP - O cinema tem sido um importante – ainda que não tão freqüente como muitos gostariam – aliado na divulgação da ciência. Um exemplo, segundo Adlane Vilas-Boas Ferreira, professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é O óleo de Lorenzo (1992).

A pesquisadora apresentou o trabalho O cinema e o sentido da ciência: o óleo de Lorenzo no ensino de genética e da pesquisa científica no Simpósio Ciência e Arte 2006, realizado na semana passada no Rio de Janeiro.

Dirigido pelo australiano George Miller – que também é médico, formado pela Universidade de New South Wales –, o filme conta a história real do norte-americano Lorenzo Odone que, aos 5 anos, começou a mostrar sintomas de uma doença genética degenerativa conhecida como ALD (adrenoleucodistrofia). A trama mostra a busca dos pais do menino por um tratamento eficiente e uma solução para a doença.

“A tentativa de passar conhecimento científico adequado fez com que o diretor criasse um filme que atrai professores. Nele, são levantadas questões de genética, bioquímica e de método científico que podem ser exploradas em sala de aula”, disse Adlane.

A pesquisadora da UFMG levantou também, em seu trabalho, uma série de conceitos questionáveis sobre o filme, como a definição de erros metabólicos e como eles são classificados quanto ao bloqueio na via metabólica, por exemplo. “Também podemos discutir o tratamento e a cura das doenças metabólicas e questionar se, hoje, depois de muitas pesquisas feitas desde então, é correto afirmar que a doença de Lorenzo se deve a uma enzima defeituosa”, disse.

No filme, os pais do menino verificam a eficácia da substância conhecida como óleo de Lorenzo – que contém ácidos oléico e erúcico – no tratamento da doença. “Muito se aprendeu sobre erro metabólico envolvido na ALD, inclusive com a clonagem do gene. O que os Odone descobriram não era exatamente o que se pensava, mas abriu caminho para se conhecer melhor o mecanismo de ação das enzimas envolvidas”, disse Adlane.

Quanto à cura da doença mostrada no filme, a pesquisadora é reticente. “Muita controvérsia se instalou sobre o óleo e a eficácia da terapia. Anos depois, um estudo mostrou que o óleo era eficaz para a maioria dos meninos com ALD, mas não para todos”, disse. Hoje, Lorenzo tem 28 anos e mora em Washington, nos Estados Unidos.

Fonte: Agência FAPESP, 16/10/2006.