02 novembro 2008

C&T, Inovação e Inclusão Social na Amazônia do Século XXI

Atigo de Vera Maria F. de Almeida e Val, Sergio Ricardo Nozawa, Maria Teresa Fernandez Piedade e Adalberto Luis Val.


“Exclusão social e iniqüidades estruturais são normalmente ignoradas quando se planejam mudanças no processo tecnológico e de inovação. Ignorar esses fatores quando da produção e distribuição de novos conhecimentos e artefatos resulta em desenvolvimento desigual”

Vera Val é pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa); Sergio Nozawa é professor do Centro Universitário Nilton Lins, em Manaus; Maria Teresa é coordenadora da cooperação Brasil-Alemanha entre o Inpa e a Sociedade Max-Planck, da Alemanha; e Adalberto Val é diretor do Inpa. Artigo escrito para o “Jornal da Ciência”:

Mecanismos que permitam uma mudança no status do conhecimento e do desenvolvimento científico e tecnológico na Amazônia requerem uma visão moderna de inclusão social que fuja da abordagem "simplória".

Esta abordagem, por via de regra, se restringe à busca da diminuição das desigualdades sociais por meio de mecanismos de redistribuição de renda que acabam resultando em políticas "assistencialistas e populistas", as quais não geram possibilidades amplas de melhoria na qualidade de vida do brasileiro.

Tais políticas tampouco permitem que o ser humano possa ter acesso ao conhecimento que lhe trará livre arbítrio sobre sua vida, saúde, lazer, nível de aprendizagem, dentre tantas outras escolhas que lhe são possíveis quando é tratado com igualdade.

Gerar informações que subsidiem avanços biotecnológicos (ou tecnológicos) altamente inovadores e sofisticados é mister para o avanço de uma sociedade. Novas tecnologias, novas abordagens para o estudo da adaptação dos organismos aos seus ambientes e às variações ambientais são novas maneiras de tratar os problemas de mudanças antrópicas sobre os ecossistemas em geral e conservar sua diversidade.

Além de ser uma fonte de saberes e suporte para novas ações, que servirão de base para avanços posteriores, tais tecnlogias podem e devem refletir em melhorias no bem-estar dos brasileiros de uma maneira geral e dos amazônidas em particular. Treinamento e capacitação de pessoas é fundamental para torná-las aptas a lidar com tais inovações.

A integração entre informações biológicas de todos os gêneros (genéticas, fisiológicas, fenotípicas e ambientais) é crucial para subsidiar tomadores de decisão. A decisão para conservação do meio ambiente e das espécies que nele vivem não pode ignorar os fatores sócio-econômicos locais, tanto sob a ótica do bem-estar social como sob a ótica do desenvolvimento econômico.

Há milênios o homem vem explorando o meio ambiente em que vive sem considerar este aspecto, o que tem resultado em degradação ambiental. Após toda a exploração ocorrida e após o uso indiscriminado do meio ambiente pelo homem, restou para a Amazônia, ou melhor, para a sociedade brasileira e, em particular, para a amazônida, salvaguardar um dos últimos ecossistemas praticamente intocados do mundo.

O ônus de desenvolver ("inventar") mecanismos sustentáveis de crescimento social e econômico, mantendo um ambiente saudável para gerações futuras, é agora o principal desafio da sociedade e do governo locais. Saliente-se, adicionalmente, que não há modelo a copiar, pois não há no mundo nenhum país desenvolvido que tenha mantido a qualidade original de seus biomas naturais.

Ao estimular avanços em biotecnologia no Norte do Brasil, estamos promovendo oportunidades a uma região relativamente carente em investimentos socioeconômicos, mas que, por outro lado, representa uma das principais agendas ambientais e biológicas do país e, talvez, do planeta.

Exclusão social e iniqüidades estruturais são normalmente ignoradas quando se planejam mudanças no processo tecnológico e de inovação. Ignorar esses fatores quando da produção e distribuição de novos conhecimentos e artefatos resulta em desenvolvimento desigual.

As desigualdades acabam, pois, reforçadas por processos de exclusão tecnológica, tais como a exclusão digital e o acesso desigual a produtos de proteção à saúde (remédios e tratamentos), geralmente caros. Além disso, a produção, a distribuição e a geração de conhecimentos podem também causar desigualdades sociais quanto ao acesso a bens e serviços.

