18 dezembro 2008

O estado da inovação no país

“Os recursos do governo que apóiam P&D na empresa induzem ou não mais investimentos delas?”.

Janaína Simões escreve para o “Inovação Unicamp”:

Apesar de ainda não haver dados concretos que demonstrem os impactos causados pelos novos instrumentos de apoio a pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) nas empresas, especialistas afirmam ser possível detectar alguns sinais de que mecanismos como a subvenção e os incentivos fiscais à inovação estão induzindo o setor privado a ampliar seus esforços nessas atividades.

Contudo, na contramão desse otimismo, a Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), que reúne associações setoriais industriais nacionais como Abinee, da Indústria Elétrica e Eletrônica, Abimaq, de Máquinas e Equipamentos, Abifina, das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e Suas Especialidades, ABM, de Metalurgia e Materiais, entre outras, afirma que não houve mudanças no cenário por conta dos novos programas do governo, pois o indicador mais claro de ampliação de atividades de inovação, o registro de patentes, continua no mesmo patamar ou até está regredindo.

Três pesquisadores que acompanham as políticas públicas para incentivo à inovação destacam não haver ainda pesquisas capazes de detectar se os incentivos fiscais previstos na Lei 11.196/2005 e a subvenção econômica, lançada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em 2006, estão ou não induzindo as empresas a investir mais em suas atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação — ou se o dinheiro do governo está substituindo recursos próprios, naquilo que os especialistas chamam de "efeito de deslocamento".

Mesmo assim, João Alberto de Negri, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Mário Salerno, professor e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), e Carlos Américo Pacheco, professor e pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, chegam perto de um consenso sobre haver indícios de que os novos instrumentos podem induzir as empresas a aplicar mais dinheiro em atividades de P&D&I.

Pacheco não descarta a possibilidade de estar havendo o efeito de deslocamento, visto que os indicadores gerais sobre P&D, como o volume de recursos investidos pela iniciativa privada, ainda não deram sinais de mudança. Salerno relativiza a importância do problema, pois o que importa, na visão dele, é se há aumento das atividades de P&D&I.

Negri é convicto sobre os novos mecanismos estarem gerando o chamado "efeito de adicionalidade", o oposto do de deslocamento, em que os recursos públicos motivam as empresas a investir mais. A visão de Roberto Nicolsky, da Protec, é outra. Além de várias críticas aos novos instrumentos, em especial em relação à subvenção, ele destaca que o principal indicador tecnológico, o registro de patentes, está estagnado, com tendência a regredir.

Experiências anteriores mostram resultados positivos

"O governo deveria encomendar um estudo sobre o tema. Essa é uma questão que precisa ser mais bem investigada", alerta Carlos Américo Pacheco, da Unicamp, que foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) de 1999 a 2002, e secretário adjunto de Desenvolvimento do Estado de São Paulo no primeiro ano do governo Serra.

Ele lembra que os resultados estatísticos concretos, como a proporção de investimento privado em P&D em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) ou o número de patentes, indicadores comuns para sinalizar quantitativamente os avanços, não mudaram muito desde o início da década e o período atual, quando houve o surgimento dos fundos setoriais, a promulgação da Lei da Inovação, a criação dos instrumentos de subvenção e a reformulação dos incentivos fiscais da chamada "Lei do Bem".

Pacheco baseia-se em um dos estudos do livro Políticas de Incentivo à Inovação Tecnológica no Brasil, publicado em 2008 pelo Ipea, para supor que políticas públicas para inovação induzem o investimento das empresas. Trata-se do Capítulo 6, "O Impacto do Programa ADTEN Sobre o Desempenho e o Esforço Tecnológico das Empresas Industriais Brasileiras", que já foi tema de Íntegras em Inovação.

Assinam o capítulo João Alberto de Negri e Fernanda de Negri, pesquisadores do Ipea, e Mauro Borges Lemos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O ADTEN é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional, operado pela Finep com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

O programa foi criado em meados dos anos 1970. É reembolsável e existe ainda hoje na Finep, apesar de ser pouco divulgado. Financia projetos de engenharia básica com desenvolvimento tecnológico, implantação de centros de P&D, compra e absorção de tecnologias no País ou no exterior, projetos de qualidade e gestão e de comercialização pioneira.

