03 dezembro 2008

Prioridades para bolsas no exterior e para a pesquisa

Artigo de Simon Schwartzman.

"O Brasil investe muito pouco dinheiro em ciência e tecnologia".

Simon Schwartzman é sociólogo, ex-presidente do IBGE e integra atualmente o Conselho de Administração do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets). Artigo publicado no “Globo On-line”:

Apesar da infelicidade dos comentários recentes do presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) sobre as ciências econômicas ("vamos continuar mandando alunos para formar doutores num modelo que faliu o mundo?"), ele tem razão em pensar que é preciso estabelecer prioridades e decidir como usar melhor os recursos públicos.

Uma bolsa de doutorado pode custar 200 mil dólares, não podem existir muitas, e é preciso ser muito criterioso na sua distribuição. Isto não somente em relação à qualidade dos candidatos, a seus planos de trabalho e às universidades para onde pretendem ir, mas também em relação à expectativa futura de sua inserção no país e à possível contribuição de sua linha de trabalho, seja para a educação superior, seja para o desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia no país.

Quando, tempos atrás, eu disse numa entrevista que precisaríamos pensar se devemos ou não dar prioridade à física de partículas nos investimentos de pesquisa, deixando muitos físicos indignados, eu estava expressando a mesma preocupação (eu não afirmei nada, no entanto, nem poderia, sobre o valor intrínseco desta área de conhecimento, nem estava decidindo nada).

O governo federal, por meio da Capes e do CNPq, vem reduzindo sistematicamente as bolsas de estudo para o exterior, que estão sendo substituídas pelas chamadas "bolsas-sanduíche", em que os estudantes brasileiros passam um tempo fora, mas voltam para defender suas teses aqui. A idéia de fortalecer os programas de doutorado no Brasil é importante, mas existe também o risco de manter o país fechado para o resto do mundo.

Apesar de ter muitos programas de pós-graduação de boa qualidade, o Brasil não possui nenhuma universidade de padrão realmente internacional, e a experiência cultural e pessoal de ver e entender como funciona uma destas universidades é tão ou mais importante do que o conteúdo da tese ou da pesquisa que o estudante desenvolva. Não conheço nenhuma avaliação dos programas do tipo "sanduíche", mas eles têm dois óbvios problemas: a curta duração e o fato de os estudantes ficarem fora dos programas regulares das universidades, o que significa que podem ficar marginalizados, sem entender muito do que está acontecendo à sua volta, a não ser que tenham um orientador fortemente interessado em seu trabalho.

Por isto, é importante manter aberta a janela da pós-graduação no exterior, e não penalizar, como hoje ocorre, os cursos cujos melhores alunos são bem recebidos nos doutorados das melhores universidades lá fora. Existe uma maneira fácil de reduzir os custos ou dobrar o número de bolsistas, que é financiar somente os dois primeiros anos dos estudos de doutorado.

Nos Estados Unidos pelo menos, depois de dois anos os bons estudantes de pós-graduação conseguem com facilidade uma bolsa local, ou um trabalho de assistente de pesquisa ou de ensino que pague seus custos e permita que eles participem mais plenamente da vida universitária. Estudantes que conseguem bolsas de pós-doutorado, ou contratos de trabalho de alta qualidade no exterior, deveriam ser estimulados a seguir adiante, e não ser forçados a voltar para o país imediatamente, como ocorre hoje.

Existe também o risco de o bolsista não voltar. Dar a bolsa na forma de um crédito, a ser perdoado caso o bolsista se integre a uma universidade ou centro de pesquisa no país, pode ser uma maneira de reduzir este risco. A experiência mostra que, quando existem boas condições e boas perspectivas de trabalho no Brasil, os estudantes que se formam no exterior preferem voltar, e os que ficam lá fora podem atuar como pontes importantes entre as comunidades científicas e técnicas do Brasil e aquelas do exterior.

O problema das prioridades é mais complicado. Para muitos cientistas que conhecemos, a única política científica aceitável por parte do governo seria dar cada vez mais dinheiro para os pesquisadores, sem se perguntar para que e como este dinheiro está sendo utilizado. Isto funciona razoavelmente bem dentro de cada área de conhecimento, quando as diferentes propostas e solicitações são analisadas no mérito por especialistas da própria área.

Mas as exigências de avaliação podem ser muito diferentes entre uma área e outra. As tentativas de medir e comparar o desempenho das áreas por indicadores objetivos, como publicações internacionais ou citações, são muito precárias, e é impossível muitas vezes distinguir entre a defesa da boa pesquisa e a defesa dos interesses corporativos dos pesquisadores, sobretudo quando os avaliadores são indicados pelas próprias instituições que vão ser avaliadas, e os mais encrenqueiros são cuidadosamente evitados. Na falta de critérios adequados, a distribuição de recursos entre as diferentes áreas acaba ocorrendo de forma tradicional, dando mais para que tinha mais antes, ou a partir de preconceitos, fáceis de ocorrer quando biólogos acham que podem avaliar a economia, físicos, a ciência política, e sociólogos, a pesquisa em genética.

Quando governantes e burocratas tratam de estabelecer prioridades, os riscos são altos. A transferência do antigo CNPq para o Ministério do Planejamento, nos anos 70, foi baseada na idéia de que a ciência deveria ser planejada. Tivemos inclusive vários planos nacionais de desenvolvimento científico e tecnológico que, embora pudessem dar impressão de coerentes, não passavam de uma listagem apressada do que já estava sendo financiado, criando para isto, no entanto, uma burocracia de custos cada vez maiores, que redundou na implantação de um Ministério da Ciência e Tecnologia em 1985 (coisa que os Estados Unidos e muitos outros países desenvolvidos não têm).

Ainda precisa ser feita uma avaliação dos grandes projetos - sobretudo na área tecnológica, que são os mais caros - iniciados naqueles anos e que fracassaram, ou continuam existindo sem maiores perspectivas ou impacto. Eu listaria, como bons candidatos, a política de informática, o programa espacial e o programa nuclear. Uma lista mais detalhada incluiria um grande número de projetos "induzidos" pelas agências com as melhores das intenções, mas que deixaram de produzir resultados porque apostaram em instituições, pessoas e projeções tecnológicas equivocadas. Sem falar nas prioridades estabelecidas por puro preconceito contra ou a favor de determinados temas ou áreas de estudo e pesquisa.

Não há soluções fáceis para esta situação, mas alguns princípios importantes poderiam ser úteis. O primeiro é diversificar. Quando existem várias agências em diferentes níveis de governo, cada qual com suas missões e prioridades, os riscos de errar são menores. A Capes é uma agência de apoio à formação de recursos humanos para o ensino superior, o CNPq cuida do fomento à pesquisa básica e aplicada, a Finep trata dos projetos tecnológicos, as Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais têm uma ótica regional, etc. É como deve ou deveria ser. Existem superposições entre os trabalhos destas agências, o que é bom, porque permite às instituições e aos pesquisadores buscar apoio num "mercado" diversificado de recursos e prioridades.

O segundo princípio consiste em se preocupar com os grandes projetos tecnológicos e de alto custo, e deixar espaço para o varejo dos pequenos projetos e iniciativas, que devem ser financiados sobretudo através dos mecanismos clássicos de controle de qualidade por revisão por pares.

O terceiro é, ao estabelecer projetos e áreas prioritárias, não se limitar a dizer, por exemplo, que "a nanotecnologia é importante", e colocar dinheiro no setor, mas especificar, com muito mais clareza e detalhe, como os investimentos nesta área poderão trazer resultados palpáveis, olhando, por exemplo, sua inserção em cadeias produtivas reais ou em formação. Estas prioridades precisam ser traduzidas em linguagem suficientemente clara para serem entendidas pelos não especialistas, e acompanhadas de mecanismos também claros de avaliação externa de resultados.

Mais importante do que tudo isto, no entanto, é o fato de que o Brasil investe muito pouco dinheiro em ciência e tecnologia - cerca de 1% do PIB, comparado com 2,5% da Alemanha, 2,6% dos Estados Unidos e 3% da Coréia. A diferença entre o Brasil e estes países não está só no fato de que investimos menos, mas no fato de que, nas economias desenvolvidas, os investimentos são feitos sobretudo por empresas ou institutos de tecnologia, enquanto que, no Brasil, predominam os gastos com pesquisas em instituições públicas.

Não é possível mudar de patamar e de escala dos investimentos em pesquisa no Brasil sem mudar este padrão de financiamento, o que depende, por sua vez, de que as instituições públicas se tornem muito mais abertas e orientadas para a criação de pontes entre o trabalho acadêmico e a busca de resultados práticos e significativos das pesquisas. Nesta mudança, a pesquisa básica, acadêmica e independente, não pode nem precisa ser prejudicada, porque ela só consegue prosperar de fato quando o sistema de inovação de um país funciona como um todo, e envolve a participação de cada vez mais recursos, pessoas, empresas e instituições.
(O Globo On-line, 2/12)

Fonte: JC e-mail 3654, de 03 de Dezembro de 2008.

Marcadores:

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial