02 dezembro 2008

Políticas de CT&I: heranças do passado e tendências atuais

Em 4º encontro CTS, pesquisadora identifica caminhos seguidos atualmente pelas políticas científicas no Brasil.

Os comitês gestores da ciência e tecnologia no Brasil seguem, em geral, três principais lógicas, na visão da pesquisadora Maíra Baumgarten, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): uma delas é a lógica “excelentista”, em que opinam grupos hegemônicos da comunidade científica; outra atende a interesses de “competitividade”; e a terceira segue a tendência “assistencial”.

Maíra apresentou em Porto Alegre dados da sua pesquisa “Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil contemporâneo”, durante a 4ª reunião Ciência, Tecnologia e Sociedade, na mesa-redonda que contou com a presença de Wrana Panizzi, vice-presidente do CNPq, e de Silvina Bidart, do programa de cooperação bilateral do ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina.

Segundo Maíra, a política para o setor de CT&I caminha em duas direções. Uma delas ainda está vinculada às visões predominantes no século passado, fundadas na perspectiva “excelentista produtivista”, que une a tendência de copiar modelos de países centrais com a idéia de excelência científica, que para a pesquisadora reforça a oligopolização de oportunidades e recursos por parte de alguns grupos específicos e instituições.

“O resultado dessas ações é a permanência das disparidades regionais e intra-regionais, a precariedade das universidades públicas e a formação de mais doutores sem lhes possibilitar, no entanto, o acesso aos recursos e ao mercado de trabalho”, apontou Maíra. Ela frisou ainda que esse sistema mantém o conhecimento encerrado dentro das universidades e valoriza a publicação no exterior. “Devíamos valorizar mais as publicações nacionais”, contestou.

A outra direção da política de CT&I no Brasil é mais recente e visa à estruturação de políticas que contemplem o investimento nas competências educacionais, científicas e tecnológicas próprias do país, a partir de um olhar adequado às especificidades nacionais. Essa direção leva em conta a identidade histórico-cultural para definir as estratégias a serem adotadas.

Segundo a pesquisadora, há alguns esboços de políticas e ações com essas características: apoio ao desenvolvimento de tecnologias sociais, apoio à divulgação de C&T, editais por temas que trabalham com problemas locais e potencialidades regionais.

No entanto, segundo Maíra, na composição dos comitês gestores persistem as lógicas de excelência e competitividade próprias das áreas “hard” e com perspectiva econômica. Para a pesquisadora, há grandes dificuldades de formar comitês gestores realmente transdisciplinares, possibilitando a avaliação de projetos que integrem saberes e viabilizem soluções para as complexas questões sociais do Brasil.

A pesquisadora apontou ainda a limitada inclusão das ciências sociais e humanas nos projetos atendidos pelos editais. E criticou a lógica assistencial, também identificada nos comitês de C&T, em que os gestores públicos buscam, muitas vezes, resolver carências e demandas de inclusão social de forma simples e rápida sem mudanças significativas nas estruturas de educação e produção.

Ela defende, entre outros pontos, o estabelecimento de avaliações dos efeitos sociais das pesquisas como importante ferramenta de gestão da CT&I e elemento central de legitimação, junto à sociedade, da alocação de recursos para as atividades de pesquisa científica e tecnológica.

Debate

No espaço reservado à discussão, após apresentação de Maíra Baumgarten, o pesquisador Roberto Dagnino, da Universidade de Campinas (Unicamp), criticou de forma veemente o fato de apenas 2% da verba do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação serem destinados a movimentos sociais, enquanto cerca de 40% dos recursos estão dirigidos a empresas, para aplicarem em projetos de pesquisa em inovação. Para Dagnino, os movimentos sociais deveriam ser incluídos nas políticas científicas do Brasil como um novo e importante ator.

Maíra Baumgarten também manifestou receio sobre o volume de recursos destinados a empresas. “A questão de se incorporar a competitividade à ciência é importante, mas adianta destinar recursos a fundo perdido nas empresas? Não seria melhor conscientizá-las de que elas próprias deveriam aportar esse dinheiro?”, questionou.

Também presente à reunião, representando o Ministério da Ciência e Tecnologia, estava o chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais, José Monserrat Filho, que concordou com a necessidade de estimular as empresas a investirem recursos próprios em pesquisa. “Mas isso é uma luta, e vem de um esforço muito recente, que começou a surgir há apenas 20 anos”, argumentou.

O chefe da Assessoria salientou que os recursos somente são destinados a empresas cujos projetos já foram avaliados e aprovados. Defendeu também que, quando o governo apóia uma empresa, está considerando que isso vai gerar empregos futuramente e que, dessa forma, o investimento será revertido para a sociedade. Monserrat argumentou ainda que os 2% a que se referiu Dagnino são uma conquista recente, o que demonstra que o governo está caminhando numa nova direção.

Wrana Panizzi, vice-presidente do CNPq, defendeu que essas discussões deveriam ser feitas dentro dos organismos de financiamento do Governo, como o próprio CNPq. “Estes órgãos estão muito burocratizados. É preciso discutir internamente a razão de se investir numa área e não em outra”, afirmou Wrana.

Para Maíra, é necessário ainda debater melhor o próprio conceito de excelência científica. “Por que é tão difícil reconhecer como excelente uma atividade de divulgação científica?”, questionou.
(Marina Ramalho)

Fonte: JC e-mail 3652, de 01 de Dezembro de 2008.

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