23 janeiro 2009

Por uma expansão global do saber

Artigo de José Monserrat Filho

“Ligar a ciência ao homem comum e o homem comum à ciência. É o caminho que estamos obrigados a percorrer se quisermos crescer na nossa inteligência e humanidade”

José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério de Ciência e Tecnologia. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

O velho continente, berço da ciência no Ocidente, parece feliz com suas novas perspectivas na busca do conhecimento – mais necessária que nunca, neste século 21 pleno de desafios globais.

A União Européia (UE) vem de publicar os resultados animadores de ampla consulta sobre a percepção pública da ciência e a visão da cidadania diante da política européia na área de pesquisa científica. O levantamento, realizado ao longo de 2008 nos 27 países-membros da UE, ouviu homens e mulheres de diferentes camadas sociais com idade entre 17 e 60 anos.

Para Janez Patocnik, da Comissão Européia para Ciência e Pesquisa, “os resultados são particularmente encorajadores, pois provam que a população não é indiferente às ciências e que o objetivo da Comissão de construir o Espaço Europeu da Pesquisa caminha em boa direção”. A seu ver, “os cidadãos consideram a ciência como um instrumento de progresso e são favoráveis a uma estratégia européia mais concreta no âmbito das ciências e das tecnologias”.

As esperanças e os temores das pessoas, segundo o estudo, concentram-se sobretudo nas questões percebidas como tendo incidência direta e concreta na vida diária. Os consultados se manifestaram sobre temas científicos potencialmente polêmicos e controversos, como as experiências com animais, as células-tronco e os biocombustíveis.

Eles, em geral, reagiram de modo positivo aos avanços alcançados nas áreas médicas e farmacêuticas, à procura de solução para os problemas energéticos, ambientais e climáticos, bem como à criação, inovação e aperfeiçoamento de produtos capazes de facilitar as tarefas cotidianas.

Apareceram, também, preocupações sérias sobre os riscos das manipulações genéticas, dos organismos geneticamente modificados (OGM), as ameaças à saúde, as mudanças climáticas e o uso da ciência e da tecnologia com propósitos destrutivos, como as armas de destruição em massa, especialmente as nucleares e químicas.

Mas os cidadãos da UE, especialmente do sul e do leste europeu, não deixaram de frisar que acham fraca e insuficiente a pesquisa científica em seus países.

Eles atribuem esse quadro negativo aos baixos orçamentos para a pesquisa, à ausência de visão e de vontade política, à deficiente organização da pesquisa pública e ao reduzido interesse pelas carreiras de pesquisador como efeito das condições de trabalho oferecidas aos pesquisadores nos países europeus, o que tem levado à fuga de cérebros.

Se isso acontece na Europa, imagine no chamado mundo em desenvolvimento. Daí que a questão, na verdade, é global, e não pode ser enfrentada na base do cada um por si, como tem sido.

Claro que as opiniões expressas na pesquisa da UE sobre as condições da C&T nos três grandes países europeus – Alemanha, França e Reino-Unido – são mais positivas.

Apesar das diferenças regionais, o balanço final é de que os europeus estão realmente convencidos de que o desenvolvimento da pesquisa é vital para seus países. E apóiam a idéia de que “conviria fazer mais”.

Evidencia-se o consenso quase unânime em favor de uma ação européia pela pesquisa científica e seu fortalecimento. O princípio da cooperação no setor é igualmente visto com simpatia por estimular e facilitar o intercâmbio e o enriquecimento mútuo de idéias e experiências.

Para os organizadores da consulta, o que está em questão, explícita ou implicitamente, é a capacidade européia de inventar e inovar em relação a seus grandes concorrentes internacionais, como os EUA e o Japão.

Cabe lembrar a propósito o que o Brasil e a UE inscreveram no Plano de Ação Conjunta de Parceria Estratégica para os próximos três anos, aprovado pelos presidentes do Brasil e da França, Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarcozy, este como presidente do Conselho da UE, e pelo presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, na II Reunião de Cúpula realizada no Rio de Janeiro, em 22 de dezembro último:

“A União Européia e o Brasil compartem a convicção de que uma ciência forte e uma sociedade baseada no conhecimento são o melhor pré-requisito para o desenvolvimento sócio-econômico equitativo e sustentável.”

No tocante à Promoção da Ciência, Tecnologia e Informação, reiterou-se a necessidade de “ampliar a eficácia do diálogo sobre ciência e tecnologia, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de coordenação e difusão de informações”, como consta nas diretrizes do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica firmado entre o Brasil e a UE em 2006.

E quanto à cooperação em prol da Sociedade da Informação, frisou-se que “as tecnologias da informação e comunicação (TICs) exercem papel fundamental na promoção da inclusão digital e no aumento da coesão social, melhorando a qualidade de vida e reduzindo a pobreza”.

Teria sido, certamente, da maior relevância introduzir um item especial sobre a cooperação no campo da percepção pública da ciência, parte essencial de qualquer esforço de popularização da ciência, que hoje tanto o Brasil quanto a UE se empenham em promover. Até porque este tema já integra, por exemplo, o Plano de Ação em CT&I firmado entre o Brasil e a Espanha em 2008.

Em 2009, teremos o Ano da França no Brasil e o Ano da Cooperação Brasil-Alemanha, que festeja os 40 anos do nosso primeiro acordo binacional em C&T. Em ambos os casos, haverá intensa e variada programação em áreas fundamentais do conhecimento.

Teremos, também, o Ano Internacional da Astronomia, que busca, entre outras metas, “difundir na sociedade uma mentalidade científica”, e que dará ao Brasil o privilégio de reunir no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de agosto, a 27ª Assembléia Geral da União Astronômica Internacional; o Ano de Darwin, comemorando os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos de sua obra maestra “A Origem das Espécies”, que revolucionou a ciência da vida; os 60 anos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que mudou a história da ciência em nosso país e que hoje desenvolve, em ritmo crescente, importantes programas de cooperação internacional.

São oportunidades imperdíveis para despertar no grande público a curiosidade, o fascínio e o interesse pela ciência e tecnologia.

Neste contexto, nunca é demais insistir na dramática especificidade do nosso tempo.

Sérgio Paulo Rouanet, filósofo e ex-diplomata, em seu belo texto “Por um saber sem fronteiras”, publicado no livro “Mutações – Ensaios sobre as novas configurações do mundo” (edição Agir/SescSp, 2008, org. por Adauto Novaes), vê pela frente uma mutação que se impõe.

Clama ele: “É preciso que haja uma inflexão, a passagem para uma etapa em que o homem volte a ser sujeito do processo de geração e aplicação do conhecimento. A mutação que pretendemos deverá devolver ao homem a capacidade de ter uma visão de conjunto das atividades técnico-científicas, sem o que a democracia seria substituída pela logocracia”, por um poder do saber capaz de se tornar totalitário.

Rouanet alerta: “A própria sobrevivência da democracia depende da capacidade dos cidadãos de reassumir algum controle sobre os rumos da ciência, pois de outro modo haveria o risco de que uma ciência cada vez mais esotérica e menos inteligível para o homem comum, cada vez mais comprometida com o complexo industrial-militar, cada vez menos sensível aos riscos ecológicos que pesam sobre o planeta, usurpasse o poder decisório que numa sociedade democrática só pode ser exercida pelo povo soberano”.

Ligar a ciência ao homem comum e o homem comum à ciência. É o caminho que estamos obrigados a percorrer se quisermos crescer na nossa inteligência e humanidade. E não só na Europa e no Brasil. No mundo inteiro. Cada país, cada povo, do seu jeito. Mas globalmente.

Seremos todos cidadãos do planeta Terra. Ou como sobreviveremos amanhã ou depois?

Fonte: JC e-mail 3686, de 22 de Janeiro de 2009.

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