Museus precisam “sair de seus muros”
"Como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu?", questiona Alfredo Tomalsquim
Em entrevista ao “Gestão C&T”, Alfredo Tolmasquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), fala da importância de divulgar a ciência e tecnologia e ressalta o papel importante da Semana Nacional de C&T como evento mobilizador.
Tolmasquim também enfatiza a necessidade de os museus conseguirem sair de seus muros. "Como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu?", questiona.
Leia a íntegra da entrevista:
- A Semana de C&T terminou no dia 26. O Mast é uma instituição que constantemente realiza ações em prol da divulgação da ciência, fale um pouco desta tarefa em difundir o conhecimento científico e tecnológico dentro e fora da Semana de C&T.
A cultura científica é, nos dias de hoje, tanto uma necessidade do país, que necessita ter uma população cientificamente letrada para enfrentar os desafios de um mundo globalizado e altamente competitivo, como para a inclusão social e a ampliação da cidadania. Grande parte dos assuntos que envolvem toda a sociedade e o próprio futuro do planeta está vinculada a questões científicas e tecnológicas, como lixo atômico, fontes renováveis de energia, aquecimento global, pesquisa com células-troncos e muitas outras. Não se pode mais falar em participação social da população sem uma cultura científica que a permita ter suas próprias conclusões. Nesse sentido, a Semana de C&T tem um papel importante como evento mobilizador, no sentido de aproximar a população da ciência e tecnologia e, também, aproximar os cientistas e nossas instituições científicas da população.
- No Brasil, os museus ainda são locais de acesso "elitizado". Como o senhor acha que esta realidade pode mudar? Que ações são necessárias para, de fato, aproximar a população desses ambientes?
Essa questão é muito complicada: como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu? Há um aspecto de auto-estima, em que muitas pessoas acham que não estão à altura daquele lugar. É importante que os museus consigam sair de seus muros e ir até a população, convidá-los a entrar. Da mesma forma que em muitas cidades, em períodos diferentes, levou-se a música clássica aos grandes parques, os museus precisam trabalhar no mesmo sentido. Claro que há o problema da segurança do acervo, que deve ser levado em consideração. O Mast tem uma experiência muito interessante nesse sentido. Nós alugamos ônibus e, com o auxílio de ONGs, levamos grupos de comunidades de baixa renda para visitar o Mast. Na maioria dos casos, é a primeira vez que eles entram num museu e começam a descobrir que esse universo também lhes pertence.
- Há no atual governo federal ações voltadas à criação de museus, foi lançado, por exemplo, edital pelo Iphan apoiando a criação de museus em locais que ainda não possuem. Como o senhor avalia esse apoio governamental?
Muitas vezes se pensa que os museus têm que ser grandiosos e funcionar em grandes palacetes. É importante também estimular a criação de pequenos museus locais, que preservem elementos que ajudam a retratar a história de uma certa comunidade, de um saber local, ou de um grupo social específico. Há uma riqueza cultural espalhada por todo o Brasil que precisa ser conservada, estudada e disseminada. O MinC tem feito uma papel fabuloso nesse sentido, mas é importante conseguir envolver também as empresas, não só as grandes financiadoras como Petrobras ou BNDES, mas a também o pequeno empresário local.
- Que ações do Mast o senhor destacaria como atividades essenciais para que o museu exerça, de fato, o seu papel dentro do Sistema Nacional de C&T?
O Mast, enquanto instituto de pesquisa do MCT, tem o objetivo de preservar a memória científica e tecnológica nacional. Isso implica basicamente na conservação de acervos de C&T, no estudo da história da ciência no Brasil e na disseminação desse conhecimento para a sociedade. É significativo que o MCT, enquanto instância formuladora e financiadora da pesquisa científica e tecnológica, tenha também a preocupação com a memória e a história de C&T. Nesse sentido, além dos acervos de cientistas e instituições científicas sob a guarda do Mast, temos desenvolvido parcerias com inúmeras instituições e associações científicas na preservação de seus acervos históricos. Além disso, em março de 2009, terá início o curso de especialização em preservação de acervos de ciência e tecnologia, justamente para capacitar as instituições de pesquisa em nosso país na preservação de seus acervos.
- O museu realiza exposições itinerantes. Como funcionam? Há dados, números que mostrem os locais pelo qual o museu tenha passado? Quantas pessoas atingiu etc.?
Nossa experiência com as exposições itinerantes tem sido muito positiva. Temos conseguido montar exposições em cidades com pouca oferta em termos de divulgação de ciências. Por exemplo, a exposição itinerante "Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", inaugurada no último mês de outubro, na Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte, em Mossoró (Rio Grande do Norte), só na primeira semana recebeu mais de 1 mil visitantes. Os projetos das exposições temporárias do Mast sempre são elaborados de forma a que essas exposições possam ser transportadas e montadas em outros locais. Em nosso site (http://www.mast.br), há informações sobre as exposições itinerantes disponíveis. A instituição que deseja requerer o empréstimo das exposições deve entrar em contato com o Serviço de Produção Técnica do Mast e informar o local (com total de área disponível para montagem da exposição) e o período para a apresentação da exposição. Somando todas as exposições itinerantes do Mast ("Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", "Einstein e a América Latina", "Passo a passo, salto a salto, vôo a vôo: o cientista Santos-Dumont", "Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos do Brasil" e "Luiz Cruls; um cientista a serviço do Brasil"), o número total de visitantes é de aproximadamente 10 mil pessoas.
- No último dia 23, foi publicada uma portaria interministerial (Ministério da Cultura e Ministério da C&T) voltada para uma cooperação técnica na formulação de políticas de integração entre as atividades desenvolvidas pelos ministérios e entre o Plano Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PAC da C&T). Como o senhor vê essa parceria e que ações poderiam ser desenvolvidas por meio dela?
Essa cooperação vem em boa hora e considero que ela se dará em dois sentidos. O primeiro é relacionado ao papel que a ciência e tecnologia desempenham atualmente em todas as áreas culturais, como a restauração de acervos históricos, identificação de falsificações de obras de arte, operacionalização e disseminação da internet, TV em alta definição, e muito mais. Isso se faz ainda mais importante num momento em que se pretende ampliar o acesso da população às diversas formas de expressão cultural. Um outro aspecto, não menos importante, é a compreensão da ciência e da tecnologia como parte intrínseca da cultura. A ciência e tecnologia tanto são fruto da época e da visão de mundo em que são produzidas, como ajudam a moldar a concepção de mundo da sociedade. Precisamos entender que a ciência não é apenas um agregador de valor no processo produtivo, mas, ao mesmo tempo, fruto e gerador do processo cultural. Junto com a tríade ciência, inovação e mercado, temos que valorizar também a relação ciência, educação e cultura.
- O Mast é associado à Abipti desde 2005, como avalia a atuação da associação?
A Abipti tem desempenhado um papel muito importante na articulação das instituições de pesquisa e é parceira do Mast no projeto de construção de parques da ciência em cidades brasileiras. Isso mostra uma abertura e um interesse da Abipti para a questão da disseminação do conhecimento científico na sociedade. Creio que o grande empecilho, hoje, no Brasil, para se fazer ciência e tecnologia é a estrutura legal, tanto no sentido das licenças junto aos diversos órgãos de proteção, como as normas de gerenciamento no serviço público. Fazemos um esforço "sobre-humano" para conseguir gerenciar os recursos e as instituições dentro da atual estrutura jurídica para o serviço público no Brasil. Creio que um papel fundamental que a Abipti pode desempenhar também é ajudar a rever a atual legislação, propiciando que as instituições brasileiras possam participar do processo competitivo que envolve a ciência e a tecnologia em todo o mundo.
(Gestão C&T online)
Fonte: JC e-mail 3632, de 31 de Outubro de 2008.
Em entrevista ao “Gestão C&T”, Alfredo Tolmasquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), fala da importância de divulgar a ciência e tecnologia e ressalta o papel importante da Semana Nacional de C&T como evento mobilizador.
Tolmasquim também enfatiza a necessidade de os museus conseguirem sair de seus muros. "Como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu?", questiona.
Leia a íntegra da entrevista:
- A Semana de C&T terminou no dia 26. O Mast é uma instituição que constantemente realiza ações em prol da divulgação da ciência, fale um pouco desta tarefa em difundir o conhecimento científico e tecnológico dentro e fora da Semana de C&T.
A cultura científica é, nos dias de hoje, tanto uma necessidade do país, que necessita ter uma população cientificamente letrada para enfrentar os desafios de um mundo globalizado e altamente competitivo, como para a inclusão social e a ampliação da cidadania. Grande parte dos assuntos que envolvem toda a sociedade e o próprio futuro do planeta está vinculada a questões científicas e tecnológicas, como lixo atômico, fontes renováveis de energia, aquecimento global, pesquisa com células-troncos e muitas outras. Não se pode mais falar em participação social da população sem uma cultura científica que a permita ter suas próprias conclusões. Nesse sentido, a Semana de C&T tem um papel importante como evento mobilizador, no sentido de aproximar a população da ciência e tecnologia e, também, aproximar os cientistas e nossas instituições científicas da população.
- No Brasil, os museus ainda são locais de acesso "elitizado". Como o senhor acha que esta realidade pode mudar? Que ações são necessárias para, de fato, aproximar a população desses ambientes?
Essa questão é muito complicada: como fazer com que o pipoqueiro ou o guardador de carros que trabalha na porta do museu entre no museu? Há um aspecto de auto-estima, em que muitas pessoas acham que não estão à altura daquele lugar. É importante que os museus consigam sair de seus muros e ir até a população, convidá-los a entrar. Da mesma forma que em muitas cidades, em períodos diferentes, levou-se a música clássica aos grandes parques, os museus precisam trabalhar no mesmo sentido. Claro que há o problema da segurança do acervo, que deve ser levado em consideração. O Mast tem uma experiência muito interessante nesse sentido. Nós alugamos ônibus e, com o auxílio de ONGs, levamos grupos de comunidades de baixa renda para visitar o Mast. Na maioria dos casos, é a primeira vez que eles entram num museu e começam a descobrir que esse universo também lhes pertence.
- Há no atual governo federal ações voltadas à criação de museus, foi lançado, por exemplo, edital pelo Iphan apoiando a criação de museus em locais que ainda não possuem. Como o senhor avalia esse apoio governamental?
Muitas vezes se pensa que os museus têm que ser grandiosos e funcionar em grandes palacetes. É importante também estimular a criação de pequenos museus locais, que preservem elementos que ajudam a retratar a história de uma certa comunidade, de um saber local, ou de um grupo social específico. Há uma riqueza cultural espalhada por todo o Brasil que precisa ser conservada, estudada e disseminada. O MinC tem feito uma papel fabuloso nesse sentido, mas é importante conseguir envolver também as empresas, não só as grandes financiadoras como Petrobras ou BNDES, mas a também o pequeno empresário local.
- Que ações do Mast o senhor destacaria como atividades essenciais para que o museu exerça, de fato, o seu papel dentro do Sistema Nacional de C&T?
O Mast, enquanto instituto de pesquisa do MCT, tem o objetivo de preservar a memória científica e tecnológica nacional. Isso implica basicamente na conservação de acervos de C&T, no estudo da história da ciência no Brasil e na disseminação desse conhecimento para a sociedade. É significativo que o MCT, enquanto instância formuladora e financiadora da pesquisa científica e tecnológica, tenha também a preocupação com a memória e a história de C&T. Nesse sentido, além dos acervos de cientistas e instituições científicas sob a guarda do Mast, temos desenvolvido parcerias com inúmeras instituições e associações científicas na preservação de seus acervos históricos. Além disso, em março de 2009, terá início o curso de especialização em preservação de acervos de ciência e tecnologia, justamente para capacitar as instituições de pesquisa em nosso país na preservação de seus acervos.
- O museu realiza exposições itinerantes. Como funcionam? Há dados, números que mostrem os locais pelo qual o museu tenha passado? Quantas pessoas atingiu etc.?
Nossa experiência com as exposições itinerantes tem sido muito positiva. Temos conseguido montar exposições em cidades com pouca oferta em termos de divulgação de ciências. Por exemplo, a exposição itinerante "Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", inaugurada no último mês de outubro, na Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte, em Mossoró (Rio Grande do Norte), só na primeira semana recebeu mais de 1 mil visitantes. Os projetos das exposições temporárias do Mast sempre são elaborados de forma a que essas exposições possam ser transportadas e montadas em outros locais. Em nosso site (http://www.mast.br), há informações sobre as exposições itinerantes disponíveis. A instituição que deseja requerer o empréstimo das exposições deve entrar em contato com o Serviço de Produção Técnica do Mast e informar o local (com total de área disponível para montagem da exposição) e o período para a apresentação da exposição. Somando todas as exposições itinerantes do Mast ("Leonardo da Vinci: Maravilhas Mecânicas", "Einstein e a América Latina", "Passo a passo, salto a salto, vôo a vôo: o cientista Santos-Dumont", "Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos do Brasil" e "Luiz Cruls; um cientista a serviço do Brasil"), o número total de visitantes é de aproximadamente 10 mil pessoas.
- No último dia 23, foi publicada uma portaria interministerial (Ministério da Cultura e Ministério da C&T) voltada para uma cooperação técnica na formulação de políticas de integração entre as atividades desenvolvidas pelos ministérios e entre o Plano Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PAC da C&T). Como o senhor vê essa parceria e que ações poderiam ser desenvolvidas por meio dela?
Essa cooperação vem em boa hora e considero que ela se dará em dois sentidos. O primeiro é relacionado ao papel que a ciência e tecnologia desempenham atualmente em todas as áreas culturais, como a restauração de acervos históricos, identificação de falsificações de obras de arte, operacionalização e disseminação da internet, TV em alta definição, e muito mais. Isso se faz ainda mais importante num momento em que se pretende ampliar o acesso da população às diversas formas de expressão cultural. Um outro aspecto, não menos importante, é a compreensão da ciência e da tecnologia como parte intrínseca da cultura. A ciência e tecnologia tanto são fruto da época e da visão de mundo em que são produzidas, como ajudam a moldar a concepção de mundo da sociedade. Precisamos entender que a ciência não é apenas um agregador de valor no processo produtivo, mas, ao mesmo tempo, fruto e gerador do processo cultural. Junto com a tríade ciência, inovação e mercado, temos que valorizar também a relação ciência, educação e cultura.
- O Mast é associado à Abipti desde 2005, como avalia a atuação da associação?
A Abipti tem desempenhado um papel muito importante na articulação das instituições de pesquisa e é parceira do Mast no projeto de construção de parques da ciência em cidades brasileiras. Isso mostra uma abertura e um interesse da Abipti para a questão da disseminação do conhecimento científico na sociedade. Creio que o grande empecilho, hoje, no Brasil, para se fazer ciência e tecnologia é a estrutura legal, tanto no sentido das licenças junto aos diversos órgãos de proteção, como as normas de gerenciamento no serviço público. Fazemos um esforço "sobre-humano" para conseguir gerenciar os recursos e as instituições dentro da atual estrutura jurídica para o serviço público no Brasil. Creio que um papel fundamental que a Abipti pode desempenhar também é ajudar a rever a atual legislação, propiciando que as instituições brasileiras possam participar do processo competitivo que envolve a ciência e a tecnologia em todo o mundo.
(Gestão C&T online)
Fonte: JC e-mail 3632, de 31 de Outubro de 2008.
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