Conhecimento científico e produção científica.
Resenha de Eliana Mantovani Malvestio
Um dia da caça, outro do caçador.
Esta afirmação se aproxima de uma lei natural do funcionamento do mundo. A natureza se encaixa nestes dizeres; o capitalismo, fruto do “enriquecimento”, também fez com que nos encaixássemos nela. Por que haveria o “mundo das ciências” fugir à esta lei?
Sim, somos todos predados e predamos naturalmente quando o poder nos é dado. Para cada ambiente há uma forma de poder: a força, a velocidade e resistência; o saldo bancário; ou mesmo o intelecto e posição alcançada – a produtividade do cientista – são algumas das forças que nos levam à luta; à enfrentarmos o desconforto e buscarmos a posição (que julgamos) necessária à conquista do reconhecimento (embora os animais sejam mais singelos nesta busca).
A ciência constitui-se de um universo próprio, mesmo inserida e valendo-se de algumas práticas comuns às do mundo capitalista. (O capitalismo entranhou-se na ciência?) Os cientistas também almejam posições de autoridade e existe, para tanto, uma mesma lógica de produtividade e aceitação do trabalho produzido: o reconhecimento da autoridade científica e competência na área à qual se insere. Há o desejo de se acumular o capital – que abrirá portas e facilitará o crescimento profissional e os relacionamentos para o pesquisador. A comunidade científica possui hábitos próprios, valores, crenças e práticas para o fim ao qual se destina: gerar capital para a “sobrevivência” no meio acadêmico.
Tudo o que importa neste ambiente circula em torno da produção científica: o que fazemos; o que pesquisamos; onde publicamos, ou esperamos publicar; a quem nos uniremos para continuarmos a desenvolver estudos. E isto é justificado pelo poder que adquire aqueles que mais se destacam: os altamente capazes, os reconhecidos e respeitados cientistas, que podem descrever o curso da produção no campo e podem ditar as novas regras, tocar a nova música a qual todos dançarão (embora na prática não seja assim tão simples); e enquanto houver este crédito científico, haverá a batuta para reger a orquestra.
Talvez uma adaptação ou mesmo adequação ao mundo capitalista a ciência tenha sofrido. Existe a necessidade de se produzir, mesmo a moeda sendo diferente. Existe uma escala hierárquica a se respeitar e os degraus do reconhecimento a serem galgados; as etapas pelas quais o estudo para nos tornarmos pesquisadores devemos transpor.
A competitividade crescente no meio científico, causa também da banalização dos diplomas, impõe padrões, cria normas, traz desgastes e nos induz à crueldade. Somos solitários neste processo de produção para reconhecimento. Muitos atos e sentimentos, nem sempre positivos, afloram na tentativa de se alcançar posto mais elevado, as “forças não-científicas”. Devemos salvar nossa pele para prosperarmos e é difícil de se abrir caminho nessa mata espinhenta. Obviamente aqueles que se encontram no topo da “cadeia alimentar” tentam manter a posição e este fardo, esta ocorrência, pesa sobre todos os que conseguem tal status, pois, como dizia o filósofo: “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.
Devemos nos atentar não somente para nossa produtividade, em sua consistência e relevância para o meio, mas também para, devido às condições impostas pelo meio, não começarmos, entre nós mesmos, uma “revolução dos bichos” em que homens e porcos não se diferenciem.
Resenha do texto:
BOURDIEU, Pierre. Os usos da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
Resenha de Eliana Mantovani Malvestio
Um dia da caça, outro do caçador.
Esta afirmação se aproxima de uma lei natural do funcionamento do mundo. A natureza se encaixa nestes dizeres; o capitalismo, fruto do “enriquecimento”, também fez com que nos encaixássemos nela. Por que haveria o “mundo das ciências” fugir à esta lei?
Sim, somos todos predados e predamos naturalmente quando o poder nos é dado. Para cada ambiente há uma forma de poder: a força, a velocidade e resistência; o saldo bancário; ou mesmo o intelecto e posição alcançada – a produtividade do cientista – são algumas das forças que nos levam à luta; à enfrentarmos o desconforto e buscarmos a posição (que julgamos) necessária à conquista do reconhecimento (embora os animais sejam mais singelos nesta busca).
A ciência constitui-se de um universo próprio, mesmo inserida e valendo-se de algumas práticas comuns às do mundo capitalista. (O capitalismo entranhou-se na ciência?) Os cientistas também almejam posições de autoridade e existe, para tanto, uma mesma lógica de produtividade e aceitação do trabalho produzido: o reconhecimento da autoridade científica e competência na área à qual se insere. Há o desejo de se acumular o capital – que abrirá portas e facilitará o crescimento profissional e os relacionamentos para o pesquisador. A comunidade científica possui hábitos próprios, valores, crenças e práticas para o fim ao qual se destina: gerar capital para a “sobrevivência” no meio acadêmico.
Tudo o que importa neste ambiente circula em torno da produção científica: o que fazemos; o que pesquisamos; onde publicamos, ou esperamos publicar; a quem nos uniremos para continuarmos a desenvolver estudos. E isto é justificado pelo poder que adquire aqueles que mais se destacam: os altamente capazes, os reconhecidos e respeitados cientistas, que podem descrever o curso da produção no campo e podem ditar as novas regras, tocar a nova música a qual todos dançarão (embora na prática não seja assim tão simples); e enquanto houver este crédito científico, haverá a batuta para reger a orquestra.
Talvez uma adaptação ou mesmo adequação ao mundo capitalista a ciência tenha sofrido. Existe a necessidade de se produzir, mesmo a moeda sendo diferente. Existe uma escala hierárquica a se respeitar e os degraus do reconhecimento a serem galgados; as etapas pelas quais o estudo para nos tornarmos pesquisadores devemos transpor.
A competitividade crescente no meio científico, causa também da banalização dos diplomas, impõe padrões, cria normas, traz desgastes e nos induz à crueldade. Somos solitários neste processo de produção para reconhecimento. Muitos atos e sentimentos, nem sempre positivos, afloram na tentativa de se alcançar posto mais elevado, as “forças não-científicas”. Devemos salvar nossa pele para prosperarmos e é difícil de se abrir caminho nessa mata espinhenta. Obviamente aqueles que se encontram no topo da “cadeia alimentar” tentam manter a posição e este fardo, esta ocorrência, pesa sobre todos os que conseguem tal status, pois, como dizia o filósofo: “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.
Devemos nos atentar não somente para nossa produtividade, em sua consistência e relevância para o meio, mas também para, devido às condições impostas pelo meio, não começarmos, entre nós mesmos, uma “revolução dos bichos” em que homens e porcos não se diferenciem.
Resenha do texto:
BOURDIEU, Pierre. Os usos da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial