Tecnologia e Sociedade
Tecnologia e Sociedade,
"A palavra progresso não tem nenhum
sentido enquanto ainda existirem
crianças infelizes".
Albert Einstein
O progresso técnico seria a resposta aos males de nossa sociedade? O presente texto procura contribuir para o debate sobre os prováveis impactos de inovações tecnológicas nos diferentes setores do complexo sistema social, econômico e político que caracterizam as sociedades contemporâneas.
Temos, por um lado, os defensores do aumento sem restrições da P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), ou seja, das verbas orçamentárias e particulares atribuídas aos esforços de inovação tecnológica, sob forma de mais pesquisas, patentes, publicações científicas e suas aplicações no processo produtivo. Freqüentemente, pesquisadores e tecnólogos prometem mais do que podem efetivamente entregar, para obterem mais financiamentos para suas atividades. Assim, solapam sua credibilidade junto à sociedade quando esta percebe os exageros nas promessas e a omissão dos riscos e problemas inerentes no desenvolvimento de certas tecnologias de ponta, tais como a engenharia genética, a energia nuclear e, mais recentemente, a nanotecnologia.
Por isso, face às propostas, planos e projetos de política científica e tecnológica, devemos sempre indagar: Para quê? Para quem? A que custo?
Os positivistas afirmam que ciência e tecnologia servem a toda a humanidade – vide os trabalhos de Pasteur, Koch, Sabin e tantos outros que salvaram milhões de vidas humanas. Afinal, o progresso técnico ajudaria a impelir o desenvolvimento da sociedade humana, vencendo a superstição e ignorância, ao imprimir maior racionalidade às ações humanas. Existe um lobby poderoso que pressiona para obter mais verbas para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Sobretudo nos países emergentes, cujas elites pregam a necessidade de se alcançar os níveis de excelência dos países mais ricos.
Afirma-se que a inovação e, particularmente, seus produtos tecnológicos estimulam a competitividade e, dessa forma, contribuem para o crescimento econômico do país. Conseqüentemente, a competitividade é erigida em valor supremo da vida social, como se fosse uma lei da natureza imanente à espécie humana.
Omite-se, propositadamente, que o mais longo período da história da vida humana foi orientado pela cooperação e a solidariedade, valores fundamentais para a sobrevivência da espécie. Considerar a competição como norma geral do comportamento social leva ao Darwinismo Social como filosofia dominante e relega a preocupação com os próximos ao segundo plano.
Não existiriam outras opções de estilo de vida que valeria a pena transmitir aos jovens e às crianças? O que acontece com os menos competitivos, os derrotados, os que ficaram para trás?
A ideologia da competição e produtividade faz parte de uma visão de mundo dominada pela corrida atrás da acumulação de capitais e do enriquecimento ilimitado, nem sempre por meios civilizados e legítimos.
A realidade ensina que existem limites para o aumento da produtividade quando ela está baseada no aumento de um só fator, cujo crescimento exponencial leva o sistema a sofrer os efeitos da “lei de rendimentos decrescentes”. Ademais, os arautos da luta competitiva nos mercados não se preocupam com o destino dado aos resultados de um aumento da produtividade e de lucratividade dos negócios.
Para a sociedade, coletivamente, só haverá vantagens na busca de maior produtividade quando seus resultados forem distribuídos para elevar o nível de bem-estar coletivo. Isso pode ser atingido mediante a elevação proporcional dos salários, a redução dos preços de bens e serviços ou o aumento de investimentos dos lucros gerados, na expansão do sistema produtivo.Contrariando tal lógica produtivista, os excedentes do processo produtivo na América Latina vêm sendo, historicamente, desviados para o consumo de luxo das elites, para o entesouramento sob forma de aquisição de terras e de moeda estrangeira ou, modernamente, do envio para paraísos fiscais e aplicações especulativas no mercado financeiro internacional.
Países potencialmente ricos em recursos naturais (Argentina, Brasil, Venezuela), com uma força de trabalho relativamente qualificada e com acesso a tecnologias modernas vêm, há décadas, padecendo com a miséria da maioria de suas populações, enquanto suas elites – que vivem entre o fausto e o desperdício – recorrem aos serviços de advogados, do aparelho judiciário e de uma legislação falha ou omissa para evadirem impostos e tributos. Ao mesmo tempo, essas elites proclamam a ciência e a tecnologia como a mola do desenvolvimento, exigindo mais verbas para P&D. Elas parecem ignorar que a maior parte desses recursos acaba canalizada para projetos militares de utilidade questionável, tais como, o desenvolvimento de armas de destruição em massa, exploração do espaço e o aperfeiçoamento de inúmeros artefatos para fins bélicos.
Deixemos bem claro: não se discute aqui a necessidade de P&D nas sociedades contemporâneas, mas a condição de que esta seja ambientalmente segura, socialmente benéfica (para todos) e eticamente aceitável.
A quem caberia então a responsabilidade de autorizar, orientar e estabelecer prioridades do desenvolvimento tecnológico, inclusive na alocação das verbas sempre escassas? O discurso oficial privilegia o papel do “mercado” – as grandes empresas industriais e de serviços, das agências e repartições burocráticas do governo, das universidades e de grupos corporativistas de cientistas e tecnólogos. A sociedade civil organizada – através de suas ONGs, associações e sindicatos – não é considerada interlocutora qualificada para participar das decisões sobre política de C+T ou na definição de prioridades para a alocação de verbas orçamentárias. Ora, são exatamente esses atores sociais que representam a maioria da sociedade que mais sofrerá os impactos econômicos, sociais e ambientais de decisões tomadas nas esferas executiva e legislativa dos regimes de democracia representativa, sob as pressões de tecnocratas e de homens de negócios, supostamente mais informadas e qualificadas para decidir sobre assuntos de tamanha relevância.
A este respeito, vale recordar um episódio emblemático, ocorrido há mais de um quarto de século. No final da década dos setenta, foi realizada uma Conferência das Nações Unidas sobre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento na cidade de Viena, Áustria, coordenada por um diplomata brasileiro.Os discursos e debates da conferência não ultrapassaram o trivial, mas, no mesmo período, houve um acontecimento inusitado que marcou época.
No auge da crise de petróleo, o governo austríaco tinha, com a anuência do parlamento, construído um reator nuclear a cerca de 27 quilômetros de distância da capital, maior aglomeração urbana do país. Sua inauguração estava marcada para a ocasião da conferência, mas meses antes, a população começou a manifestar sua oposição à energia nuclear, apontando para os riscos da radioatividade. Em vão, o governo e seus representantes no parlamento e no “establishment” científico apontaram para a “irracionalidade” da oposição que conclamava por uma consulta popular em ampla escala sobre a conveniência da operação do reator. O referendo realizado decidiu, com ampla maioria, contra a utilização de energia nuclear e assumiu o prejuízo, ou desperdício, dos mais de um bilhão de US$ empregados na construção. O reator nunca foi ativado e, até hoje, permanece lá como um monumento às decisões não democráticas e irresponsáveis das autoridades. Apesar da perda do investimento, a sociedade austríaca encontrou outras fontes energéticas e se mantém na vanguarda dos países desenvolvidos, com altíssimo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano.
Resumindo, ciência e tecnologia não são ética ou politicamente neutras, cientistas e tecnólogos não podem despir-se de suas posições sociais e de seus valores. Em cada estágio da evolução social, as tecnologias utilizadas refletem as contradições e os conflitos entre o poder econômico e sua tendência à concentração de riquezas, poder e acesso à informação e as aspirações de participação democrática, autonomia cultural e autogestão.Por isso, a sociedade civil tem o dever e o direito de exercer o controle sobre as inovações tecnológicas que não podem ficar a critério único de cientistas, tecnocratas, políticos e empresários. Impõe-se uma avaliação prospectiva baseada no princípio da precaução e que contemple, além dos aspectos técnicos e financeiros, a necessidade inadiável de superar a situação de desigualdade e o processo de deterioração do meio ambiente.
Temos, por um lado, os defensores do aumento sem restrições da P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), ou seja, das verbas orçamentárias e particulares atribuídas aos esforços de inovação tecnológica, sob forma de mais pesquisas, patentes, publicações científicas e suas aplicações no processo produtivo. Freqüentemente, pesquisadores e tecnólogos prometem mais do que podem efetivamente entregar, para obterem mais financiamentos para suas atividades. Assim, solapam sua credibilidade junto à sociedade quando esta percebe os exageros nas promessas e a omissão dos riscos e problemas inerentes no desenvolvimento de certas tecnologias de ponta, tais como a engenharia genética, a energia nuclear e, mais recentemente, a nanotecnologia.
Por isso, face às propostas, planos e projetos de política científica e tecnológica, devemos sempre indagar: Para quê? Para quem? A que custo?
Os positivistas afirmam que ciência e tecnologia servem a toda a humanidade – vide os trabalhos de Pasteur, Koch, Sabin e tantos outros que salvaram milhões de vidas humanas. Afinal, o progresso técnico ajudaria a impelir o desenvolvimento da sociedade humana, vencendo a superstição e ignorância, ao imprimir maior racionalidade às ações humanas. Existe um lobby poderoso que pressiona para obter mais verbas para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Sobretudo nos países emergentes, cujas elites pregam a necessidade de se alcançar os níveis de excelência dos países mais ricos.
Afirma-se que a inovação e, particularmente, seus produtos tecnológicos estimulam a competitividade e, dessa forma, contribuem para o crescimento econômico do país. Conseqüentemente, a competitividade é erigida em valor supremo da vida social, como se fosse uma lei da natureza imanente à espécie humana.
Omite-se, propositadamente, que o mais longo período da história da vida humana foi orientado pela cooperação e a solidariedade, valores fundamentais para a sobrevivência da espécie. Considerar a competição como norma geral do comportamento social leva ao Darwinismo Social como filosofia dominante e relega a preocupação com os próximos ao segundo plano.
Não existiriam outras opções de estilo de vida que valeria a pena transmitir aos jovens e às crianças? O que acontece com os menos competitivos, os derrotados, os que ficaram para trás?
A ideologia da competição e produtividade faz parte de uma visão de mundo dominada pela corrida atrás da acumulação de capitais e do enriquecimento ilimitado, nem sempre por meios civilizados e legítimos.
A realidade ensina que existem limites para o aumento da produtividade quando ela está baseada no aumento de um só fator, cujo crescimento exponencial leva o sistema a sofrer os efeitos da “lei de rendimentos decrescentes”. Ademais, os arautos da luta competitiva nos mercados não se preocupam com o destino dado aos resultados de um aumento da produtividade e de lucratividade dos negócios.
Para a sociedade, coletivamente, só haverá vantagens na busca de maior produtividade quando seus resultados forem distribuídos para elevar o nível de bem-estar coletivo. Isso pode ser atingido mediante a elevação proporcional dos salários, a redução dos preços de bens e serviços ou o aumento de investimentos dos lucros gerados, na expansão do sistema produtivo.Contrariando tal lógica produtivista, os excedentes do processo produtivo na América Latina vêm sendo, historicamente, desviados para o consumo de luxo das elites, para o entesouramento sob forma de aquisição de terras e de moeda estrangeira ou, modernamente, do envio para paraísos fiscais e aplicações especulativas no mercado financeiro internacional.
