Ranking de universidades: impactos, pressões e melhorias
Artigo de Eduardo de Carvalho Andrade
“Os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia”
Eduardo de Carvalho Andrade, PhD em Economia pela Universidade de Chicago e professor do Ibmec São Paulo. Artigo publicado no “Valor Econômico”:
A divulgação de rankings da qualidade acadêmica de instituições de ensino superior (IES) sempre causa uma celeuma. Na década de 90, o presidente da Universidade de Stanford, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, escreveu uma carta de protesto contra a revista "US News and World Report" (USNWR), que publica o mais tradicional ranking americano. Ele criticava a metodologia utilizada.
No Brasil, um grupo de IES privadas está articulando a proibição da divulgação de dados das suas avaliações feita pelo Ministério da Educação (MEC). Essas pressões não deveriam surpreender e o MEC não deveria ceder a elas. Ao mesmo tempo, conviria que ele atentasse para algumas questões.
É inegável que os membros da sociedade tomam as suas decisões baseados nos rankings. Empresas disputam os profissionais formados nas escolas líderes. Estudantes querem obter o diploma das mais prestigiosas escolas. E as consequências da posição no ranking são sentidas pelas IES.
Nos Estados Unidos, a evidência indica que uma pior posição no ranking da USNWR é prejudicial para a universidade: uma menor parcela dos alunos aceitos pela universidade decide se matricular; a qualidade das novas turmas, mensurada pela média no teste exigido para admissão, cai; o preço líquido pago pelo aluno é menor porque a universidade tem de ser mais generosa na concessão de ajuda financeira para atrair alunos dentro do menor grupo de candidatos que deseja lá estudar.
No Brasil, num estudo preliminar, os professores Carlos Eduardo Lobo, da PUC do Rio Grande do Sul, Rodrigo Moita, do Ibmec São Paulo, e eu, examinamos os fatores que afetam o market share das IES de administração no Estado de São Paulo. O resultado encontrado sugere que a posição da IES no mais tradicional ranking do país, o Guia do Estudante, afeta significativamente a sua fatia do mercado.
Em particular, este impacto é aproximadamente duas vezes maior, caso a IES receba o conceito cinco estrelas (pontuação máxima no ranking) vis-à-vis outra com quatro estrelas. Diante destes resultados, não é surpreendente que as IES, preocupadas com a viabilidade dos seus negócios, busquem defender os seus interesses. Quando o fazem, questionam com veemência, com bons ou maus argumentos, o aparecimento de rankings que coloquem suas instituições em posição desvantajosa.
No entanto, os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso eles não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia.
Uma IES bem posicionada, num ranking que não reflete a realidade, por exemplo, atrairia mais alunos do que deveria, em detrimento de outra de melhor qualidade, mas com pior posição. Assim, a formação média dos novos profissionais seria inferior àquela possível, com impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento econômico.
Em vista do exposto, fica evidente a relevância da qualidade de um ranking oficial. O MEC vem realizando um excelente trabalho na coleta de informações sobre as IES e na divulgação, da forma mais transparente possível, do processo de avaliação das mesmas. No entanto, algumas questões deveriam ser foco da sua atenção.
A primeira está relacionada com a aparente preocupação do MEC, por meio do seu ranking, de compilar todas as informações numa só, de forma a chegar às IES campeãs, com as melhores avaliações.
O ranking atual compila três informações: a média das notas dos alunos ingressantes e concluintes no Exame Nacional do Desempenho do Estudante (Enade), a estimativa de quanto a IES agregou ao aprendizado do aluno (o valor adicionado) e a qualidade dos insumos considerados relevantes para o bom funcionamento de uma IES (infraestrutura, recursos pedagógicos, etc).
Na verdade, públicos diferentes desejam informações distintas. Por exemplo, os empregadores estão interessados em saber de quais IES saem os melhores profissionais. Não importa para eles se o aprendizado ocorreu nos bancos escolares, universitários ou nos sofás das casas. Para eles, o relevante é a nota no Enade dos concluintes do curso. Portanto, não faz sentido misturar esta informação com as notas dos ingressantes e nem com as demais.
Já os estudantes podem decidir focar suas decisões no quanto a IES agrega para a sua formação. Desta forma, um ranking baseado somente no valor adicionado é o essencial. Neste caso, no entanto, como este valor adicionado é estimado, é importante deixar claro que as diferenças nos conceitos dados para as IES podem não ser de fato estatisticamente significativos e elas, apesar de receberem notas diferentes, podem na verdade ter a mesma qualidade de ensino.
Por fim, o uso da qualidade dos insumos no ranking é questionável. O importante é o resultado alcançado pelas IES em termos de aperfeiçoamento profissional dos seus alunos, independentemente dos insumos utilizados.
Ao agregar informações, o MEC acaba por misturar "alhos com bugalhos", estipula pesos ad-hoc para cada uma das informações e fica mais vulnerável às criticas. O fundamental é fornecer um leque amplo de diferentes tipos de informações para a sociedade e deixar que ela o utilize da melhor maneira.
A segunda questão a ser levada em consideração pelo MEC é não incorrer na tentação de alterar constantemente a metodologia do ranking. Um ranking oficial funciona como um marco regulatório do governo. Como em outros setores da economia, as IES necessitam de estabilidade das regras do jogo. Isto não impede que, de tempos em tempos, aperfeiçoamentos da metodologia possam ser feitos.
Por fim, o ranking do MEC é baseado na premissa de que notas maiores dos alunos no Enade geram, de alguma maneira, beneficio para a sociedade. No entanto, não existe evidência de que estas se traduzam ou em profissionais mais produtivos, ou com maiores salários, ou qualquer outro indicador definido por sucesso pela sociedade. A busca dessa comprovação é fundamental. Sem ela, corre-se o risco de se focar num alvo diferente da qualidade da educação.
O MEC deu um passo importante com o ranking. Convém continuar nesta trilha e aperfeiçoá-la. A sociedade só tem a ganhar com a melhoria da qualidade das informações sobre as IES.
(Valor Econômico, 12/2)
Fonte: JC e-mail 3701, de 12 de Fevereiro de 2009.
“Os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia”
Eduardo de Carvalho Andrade, PhD em Economia pela Universidade de Chicago e professor do Ibmec São Paulo. Artigo publicado no “Valor Econômico”:
A divulgação de rankings da qualidade acadêmica de instituições de ensino superior (IES) sempre causa uma celeuma. Na década de 90, o presidente da Universidade de Stanford, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, escreveu uma carta de protesto contra a revista "US News and World Report" (USNWR), que publica o mais tradicional ranking americano. Ele criticava a metodologia utilizada.
No Brasil, um grupo de IES privadas está articulando a proibição da divulgação de dados das suas avaliações feita pelo Ministério da Educação (MEC). Essas pressões não deveriam surpreender e o MEC não deveria ceder a elas. Ao mesmo tempo, conviria que ele atentasse para algumas questões.
É inegável que os membros da sociedade tomam as suas decisões baseados nos rankings. Empresas disputam os profissionais formados nas escolas líderes. Estudantes querem obter o diploma das mais prestigiosas escolas. E as consequências da posição no ranking são sentidas pelas IES.
Nos Estados Unidos, a evidência indica que uma pior posição no ranking da USNWR é prejudicial para a universidade: uma menor parcela dos alunos aceitos pela universidade decide se matricular; a qualidade das novas turmas, mensurada pela média no teste exigido para admissão, cai; o preço líquido pago pelo aluno é menor porque a universidade tem de ser mais generosa na concessão de ajuda financeira para atrair alunos dentro do menor grupo de candidatos que deseja lá estudar.
No Brasil, num estudo preliminar, os professores Carlos Eduardo Lobo, da PUC do Rio Grande do Sul, Rodrigo Moita, do Ibmec São Paulo, e eu, examinamos os fatores que afetam o market share das IES de administração no Estado de São Paulo. O resultado encontrado sugere que a posição da IES no mais tradicional ranking do país, o Guia do Estudante, afeta significativamente a sua fatia do mercado.
Em particular, este impacto é aproximadamente duas vezes maior, caso a IES receba o conceito cinco estrelas (pontuação máxima no ranking) vis-à-vis outra com quatro estrelas. Diante destes resultados, não é surpreendente que as IES, preocupadas com a viabilidade dos seus negócios, busquem defender os seus interesses. Quando o fazem, questionam com veemência, com bons ou maus argumentos, o aparecimento de rankings que coloquem suas instituições em posição desvantajosa.
No entanto, os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso eles não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia.
Uma IES bem posicionada, num ranking que não reflete a realidade, por exemplo, atrairia mais alunos do que deveria, em detrimento de outra de melhor qualidade, mas com pior posição. Assim, a formação média dos novos profissionais seria inferior àquela possível, com impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento econômico.
Em vista do exposto, fica evidente a relevância da qualidade de um ranking oficial. O MEC vem realizando um excelente trabalho na coleta de informações sobre as IES e na divulgação, da forma mais transparente possível, do processo de avaliação das mesmas. No entanto, algumas questões deveriam ser foco da sua atenção.
A primeira está relacionada com a aparente preocupação do MEC, por meio do seu ranking, de compilar todas as informações numa só, de forma a chegar às IES campeãs, com as melhores avaliações.
O ranking atual compila três informações: a média das notas dos alunos ingressantes e concluintes no Exame Nacional do Desempenho do Estudante (Enade), a estimativa de quanto a IES agregou ao aprendizado do aluno (o valor adicionado) e a qualidade dos insumos considerados relevantes para o bom funcionamento de uma IES (infraestrutura, recursos pedagógicos, etc).
Na verdade, públicos diferentes desejam informações distintas. Por exemplo, os empregadores estão interessados em saber de quais IES saem os melhores profissionais. Não importa para eles se o aprendizado ocorreu nos bancos escolares, universitários ou nos sofás das casas. Para eles, o relevante é a nota no Enade dos concluintes do curso. Portanto, não faz sentido misturar esta informação com as notas dos ingressantes e nem com as demais.
Já os estudantes podem decidir focar suas decisões no quanto a IES agrega para a sua formação. Desta forma, um ranking baseado somente no valor adicionado é o essencial. Neste caso, no entanto, como este valor adicionado é estimado, é importante deixar claro que as diferenças nos conceitos dados para as IES podem não ser de fato estatisticamente significativos e elas, apesar de receberem notas diferentes, podem na verdade ter a mesma qualidade de ensino.
Por fim, o uso da qualidade dos insumos no ranking é questionável. O importante é o resultado alcançado pelas IES em termos de aperfeiçoamento profissional dos seus alunos, independentemente dos insumos utilizados.
Ao agregar informações, o MEC acaba por misturar "alhos com bugalhos", estipula pesos ad-hoc para cada uma das informações e fica mais vulnerável às criticas. O fundamental é fornecer um leque amplo de diferentes tipos de informações para a sociedade e deixar que ela o utilize da melhor maneira.
A segunda questão a ser levada em consideração pelo MEC é não incorrer na tentação de alterar constantemente a metodologia do ranking. Um ranking oficial funciona como um marco regulatório do governo. Como em outros setores da economia, as IES necessitam de estabilidade das regras do jogo. Isto não impede que, de tempos em tempos, aperfeiçoamentos da metodologia possam ser feitos.
Por fim, o ranking do MEC é baseado na premissa de que notas maiores dos alunos no Enade geram, de alguma maneira, beneficio para a sociedade. No entanto, não existe evidência de que estas se traduzam ou em profissionais mais produtivos, ou com maiores salários, ou qualquer outro indicador definido por sucesso pela sociedade. A busca dessa comprovação é fundamental. Sem ela, corre-se o risco de se focar num alvo diferente da qualidade da educação.
O MEC deu um passo importante com o ranking. Convém continuar nesta trilha e aperfeiçoá-la. A sociedade só tem a ganhar com a melhoria da qualidade das informações sobre as IES.
(Valor Econômico, 12/2)
Fonte: JC e-mail 3701, de 12 de Fevereiro de 2009.
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