15 abril 2007

O fim da era Einstein

Marcelo Leite, colunista Folha de S. Paulo.

Pesquisador hoje é mais chefe de equipe do que um intelectual

No imaginário comum realimentado pela indústria cultural, ciência é obra de indivíduos geniais. Alguns deles, descabelados e irreverentes a ponto de mostrar a língua para um fotógrafo profissional. Esse tempo acabou. No campo das ciências naturais, o pesquisador é hoje mais chefe de equipe do que intelectual. Especializados até o limite da idiotia, poucos deles alcançariam a estatura de um Albert Einstein na carta para Franklin Roosevelt, de 2 de agosto de 1939, pedindo atenção para a fissão nuclear.
Da década de 1950 para cá, pelo menos, o modo de produzir ciência mudou basta por vários motivos. Com a bomba atômica nasceram a Big Science e projetos como Apollo, Genoma, LHC (acelerador de partículas multinacional) e Iter (reator internacional de fusão nuclear). Até o Brasil teve os programas genoma (Xylella) e LBA (atmosfera-biosfera da Amazônia). Sua marca registrada são custos na casa dos milhões e artigos assinados por dezenas ou até centenas de autores. Nunca se falou tanto em "rede".
Tudo isso é sabido por quem convive com a pesquisa realmente existente, em especial no campo das chamadas ciências "duras" (experimentais). Persistiam, no entanto, duas dúvidas: uma, se o fenômeno é comum a todos os campos; duas, se com ele se produz melhor ou pior ciência. Não são perguntas fáceis de responder. Três estudiosos da Northwestern University (Illinois, EUA) decidiram enfrentá-la com chumbo grosso. Stefan Wuchty, Benjamin F. Jones e Brian Uzzi obtiveram sua munição no paiol da ISI/Web of Science, empresa que compila dados sobre produção científica desde 1955.
A amostra tem alto calibre: quase 20 milhões de artigos, cobrindo cinco décadas. Com base nela produziram um estudo publicado eletronicamente anteontem pelo periódico científico "Science" (www.sciencexpress.org), sob o título "A Crescente Dominância das Equipes na Produção do Conhecimento". Primeiro, mostraram que a tendência para aumento do número médio de autores por artigo é generalizada.
Na área de ciências naturais e engenharias, por exemplo, saltou de 1,9 para 3,5 no prazo de 45 anos. Até aí morreu Neves, diria um brasileiro, pois são setores em que o uso de infra-estrutura grande e cara é mais comum. Mesmo no campo amplo de todas as ciências sociais (psicologia, economia, sociologia etc.), onde a média anda pelas duas assinaturas por artigo, o percentual de textos com autor único decaiu de 82,5% para 48,5% entre 1955 e 2000. Só artes e humanidades ainda resistem, com mais de 90% dos trabalhos solo. E a qualidade, cresceu junto com a quantidade de cérebros envolvidos?
Sim, responde o trio, mas usando uma medida diante da qual alguns torcem o nariz: número de citações por artigo. Embora possa ser distorcida por "n" fatores, a começar pela prática da autocitação (que tende a crescer com o número de autores), essa quantificação é em geral aceita como um indicador razoável da qualidade de um trabalho. O raciocínio é que o estudo citado mais vezes contribuiu mais para o avanço do conhecimento.
Wuchty, Jones e Uzzi verificaram que a média de citações angariadas é tanto mais alta quanto mais autores tiver uma pesquisa publicada. Mesmo expurgando as autocitações, a relação se mantém. Ela também sobrevive quando a amostra fica restrita àqueles trabalhos de impacto excepcional, ou seja, com mais de mil citações. "Abstract" da ópera: não se fazem mais Einsteins como antigamente.

MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br

Fonte: Folha de S. Paulo, Ciência, 15 de abril de 2007 (assinantes).

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