Entre 1997 e 2005, 425 empresas foram beneficiadas pelo programa, com um total de R$ 1,5 bilhão em desembolso. Os autores reconhecem que o alcance do programa é reduzido, mas investigam se a participação no ADTEN levou as empresas a investir mais em P&D&I ou se os recursos apenas deslocaram os investimentos privados em P&D para outras áreas.

Apesar de o programa não financiar apenas atividades de P&D&I, os autores destacam no estudo que, ao comparar as firmas não participantes àquelas que usaram o ADTEN, nota-se maior gasto em P&D no segundo grupo de empresas. Segundo o livro, os resultados indicam haver "evidências robustas" de que os investimentos em P&D realizados pelas firmas foram maiores naquelas que se beneficiaram do ADTEN. Ou seja: o programa estaria alavancando os gastos privados.

O ano 2000 foi selecionado porque foi o período em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), que quantifica os investimentos privados em P&D e caracteriza o esforço de inovação das empresas no Brasil.

Para o economista da Unicamp, os indícios demonstrados pela pesquisa do Ipea não afastam a possibilidade de que empresas estejam substituindo seus recursos pelos do governo, ao invés de ampliar seus investimentos. Isso porque os indicadores mais gerais sobre os esforços em P&D&I das empresas, constatados principalmente pela Pintec, não mostram mudanças significativas.

"Estamos melhorando os incentivos, mas não assistimos a um aumento no investimento privado. Seria muito provável vermos esse aumento entre 2008 e 2009, mas agora ficou complicado fazer qualquer tipo de análise, porque as empresas estão revendo seus investimentos [por conta da crise econômica]", aponta.

Pesquisadores sinalizam que PDTI incentivou gasto privado em P&D&I

Mario Salerno, da USP, destaca outro estudo do livro do Ipea, que mostra indícios positivos das ações públicas no fomento a P&D&I: o Capítulo 8, "Avaliação do Impacto do PDTI Sobre o Gasto em Atividades de Inovação e em P&D das Empresas Industriais", de Ana Paula Avellar, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

De acordo com Salerno, esse é o único estudo recente que avalia políticas envolvendo incentivos fiscais à inovação e seus impactos. Ele trata do Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI), executado entre 1994 e 2005. O programa foi o embrião da Lei 11.196, que concede incentivos fiscais para empresas que invistam em P&D&I.

O PDTI, operacionalizado pela Finep, baseava-se na dedução do imposto de renda e do crédito fiscal incididos sobre o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O prazo de concessão do benefício variava de quatro a cinco anos. Em 1997, a crise econômica levou o governo a fazer um forte ajuste fiscal e o PDTI sofreu alterações que reduziram seus benefícios, como o percentual a ser deduzido no IR e o percentual de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O interesse das empresas reduziu-se: em 2002, apenas seis projetos foram aprovados, contra 11 aprovados em 1994.

Levantamento do MCT citado por Ana Paula diz que, nos 11 anos de vigência do PDTI, foram investidos R$ 5 bilhões e concedidos R$ 287,6 milhões em incentivos para 217 projetos de 267 empresas. Segundo a autora, o que explicou o baixo interesse pelo PDTI por parte das empresas foi a burocracia envolvida na aquisição dos benefícios. Além da necessidade de aprovação prévia, as companhias precisavam apresentar um plano plurianual de desenvolvimento tecnológico, de acordo com a pesquisadora.

Apesar dessas dificuldades, o estudo empírico da pesquisadora mostrou que as empresas participantes do PDTI tiveram resultados positivos. Ana constatou que elas apresentaram gastos em atividades de inovação superiores em relação às não participantes. "Esse resultado pode indicar, em certo sentido, que participar do PDTI auxilia positivamente o gasto das empresas", escreveu Ana Paula.

Salerno, da USP, lembra que o PDTI apoiou 217 projetos em 12 anos (1993-2005). "Só em 2006, foram 130 os projetos cujos relatórios foram recebidos pelo MCT", comenta, comparando o número de firmas que integraram o PDTI com as companhias que fizeram uso dos incentivos fiscais no primeiro ano de vigência da Lei 11.196, conforme balanço divulgado pelo MCT. Os 130 projetos resultaram em R$ 229 milhões em benefícios fiscais concedidos pelo governo apenas em 2006.