Países potencialmente ricos em recursos naturais (Argentina, Brasil, Venezuela), com uma força de trabalho relativamente qualificada e com acesso a tecnologias modernas vêm, há décadas, padecendo com a miséria da maioria de suas populações, enquanto suas elites – que vivem entre o fausto e o desperdício – recorrem aos serviços de advogados, do aparelho judiciário e de uma legislação falha ou omissa para evadirem impostos e tributos. Ao mesmo tempo, essas elites proclamam a ciência e a tecnologia como a mola do desenvolvimento, exigindo mais verbas para P&D. Elas parecem ignorar que a maior parte desses recursos acaba canalizada para projetos militares de utilidade questionável, tais como, o desenvolvimento de armas de destruição em massa, exploração do espaço e o aperfeiçoamento de inúmeros artefatos para fins bélicos.
Deixemos bem claro: não se discute aqui a necessidade de P&D nas sociedades contemporâneas, mas a condição de que esta seja ambientalmente segura, socialmente benéfica (para todos) e eticamente aceitável.
A quem caberia então a responsabilidade de autorizar, orientar e estabelecer prioridades do desenvolvimento tecnológico, inclusive na alocação das verbas sempre escassas? O discurso oficial privilegia o papel do “mercado” – as grandes empresas industriais e de serviços, das agências e repartições burocráticas do governo, das universidades e de grupos corporativistas de cientistas e tecnólogos. A sociedade civil organizada – através de suas ONGs, associações e sindicatos – não é considerada interlocutora qualificada para participar das decisões sobre política de C+T ou na definição de prioridades para a alocação de verbas orçamentárias. Ora, são exatamente esses atores sociais que representam a maioria da sociedade que mais sofrerá os impactos econômicos, sociais e ambientais de decisões tomadas nas esferas executiva e legislativa dos regimes de democracia representativa, sob as pressões de tecnocratas e de homens de negócios, supostamente mais informadas e qualificadas para decidir sobre assuntos de tamanha relevância.
A este respeito, vale recordar um episódio emblemático, ocorrido há mais de um quarto de século. No final da década dos setenta, foi realizada uma Conferência das Nações Unidas sobre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento na cidade de Viena, Áustria, coordenada por um diplomata brasileiro.Os discursos e debates da conferência não ultrapassaram o trivial, mas, no mesmo período, houve um acontecimento inusitado que marcou época.
No auge da crise de petróleo, o governo austríaco tinha, com a anuência do parlamento, construído um reator nuclear a cerca de 27 quilômetros de distância da capital, maior aglomeração urbana do país. Sua inauguração estava marcada para a ocasião da conferência, mas meses antes, a população começou a manifestar sua oposição à energia nuclear, apontando para os riscos da radioatividade. Em vão, o governo e seus representantes no parlamento e no “establishment” científico apontaram para a “irracionalidade” da oposição que conclamava por uma consulta popular em ampla escala sobre a conveniência da operação do reator. O referendo realizado decidiu, com ampla maioria, contra a utilização de energia nuclear e assumiu o prejuízo, ou desperdício, dos mais de um bilhão de US$ empregados na construção. O reator nunca foi ativado e, até hoje, permanece lá como um monumento às decisões não democráticas e irresponsáveis das autoridades. Apesar da perda do investimento, a sociedade austríaca encontrou outras fontes energéticas e se mantém na vanguarda dos países desenvolvidos, com altíssimo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano.
Resumindo, ciência e tecnologia não são ética ou politicamente neutras, cientistas e tecnólogos não podem despir-se de suas posições sociais e de seus valores. Em cada estágio da evolução social, as tecnologias utilizadas refletem as contradições e os conflitos entre o poder econômico e sua tendência à concentração de riquezas, poder e acesso à informação e as aspirações de participação democrática, autonomia cultural e autogestão.Por isso, a sociedade civil tem o dever e o direito de exercer o controle sobre as inovações tecnológicas que não podem ficar a critério único de cientistas, tecnocratas, políticos e empresários. Impõe-se uma avaliação prospectiva baseada no princípio da precaução e que contemple, além dos aspectos técnicos e financeiros, a necessidade inadiável de superar a situação de desigualdade e o processo de deterioração do meio ambiente.
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/
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