O avanço da ciência, a complexidade dos problemas da sociedade moderna e a necessidade de inovação levarão, inevitavelmente, a um processo de convergência entre as diversas áreas do conhecimento e o progresso do campo interdisciplinar da pesquisa científica. Esse é o pensamento de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que, durante três dias, discutiram e refletiram sobre as experiências e resultados, avanços e dificuldades do processo de construção e desenvolvimento da interdisciplinaridade na pós-graduação brasileira, visando a sua consolidação no país.
Reunidos no auditório da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), em Brasília, cerca de 200 pesquisadores participaram da 3ª Reunião de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação da Área Interdisciplinar (Recopi). O evento, encerrado na noite desta quarta-feira (19), foi promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC) e teve, além dos coordenadores, presença de pró-reitores de pós-graduação de cerca de 20 universidades. A Recopi foi transmitida via internet e acompanhada por cerca de 400 pessoas em todo o país.
O coordenador da Área Interdisciplinar da Capes, Arlindo Philippi Jr., fez uma avaliação positiva da reunião, devido à presença maciça dos coordenadores dos programas e dos pesquisadores associados a eles, além da intensa participação nos debates. "Os convidados deram uma contribuição efetiva e as discussões revelaram um real aproveitamento das exposições. A interação entre os participantes e o intercâmbio de informações entre os pesquisadores de diferentes programas também são muito importantes", disse.
Philippi Jr. comentou também um dos pontos discutidos durante as sessões de debates, o elevado número de propostas de programas apresentados à Capes, muitos dos quais não conseguem aprovação no primeiro momento. "A apresentação da Capes teve uma aceitação muito grande. Eles puderam compreender melhor o que é a coordenação de área interdisciplinar da Capes e o sistema de avaliação, compreendendo melhor o processo. Muitas respostas foram dadas para questões que eles tinham", afirmou.
Aprovação: interdisciplinaridade exige mais tempoAinda acerca do que chamou de "índice de mortalidade" das propostas de cursos de pós-graduação interdisciplinares, Arlindo Philippi Jr. explicou que é natural que haja ma maior dificuldade na implementação de cursos dessa natureza. Ele apontou dois motivos principais para o fato.
Segundo o cientista, a área interdisciplinar exige um tempo de preparação muito maior, pois o programa disciplinar normalmente já faz parte do âmbito do conhecimento de todos que trabalham na área e a proposta reúne com facilidade cientistas que possam e queiram trabalhar na disciplina. "Na área interdisciplinar, você tem de conhecer o problema identificando quem vai ser necessário, do ponto de vista do conhecimento disciplinar para interpretar esse problema e buscar a solução", diferencia. O passo seguinte é definir quais áreas do conhecimento são necessárias para pesquisar sobre o problema, de modo a alcançar alguma solução.
"Tudo isso exige um tempo de procura, de construção, de maturação, porque as pessoas que fazem parte de projetos de pesquisa nesses programas devem ter uma certa convergência de linguagem", explica o professor Philippi Jr., que complementa: "É necessário, por exemplo, determinada área da engenharia, que tem uma linguagem, entender e se fazer entender na área das ciências sociais; e essa se fazer entender nas áreas da engenharia, da biologia, da química, enfim, quem estiver sendo trazido à discussão".
O cientista recorre a um dilema social para referendar sua explicação: "Veja o exemplo da saúde pública, em que se tem de trabalhar com meio-ambiente, saúde, economia, participação social, comunicação, envolvimento da sociedade, epidemiologia, estatística, entre outras". Philippi Jr. arremata com uma pergunta que soa como resposta aos que questionam o rigor da avaliação: "Quanto tempo se precisa para seguir conversando e haver um entendimento para que a proposta seja colocada?"
Importância da avaliação da CapesEntusiasta da interdisciplinaridade, Philippi Jr. ressalta que o maior tempo de definição dos cursos é uma característica própria do objetivo e defende a avaliação feita pela Capes. "Às vezes a proposta de abertura do curso é colocada quando o processo de maturação ainda não foi completado. E isso é percebido na avaliação", afirma.
Ainda a respeito do processo de avaliação, o cientista lembra que quem decide sobre os elementos colocados nos processos de avaliação é a comunidade científica. "A Capes implementa e depois cobra. O fato de o processo de avaliação da Capes ser realmente levado a sério traz orgulho à sociedade brasileira. Essa seriedade tem trazido contribuição ao avanço da atividade de ciência e tecnologia no país", afirma Philippi Jr.
Para melhorar o percentual de aprovação das propostas de cursos interdisciplinares, a Comissão de Área da Capes tem produzido relatórios indicando quais são os pontos considerados "complicados" e os motivos, de forma que os proponentes identifiquem os problemas. "Com essas informações, eles podem se debruçar sobre aquilo, ou para explicar no momento imediato ou para trabalhar ao longo do próximo ano e reapresentar a proposta", conta o professor Philippi Jr., acrescentando que normalmente é no segundo ano que grande parcela das propostas é aprovada, "porque avançou".
Interdisciplinaridade: caminho inevitávelPerguntado se, a partir das idéias por ele defendidas, a ciência caminha inexoravelmente para uma maior atuação interdisciplinar, Arlindo Philippi Jr. não hesita: "Com certeza!" Segundo ele, as empresas de ponta no mundo atuam fortemente em pesquisa de caráter interdisciplinar, a partir da sua área de atuação, envolvendo pesquisadores em seminários sistemáticos, visando agregar novos conhecimentos e novas disciplinas "para se avançar na inovação". "A interdisciplinaridade é um dos focos importantes de construção da inovação", defende.
O cientista defende ainda que, no âmbito dos governos, há um "esgotamento da forma disciplinar como os problemas setoriais têm sido interpretados". "Às vezes, por se tentar resolver um problema apenas pelo viés do conhecimento disciplinar, leva-se à criação de subprodutos indesejáveis. Ou seja, resolvem-se alguns, mas criam-se outros", afirma. "Nossa formação universitária é muito disciplinar e isso se reflete em esferas governamentais", comenta Philippi Jr. Ele acredita que, para a resolução dos problemas, "está cada vez mais claro que os governos precisam trabalhar em articulação interinstitucional, o que pressupõe articulação interdisciplinar". Cabe, portanto, à universidade - à academia - dar respostas às novas necessidades.
"Nossa vida é interdisciplinar""A sociedade civil por excelência sempre tem um pensamento interdisciplinar, pois a nossa vida é interdisciplinar". Com esse argumento, Arlindo Philippi Jr. aposta na interdisciplinaridade como o caminho natural da evolução da pesquisa científica. "A comunidade científica está atenta ao fato de que há questões novas que precisam ser trabalhadas e estudadas. Precisamos trabalhar mais nessa interação. Quando os cientistas voltam às suas áreas, levam mais informações e têm mais elementos para trabalhar dentro das suas instituições.
Para o professor Antonio Silva Neto, coordenador da 3ª Recopi, "o avanço da ciência, nas disciplinas em separado, permite analisar problemas mais complexos, como as questões urbanas, saúde humana, clima...". Segundo ele, ao se enfrentar questões mais complexas, é natural que se tenha de envolver pessoas de formação diversificada. "Nossa discussão, para contribuir com o avanço das ciências, é estudar como essas informações são trocadas. Como uma área se apropria dos instrumentos gerados em outra, por outra necessidade", explica.
Fonte: Assessoria de Imprensa da Capes, 21 de Novembro de 2008.
Marcadores: Reunião