Ele destaca ainda que o objetivo dos novos mecanismos de apoio a P&D é aumentar a capacidade de inovação da economia brasileira. "Se para isso a empresa coloca mais dinheiro, menos ou o aplica melhor, não sei. O que se quer, em última instância, é aumentar a capacidade inovativa e o poder das empresas localizadas aqui, atrair mais P&D para o Brasil e induzir as empresas que estão aqui a fazer mais P&D", afirma.

"Se elas estão colocando menos dinheiro, mas fazendo mais P&D, então está bom. O principal é que quem faz P&D tem uma vantagem, de qualquer forma", completa. Para ele, se o país quiser atrair mais atividades de P&D&I, não tem como fazê-lo sem uma política de atração de investimentos, mesmo que essa política não leve as empresas aqui instaladas a ampliar seus esforços.

Pesquisador do Ipea é categórico: não há deslocamento de investimento

João Alberto de Negri, um dos organizadores do livro Políticas de Incentivo à Inovação Tecnológica no Brasil — o outro é Luís Claudio Kubota — é enfático: tem certeza que os novos mecanismos de apoio às atividades de P&D&I nas empresas não estão promovendo um deslocamento dos investimentos. Para ele, as empresas não estão tirando dinheiro que investiriam de qualquer forma em projetos de P&D&I para aplicar em outras áreas.

"Levará dois a três anos mais para termos um grande número de empresas investindo, mas a tendência é que, com o tempo, tenhamos uma ampliação das empresas nas despesas de P&D&I", afirma. Parte de sua convicção é resultado do trabalho de pesquisa que coordenou no Ipea e que originou o livro já citado.

"Nossas pesquisas demonstram que há efeitos de adicionalidade nas políticas de fomento às empresas. E não temos evidências empíricas mostrando efeitos de deslocamento", acrescenta. O pesquisador destaca que os novos mecanismos colocaram o Brasil como um país detentor de um arcabouço legal de apoio à inovação que nada fica a dever aos países desenvolvidos.

Representante da iniciativa privada vê falhas nos mecanismos

Roberto Nicolsky, diretor da Protec, tem visão oposta. Já no final do VII Encontro Nacional de Inovação Tecnológica (Enitec), evento anual realizado pela entidade, as resoluções divulgadas pelos integrantes da Protec foram críticas, em especial no que se refere ao programa de subvenção. Realizado entre 17 e 18 de setembro, em Brasília, o Enitec deste ano destacou que a subvenção não está atendendo ao seu objetivo básico, que é contribuir para o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais.

Na visão da Protec e das entidades tecnológicas setoriais que são suas associadas, como as instituições IPD-Maq e IPD-Eletro, ligadas, respectivamente, à Abimaq e à Abinee, os critérios para a escolha de tópicos — chamados pelo MCT de áreas estratégicas — não se mostram claros para a sociedade. Além disso, os editais assumiram um caráter de encomenda tecnológica.

As resoluções do Enitec acusam ainda a existência de pesquisadores que usam um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) "laranja", ou seja, cientistas que criam empresas para acessar os recursos da subvenção e dar continuidade a pesquisas puramente acadêmicas. Esse tipo de projeto, segundo a Finep, tem sido apresentado nos editais, mas não é aprovado no processo de seleção.

Nicolsky diz não ser fácil responder se os novos mecanismos de fomento a P&D&I estão motivando as empresas a investir mais, ou se simplesmente estão substituindo os recursos das companhias. "Não dispomos de dados concretos. Não há entre nós a cultura da avaliação dos resultados reais. Ficamos sempre nos típicos indicadores acadêmicos: recursos oferecidos, teses defendidas, artigos científicos publicados, apresentações em conferências internacionais, etc.", afirma.

"Se olharmos o indicador quantitativo típico da tecnologia, as patentes, vemos que não temos evoluído. Ao contrário, temos tido regressões. E se olharmos o número de empresas, vemos que são essencialmente as mesmas, com a exceção inócua das "empresas-laboratório", as grandes ganhadoras da subvenção", critica. O que Nicolsky chama de empresas-laboratório são "firmas recém-criadas por pesquisadores ou pequenas empresas que se tornam 'sócias' do projeto pela cessão do CNPJ".

O diretor da Protec afirma ainda que são poucas as empresas do setor produtivo beneficiadas pelos editais. Segundo ele, não chegam a 300, considerando os diferentes programas: subvenção econômica, incentivos fiscais, financiamento e recursos humanos. "Nós não conseguiremos nos tornar atores no mercado mundial e impactar o nosso PIB enquanto não chegarmos a algo como as 16 mil empresas que a Coréia, que tem um PIB da mesma ordem de grandeza, conseguiu motivar", destaca.