Uso do conhecimento

O desafio deste milênio é reverter o mo-do como são governadas a produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico, ou seja, como mudar a relação entre a pesquisa pública e privada e entre as atividades de disciplinas e setores estabelecidos e emergentes; como aplicar os direitos de propriedade e outros meios de manejar o conhecimento e controlar a informação, além de estabelecer relações entre diferentes tipos de agências reguladoras, algumas muito arcaicas para o momento atual.

A produção de conhecimento e a desigualdade no acesso pessoal às informações implicam, em muitos casos, em assimetrias na privacidade e liberdade civis, pois se pode restringir ou coibir esse acesso a setores diversos da sociedade ou a diferentes classes sociais, tornando vulneráveis estruturas socioeconômicas e os ambientes às quais pertencem.

A representação científica do conhecimento e da prática tecnológica que é traduzida no discurso popular e na mídia irá refletir a auto-imagem dos grupos que recebem a informação e isso implica a credibilidade e a "expertise" de vários tipos, como, por exemplo, a influência nas escolhas vocacionais que "refletem" o status social das profissões.

Efeitos da mídia e da indústria podem gerar "heróis ou vilões" tecnológicos, sucessos e fracassos nos mercados financeiros, nas estratégias de manejo e nas orientações políticas do uso de artefatos. O que não poderia ocorrer e ocorre é que o conhecimento é visto hoje como símbolo de status social.

Na era da genômica as preocupações acima listadas são cada vez mais persistentes e devem ser consideradas em qualquer ação e proposta em ciência e tecnologia.

Portanto, qualquer programa de pesquisa e desenvolvimento deve adotar uma série de precauções tais como: (i) Ação ou Pesquisa de ação, que busque ganhar o entendimento sociocientífico durante o engajamento no esforço do alcance da mudança científica que quer desenvolver; (ii) Abordagem baseada em "estudos de casos", ou seja, centrar-se em métodos práticos voltados a problemas já detectados no ambiente, na sociedade ou na economia; (iii) Realização das análises comparativas não somente entre regiões e países, mas também cronológicas, nas quais se obtenham informações em séries históricas que auxiliem as tomadas de decisões futuras baseadas em dados pretéritos (isso é muito importante no caso de mudanças globalizadas); (iv) Programação de esforços com acurada orientação e conceitos, objetivando uniformização e aprimoramento de indicadores, estatísticas e medidas para estudos posteriores e acompanhamento, bem como análises financeiras.

Segundo estudo encomendado pelo Economic and Social Research Council (ESCR), dos Estados Unidos, as prioridades temáticas nos estudos que envolvem a área de genômica e outras áreas afins, tais como transcriptômica e proteômica devem visar melhorar: o desempenho econômico e o desenvolvimento de um país, região ou estado; o comportamento humano e o respeito ao meio ambiente; a governança e a cidadania; o conhecimento, a comunicação e a aprendizagem; a longevidade, a qualidade de vida e a saúde; a estabilidade social e a inclusão; e o trabalho e a organização.

Formação de pessoal

Para atender essas prioridades, algumas premissas são importantes para que qualquer ação em Ciência, Tecnologia e Inovação atinja o devido sucesso. Como qualquer projeto na área da genômica, transcriptômica e proteômica opera na fronteira do conhecimento e utiliza-se de ferramentas que podem levar ao estabelecimento de novos paradigmas para o estudo de seres vivos em geral, ao pensarmos em inovação do conhecimento é imperativo tornar as pessoas capazes de compreender, analisar, sintetizar, interpretar e produzir esses novos saberes e conhecimentos.

E, exatamente por se tratar de novas formas de se lidar com o estudo dos seres vivos, o treinamento de pessoal se faz tão necessário que o direcionamento de recursos para geração e capacitação de mão-de-obra que tenha condições de produzir, interpretar e utilizar as informações geradas é imperativo em qualquer proposta de P&D, seja para o setor privado, seja para o setor público, seja para o terceiro setor.

Uma ação de P&D deve incluir a identificação das questões que combinem desenvolvimento científico, tecnológico, inovador e socioambiental.

A criação de programas, centros e redes de pesquisas deve poder contar com "massa crítica" suficiente para consolidação da nova área de investigação e treinamento. Programas de treinamento em todos os níveis são prioritários, no estabelecimento de elos sociais e econômicos.

Ainda, abordagens interdisciplinares e multidisciplinares, com oportunidades para compartilhamento de pesquisa e formação, valendo-se das ciências sociais e às engenharias não podem faltar a uma sociedade que pretende desenvolvimento sustentável. Oportunidades de treinamento cruzado e ligações com seus usuários e stakeholders (potenciais beneficiários dos resultados e ações do projeto) são fundamentais ainda no planejamento da ação.

Reconhece-se, ainda, que para uma ação deste tipo ser bem-sucedida, é preciso estabelecer indicadores de resultados. De acordo com alguns modelos de políticas públicas, os indicadores de resultados são medidas cujos valores fornecem uma informação incompleta, mas útil, sobre um fenômeno que se busca aprender. Para compreender uma situação complexa, é necessário utilizar diversos indicadores que podem ser de natureza quantitativa ou qualitativa.

Os dois tipos devem ser utilizados para uma avaliação completa: informações quantitativas são mais fáceis de coletar do que as qualitativas. Mas a qualificação é muito importante e constitui-se na informação de maior confiança. Cada ação gera seus próprios indicadores que podem ser técnicos, econômicos, organizacionais ou informativos, delimitadores e classificadores.

Para atender à nova ordem da Inclusão Social, qualquer ação em Ciência, Tecnologia e Inovação precisa englobar todos esses indicadores e se enquadrar nas propostas sugeridas internacionalmente para que se eleve o patamar de conhecimento e desenvolvimento de uma sociedade à era da tecnologia genômica e seus avanços. Treinamento e capacitação são palavras-chave que não devem ser ignoradas, assim como o aprendizado com outros setores da sociedade que já prosperam no caminho da inclusão social com respeito ao meio ambiente e sucesso sócioeconômico.

A diversidade biológica existente na Amazônia, intimamente ligada a um conjunto de habitats igualmente diverso, constitui uma ferramenta única para a inclusão social. Não há consenso sobre o tamanho dessa biodiversidade e as estimativas para sua valoração carecem de uma base sólida. Isso decorre, fundamentalmente, da abordagem a que temos nos dedicado.

Basta visitarmos qualquer museu no exterior ou qualquer coleção biológica no Brasil que nos depararemos com um esforço hercúleo em coletar espécimes da flora e da fauna, identificá-los, assinalar onde ocorrem e mostrar suas cores e suas formas. Ainda que essa seja uma ação relevante e reconhecidamente importante, é uma forma reducionista de tratar a biodiversidade da região Amazônica.

A diversidade da Amazônia está potencializada infinitamente não nas cores e nas formas, mas na função de cada organismo, nas suas respostas a cada desafio ambiental, quer sejam naturais, quer sejam de origem antrópica. Trata-se de uma condição aparentemente paradoxal, já que essa amplificação está calcada na unicidade do código genético.

Com o advento da Biologia Molecular, aprendemos que essa aparente unicidade pode manifestar-se de infinitas formas, por meio de infinitos processos de regulação gênica, e esconde infinitas oportunidades face ao mundo de desafios que vive a humanidade.

Assim, é importante finalizar propondo mudanças no olhar que se volta à Amazônia e suas riquezas naturais. Não há como isolá-la do homem que nela vive, nem dos anseios de desenvolvimento econômico-industrial, tampouco isolá-la do contexto brasileiro considerando-a apenas como uma paisagem (ou um conjunto de ecossistemas – como queiram) a ser preservada.

Novas abordagens para conservar sua biodiversidade, fazendo uso do que ela pode oferecer, sem degradar o meio ambiente e trazendo benefícios às sociedades que ela engloba, é a principal tarefa deste milênio. Tarefa esta que só poderá ser alcançada com uma nova perspectiva de inclusão social.

Nota dos autores: Este artigo é parte do Projeto Adapta, proposto no edital Institutos Nacionais MCT/CNPq, e reflete a filosofia de Inclusão Social na qual a proposta se baseou.

Nota da redação: O artigo foi originalmente publicado no “Jornal da Ciência”, que tem conteúdo exclusivo. Informações sobre como assinar a edição impressa pelo fone (21) 2295-6198 ou e-mail jciencia@alternex.com.br.

Fonte: JC e-mail 3632, de 31 de Outubro de 2008.

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