Para ele, as empresas grandes e as que já realizam P&D com alguma tradição podem estar substituindo recursos. "A saída é a mobilização das pequenas e médias empresas produtivas da área de indústria manufatureira, mas que precisam apoio tecnológico, além dos recursos. Mas estas estão excluídas pelas dimensões do piso dos projetos nas agências. Se não conseguirmos encontrar o caminho para envolvê-las no processo inovativo, não alcançaremos o nosso propósito de universalizar a inovação", destaca.

Como exemplo para dar de contraponto ao que tem sido feito pelo governo, Nicolsky citou o Edital Senai de Inovação, que está em sua quinta edição. Segundo ele, esses editais têm atendido indústrias pequenas e médias com grande sucesso porque levam o projeto ao final, juntamente com a empresa. "Uma política inteligente seria as agências repassarem a esses editais os 20% dos recursos aplicados para atender as indústrias pequenas", defende, referindo-se ao que prevê o artigo 65 da Lei Complementar 123, conhecida como Estatuto da Empresa de Pequeno Porte.

O diretor da Protec menciona também iniciativas isoladas em entidades tecnológicas setoriais que dispõem de laboratórios próprios, como o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC), por exemplo, que se localiza em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. "No momento são poucas e de pequena dimensão, mas outra política eficiente seria apoiar de modo sistêmico a disseminação de laboratório em entidades tecnológicas setoriais. A Coréia tem mais de 200, e nós contamos nos dedos de uma única mão quantas temos no Brasil", finaliza, defendendo a ampliação das entidades reunidas pela Protec.
(Inovação Unicamp, 15/12)

Fonte: JC e-mail 3664, de 17 de Dezembro de 2008.

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Brazil, the natural knowledge-economy

CGEE | Demos | 2008


O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) participou da elaboração do capítulo brasileiro do projeto Atlas das Idéias, chamado Brazil, the natural knowledge-economy. Atlas das Idéias é uma iniciativa da Demos, instituição inglesa sem fins lucrativos, voltada à pesquisa e ao debate para a promoção da democracia do cotidiano. O projeto traça uma nova geografia da inovação, por meio do mapeamento do status e das tendências da ciência, tecnologia e inovação em vários países do mundo. Assim, o projeto procura identificar possibilidades de cooperação entre o Reino Unido e centros de inovação em países emergentes, situados fora do eixo tradicional de produção de C&T. A participação do CGEE se estendeu em todas as fases do estudo no Brasil, desde a sugestão de especialistas a serem entrevistados, a condução de seminários, as consultas intermediárias, até a co-autoria do estudo final. O primeiros estudos do Atlas apresentaram o estado da arte em CT&I na China, Índia e Coréia do Sul.

A publicação Brazil, the natural knowledge-economy descreve a surpresa, para olhos europeus, dos desenvolvimentos recentes do Brasil no campo de CT&I. O documento salienta como forças do Brasil a estabilidade política e econômica, o crescimento da produção científica e do número de doutores e mestres, o apoio federal bem organizado, tanto financeiro quanto regulatório à ciência e tecnologia, uma base confiável em propriedade intelectual.

Entre os alvos de investigação estão o grau de concentração da pesquisa em instituições de elite no país; o fluxo intrarregional de talentos e a diáspora de especialistas para centros de pesquisa no exterior; o efetivo envolvimento da indústria nas cadeias de inovação; se os ganhos de produtividade obtidos com a inovação têm como preocupação a preservação do meio ambiente; se a inovação tem chegado à base da pirâmide social do país; e se a colaboração científica tem se dado apenas no âmbito das elites, ou se tem chegado às massas.

A publicação também contém seis recomendações ao Brasil, todas no sentido de que o país tire maior proveito das qualidades que têm. A primeira delas é ampliar a discussão sobre temas que, de acordo com a consultoria inglesa, são inevitavelmente controversos – o exemplo é a tensão entre investir em ciência básica e investir na diminuição da desigualdade. A segunda afirma que o Brasil deve “contar uma nova história sobre a inovação” e “precisa de confiança para escrever um novo capítulo” nessa história. “Aproveitar ao máximo a notoriedade global” trazida pelos biocombustíveis, e fazer disso uma oportunidade para “comunicar ao mundo sua força científica” é a terceira recomendação; organizar uma rede de apoio internacional a partir dos cientistas e empreendedores brasileiros vivendo no exterior e, finalmente, implementar com firmeza as políticas públicas já existentes completam as recomendações.

O estudo estrutura-se em uma introdução e sete capítulos: Mapeamento, Pessoas, Lugares, Empresas, Cultura, Colaboração, Prognóstico. Há também um anexo com a lista de instituições visitadas.

Clique aqui para obter o documento.

Fonte: CGEE, Demos, 2008.

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16 dezembro 2008

Mulheres lideram projetos inovadores no país

Metade dos parques tecnológicos e incubadoras é comandada por executivas.

Jacílio Saraiva escreve para o “Valor Econômico”:

A executiva Cátia Jourdan tirou o salto e subiu o morro. Antes de ser gerente da Incubadora Social de Comunidades do Instituto Gênesis, da PUC-RJ, a formação como psicóloga a ajudou a atender novos empreendedores no Morro do Pereirão, no Rio Janeiro. Ao mesmo tempo, para adquirir mais habilidades na área de negócios, cumpriu um MBA em administração.

"Minha meta era melhorar a auto-estima das empresas, alavancar oportunidades de trabalho e afinar a relação delas com a população carente do entorno". Graças ao seu trabalho, assumiu a gerência da instituição, em 2006.

As incubadoras oferecem apoio gerencial e técnico para micro e pequenas empresas interessadas em desenvolver novos projetos. Hoje, o Instituto Gênesis abriga três delas, todas gerenciadas por executivas. A unidade de Cátia tem quatro empreendimentos incubados e dois a caminho. Em 2009, graças a um aporte de US$ 150 mil do Banco Mundial, vai montar na Vila Parque da Cidade, no bairro da Gávea, um centro de tecnologia com dez computadores, acesso à internet e uma cozinha-escola. "Vamos desenvolver in loco o potencial empreendedor dos habitantes do lugar."

Sem saber, Cátia faz parte de um movimento observado na área do empreendedorismo inovador no Brasil. Uma pesquisa realizada no segundo semestre deste ano constatou que as mulheres estão tomando conta dos cargos de chefia de incubadoras e parques tecnológicos no país- uma área tradicionalmente masculina. Hoje, 48,6% dos parques e incubadoras são liderados por executivas.

O estudo "Mulheres Empreendedoras: Gênero e Trabalho nas Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos" foi realizado pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em parceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ITCP/UFRJ). O Brasil tem 400 incubadoras e parques que geram 33 mil empregos e abrigam mais de 6 mil companhias.

"O levantamento retrata transformações ocorridas na sociedade brasileira nas três últimas décadas, em relação à inserção das mulheres no mercado de trabalho", aponta o coordenador da pesquisa, Gonçalo Guimarães. A análise mostrou que mais de 40% das profissionais da área de inovação têm de 26 a 35 anos, 50% delas são pós-graduadas e conseguiram um nível de escolaridade melhor do que o que viam dentro de casa: mais de 30% declararam que suas mães só concluíram o primeiro grau.

Os dados mostraram também que 41,8% das profissionais são casadas, 48,1% são mães e 51,9% não têm filhos. "Há relatos de perda de emprego por causa da família", comenta o antropólogo e pesquisador Marcelo Ramos, consultor da Anprotec para a realização do estudo.

Segundo Ramos, os números constroem um cenário pouco comum para os padrões de inserção da mulher no ambiente produtivo. "Pesquisas mostram que na faixa etária de 30 a 40 anos, quando elas se tornam mães ou estão criando os filhos, há uma queda de participação no mercado de trabalho. Em campos tradicionalmente masculinos, o número de executivas nos cargos diretivos era, até pouco tempo atrás, inexpressivo", diz. "Foi surpreendente encontrar esse volume de mulheres jovens ocupando posições de coordenação e direção."

Embora batam cartão em áreas de ponta do empreendedorismo, as pesquisadas também se deparam com algumas ilhas de atraso. De cem entrevistadas, 45% afirmaram ter sofrido ou presenciado algum tipo de preconceito relativo à idade ou pelo simples fato de serem mulheres. "Mesmo com um alto nível de formação e de ocuparem cargos de direção, 50,7% das pesquisadas dizem que, com a mesma escolaridade e funções, ganham menos que os colegas homens". Entre as entrevistadas, apenas 17% do total recebem salários acima de R$ 2,5 mil.

Para Henry Etzkowitz, professor de gestão da inovação da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, a mulher tem trocado a vida acadêmica por outras atividades. Etzkowitz coordena o projeto "As Mulheres na Inovação, Ciência e Tecnologia na Inglaterra", que estuda o comportamento de pesquisadoras e cientistas no setor.

Em visita ao Brasil, o especialista afirma que a necessidade de anos de estudo e a demanda por produção científica batem de frente com o período fértil da mulher. "O sistema caminha no sentido contrário ao relógio biológico feminino", diz. Etzkowitz acredita que exigências como a mudança ou a permanência em uma cidade ou país para a realização de mestrados e doutorados são pontos limitadores da presença da mulher no meio acadêmico.

Para ele, a diminuição da participação feminina na ciência pode estar relacionada com o crescimento da quantidade de mulheres no setor do empreendedorismo inovador. "Elas mostram habilidades como articulação e socialização, que lhes garantem vantagens nesse campo."

Em Belém (PA), a engenheira civil e mestre em engenharia de produção Verônica Nagata não reclama da dupla jornada. Além de ser coordenadora da Rede de Incubadoras de Tecnologia (RITU) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), ensina empreendedorismo e gestão da qualidade para alunos da graduação e pós-graduação da instituição.

Casada, com uma filha, coordena a incubadora desde 2002. Antes, era responsável pela área de engenharia de produção da rede, que tem 11 empresas incubadas e oito em período de pré-incubação- cinco já foram graduadas. A presença feminina fala alto entre os negócios da unidade paraense: 54,5% das empresas também são chefiadas por mulheres.

Entre as companhias supervisionadas por Verônica, a Coopsai desenvolve brinquedos educativos a partir de madeira reaproveitada para crianças de três a 12 anos, enquanto a Mamma Di Mais, especializada em tecnologia de alimentos, cria massas utilizando elementos da culinária amazônica, como o jambu e o açaí.

Em Florianópolis (SC), a coordenadora da incubadora Micro Distrito Industrial de Informática (MIDI), Jamile Marques, já tem uma longa história no centro que dirige. "Em dez anos de atuação da incubadora, já graduamos 41 empresas". Administradora e mestranda em gestão da inovação, Jamile é casada, tem dois filhos e cuida da incubadora desde 2004. Ex-executiva da Kodak, mantém 13 companhias incubadas e vai receber mais duas em breve. "Mais de 90% das empresas graduadas aqui obtiveram sucesso no mercado, um número superior à média nacional dos negócios que passam por incubadoras, que é de 80%", comemora.

É o caso da Pixeon, que deixou o MIDI em 2005. Especializada no desenvolvimento de produtos para o setor hospitalar, criou um sistema que faz o armazenamento, interpretação, distribuição e gerenciamento de exames médicos em formato digital. Segundo Jamile, a Pixeon cresceu mais de 250% em 2007. No último ano, o faturamento da empresa saltou de R$ 550 mil para R$ 1,4 milhão e a previsão para 2008 é chegar a R$ 2,1 milhões.

Para o professor Geraldo Borin, coordenador do curso de empreendedorismo e gestão da PUC-SP, a participação feminina na área da inovação é uma conseqüência natural do avanço da mulher no mercado de trabalho. No curso coordenado por Borin, que já formou 200 alunos em quatro anos, 50% dos diplomados são mulheres e a maioria tem entre 25 e 35 anos.

Segundo ele, para gerenciar uma incubadora, o profissional, independentemente do sexo, deve possuir bom conhecimento sobre negócios, ter vivência em processos administrativos da atividade de incubação, além de conhecer novas tecnologias e a legislação dos segmentos onde irá atuar. "Frente a um empreendimento, as mulheres revelam uma percepção mais intuitiva da viabilidade econômica das empresas, enquanto os homens são inclinados a elaborar planos financeiros mais técnicos."

De acordo com Jamile Marques, da incubadora MIDI, de Santa Catarina, o setor de tecnologia ainda é dominado pelos homens, mas é notório o crescimento da ocupação feminina nas empresas da área, principalmente nos postos gerenciais. "Já temos incubadas em Florianópolis onde as mulheres são a maioria do capital humano", garante a executiva.
(Valor Econômico, 15/12)

Fonte: JC e-mail 3662, de 15 de Dezembro de 2008.

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O tempo longo dos livros

Colunista debate critério usado para avaliar obras e aferir produção intelectual nas ciências humanas.

O que faz de um livro um clássico? Para o escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985), clássico é o “livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (Por que ler os clássicos?, p. 10/11). Mas quem define se um texto já se calou? A resposta óbvia seria: os leitores. Se um livro continua a ser lido – ou se um texto renasce das cinzas, como acontece freqüentemente –, é porque ainda tem o que falar.

Seria bom se a resposta fosse simples assim... Mas, como os leitores só lêem os livros aos quais têm acesso, regras de mercado e políticas governamentais interferem naquilo que alguém lê ou deixa de ler.

Essa reflexão veio à tona por dois motivos: os cinqüenta anos do lançamento de Vassouras: um município brasileiro de café (1850-1900), de Stanley Stein, comemorados em 2007; e a criação do Qualis livro, novo instrumento de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do governo que, entre outras atribuições, avalia os cursos de pós-graduação do país.

Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados para aferir a qualidade da produção intelectual de professores e alunos dos programas de pós-graduação do país. Criado inicialmente para avaliar e classificar os periódicos científicos, o Qualis hoje também passou a ser usado para avaliar livros – demanda antiga, aliás, da área de humanidades, cujos resultados de pesquisas são difundidos, em grande medida, em livros.

A questão é: como se avalia a qualidade acadêmica de um livro? A discussão esquentou um bocado nos últimos encontros do fórum de coordenadores de programas de pós-graduação em história, ligado à Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH). Se o critério de avaliação seguir o mesmo procedimento dos periódicos, dever-se-ia avaliar um livro pelo seu meio de difusão. Ou seja, pela editora que o publica. Seria, no entanto, este um procedimento justo, uma vez que o acesso às editoras não é livre e igual para todos os autores? Para os pesquisadores da área, é consenso que não.

Então, o livro poderia ser avaliado pelo grau de impacto – positivo ou negativo – que gera. Um livro muito citado em sua área é um livro que teve grande impacto. Mas qual é o tempo necessário para um livro circular e ser absorvido em uma área? É possível avaliar o impacto de um livro no mesmo ano, ou no ano posterior, à sua publicação?

A lição de Vassouras

Hoje diversos livros estão sendo inspirados na obra de Stanley Stein, entre eles, As Memórias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império, que conta a história de duas poderosas famílias de cafeicultores do século 19.
Voltemos à comemoração do cinqüentenário da publicação de Vassouras. Estaria ele bem classificado no Qualis livro? A julgar pelos critérios da Capes, não necessariamente. Ou, ao menos, não sempre.

Fruto de trabalho de campo realizado em 1947 pelo historiador norte-americano Stanley Stein, a obra foi defendida como tese de doutorado em 1951 em Harvard e publicada em inglês em 1957. A primeira edição brasileira saiu em 1961.

Como o próprio autor recorda, na época seu interesse era estudar a economia e a sociedade das plantations brasileiras de café. Para isso, escolheu a região de Vassouras, no Vale do Paraíba fluminense, sede de algumas das maiores fazendas cafeeiras do país e destino da maioria dos africanos escravizados trazidos para o Brasil ao longo do século 19.

Na interseção entre história e antropologia, Stein utilizou em sua pesquisa fontes até então praticamente desconhecidas pela historiografia brasileira, de inventários post-mortem, empilhados nos cartórios da região, a jongos e entrevistas com descendentes de escravos, gravados em uma pequena bobina de arame.

Comparado por Silvia Lara, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a uma canela, árvore alta que cresce bem devagar, o livro teve trajetória bem diferente no Brasil e nos Estados Unidos: enquanto lá foi festejado por brazilianistas e especialistas na cultura afro-americana, sendo continuamente reeditado, aqui, depois de um período de sucesso nos anos 1960, quando foi referência nas teses que enfatizavam o caráter violento da escravidão brasileira, foi aos poucos caindo no ostracismo.

Na década de 1970, época que privilegiava estudos mais engajados e debates teóricos mais explícitos, o livro já não causava o mesmo furor. Quer dizer: se fosse avaliado pelo Qualis na década de 1960, quando foi publicado em português, o livro certamente seria bem classificado. Agora, se fosse publicado na década de 1970, o destino de Vassouras seria bem outro. Longe das discussões da moda, o impacto do livro chegava apenas a algumas poucas notas de rodapé.

Moda historiográfica

No livro E o vale era o escravo – Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império, Ricardo Salles revisita Vassouras para estudar a classe senhorial cafeicultora.
Mas esta história não acaba por aqui. Como acontece com freqüência no mundo da alta costura, a moda historiográfica também muda. E mudou muito no final dos anos 1980, com a valorização dos estudos monográficos de áreas cafeeiras, principalmente aqueles que utilizavam documentos de maneira inovadora e criativa, como Vassouras.

Foi a partir de então que o livro voltou a ganhar a preeminência que tinha mais de vinte anos antes. Hoje, quem diria, o livro voltou a povoar a bibliografia dos cursos de história do país, influenciando novas e novíssimas gerações de historiadores. Que o digam os três livros e o filme lançados entre 2007 e 2008 e inspirados, de diferentes maneiras, no texto de Stein.

Em As Memórias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império (Jorge Zahar, 2008), Mariana Muaze conta a história da vida privada das famílias Ribeiro de Avellar e Velho da Silva, que vieram a constituir, no século 19, o núcleo familiar cafeeiro mais poderoso da região de Paty do Alferes, vizinha a Vassouras.

Dialogando freqüentemente com o texto de Stein, Mariana é igualmente inventiva na escolha e no tratamento de suas fontes, que incluem diários, cartas, fotografias e até plantas das fazendas de café. Não é à toa que seu livro, originalmente tese de doutorado defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF), ganhou dois prêmios: a Menção Honrosa do Prêmio Jorge Zahar deste ano e o Concurso de Monografias 2007 do Arquivo Nacional.

Diálogo ainda mais intenso é o estabelecido por Ricardo Salles em seu mais recente livro, E o vale era o escravo – Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império (Civilização Brasileira, 2008). Utilizando como fontes principais os mesmos inventários lidos por Stein cinqüenta anos antes, só que, desta vez, classificando-os em um grande banco de dados hoje disponível para consulta pública na internet, Salles revisitou Vassouras para estudar a classe senhorial cafeicultora, suas relações com a crise política da escravidão brasileira e as relações entre senhores e escravos na região.

O livro Memória do Jongo: as gravações históricas de Stanley J. Stein – Vassouras, 1949 fala sobre a importância das entrevistas com ex-escravos e das gravações de canções e pontos de jongo para o estudo da história e da cultura afro-brasileiras.
Por fim, em Memória do Jongo: as gravações históricas de Stanley J. Stein – Vassouras, 1949, organizado por Silvia Lara e Gustavo Pacheco (Folha Seca/ Cecult, 2007), historiadores e antropólogos, incluindo o próprio Stein, discorrem sobre a centralidade das entrevistas com ex-escravos e das gravações de canções e pontos de jongo para o estudo do que hoje veio a ser chamado de história e cultura afro-brasileira. O livro vem acompanhado de um pequeno tesouro: um CD com as próprias gravações de Stein, que por décadas ficaram guardadas em seu escritório e que pareciam não poder ser recuperadas.

As mesmas canções que inspiraram a recuperação das antigas gravações fizeram com que as historiadoras Hebe Mattos e Martha Abreu colocassem o pé na estrada, em busca dos descendentes de escravos de várias regiões do Vale do Paraíba. Queriam saber se, ainda hoje, eles se lembravam dos pontos de jongo cantados por seus pais, avós e bisavós, e o que guardavam, na memória, dos tempos da escravidão vividos por seus antepassados. O resultado da pesquisa está no DVD Jongos, Calangos e Folias: música negra, memória e poesia e na página virtual de mesmo nome.

Alguém duvida que Vassouras é um livro que não tem ponto final? O texto é o mesmo desde 1957; os leitores é que mudaram. É desejável que seja assim. Talvez o principal risco da proposta de avaliação de livros da Capes seja a possibilidade de interferência em sua trajetória futura. Voltando ao velho e bom Calvino: se o tempo das humanidades é o dos “tempos longos”, que tal considerá-lo, o tempo também, como critério de avaliação?

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
12/12/2008

Fonte: Ciência Hoje On-line, 12/12/2008.

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