Será que temos o que comemorar?
Artigo de Eugenia Zerbini
Estão comprometidas as alegrias das vitórias conquistadas a partir daquela marcha de mulheres há 150 anos.
Eugenia Zerbini, advogada, mestre e doutora em Direito, é escritora, autora do romance "As Netas da Ema" (vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2004). Artigo publicado na “Folha de SP”:
Vários eventos que se encadearam ao longo do último ano levam a perguntar se as mulheres brasileiras têm realmente o que celebrar hoje, Dia Internacional da Mulher.
Tanto no plano público quanto no privado, se encontram comprometidas as alegrias das vitórias conquistadas a partir daquela marcha de mulheres trabalhadoras na luta pela limitação das jornadas de 12 horas nos teares de Nova York, há exatamente 150 anos.
Principalmente, seqüestra o brilho da data o luto carregado por tantas mães, irmãs e filhas que perderam entes queridos em conseqüência da violência que se tornou rotineira nos noticiários dos últimos 12 meses.
Não há festejo que faça esquecer a dor da perda violenta de um familiar, ainda mais se filho ou filha, como também não faz sentido ver a família submetida a agressões cotidianas que, se não tiram a vida da vítima, a incapacitam de modo definitivo.
Esse luto é agravado pela falta de sentido dessas mortes e agressões, uma vez que tais tragédias, por mais abomináveis que pareçam, perderão a grandeza em pouco tempo, devido não só à ocorrência de outros atos que as suplantarão em horror mas também à impunidade de seus autores.
A falta de punição não é só para a violência. Vai além: parece não haver sanção para as irregularidades praticadas em todas as instâncias públicas.
Em meio à impunidade, que padrões éticos e morais empregar na educação dos filhos, se o exemplo é fundamental na formação do caráter?
Mulheres têm apreço à educação, uma vez que foi graças a ela que tiveram acesso à vida emancipada. Além da formação moral, atualmente entra na berlinda a educação formal.
Diante dos resultados lastimáveis veiculados recentemente sobre o estado do ensino no Brasil, se revelou a dificuldade de nossas escolas em dar preparo adequado para crianças e jovens para que eles possam um dia ocupar um lugar digno no mundo.
Segurança, educação, honestidade e lisura com a coisa pública, em que pesem todas as conseqüências desses conceitos em nossas vidas privadas, são assuntos a serem tratados por meio de políticas públicas, quer fora dos partidos (por meio da pressão de organizações não-governamentais, por exemplo), quer dentro deles.
Nesse ponto, cabe lembrar que, embora a lei reserve em cada partido a cota de 30% para a candidatura de mulheres, o número parece não ter sido cumprido nas últimas eleições pela ausência de interesse feminino.
Na esfera privada, a fraseologia do mercado invadiu as relações familiares, roubando a linguagem do afeto, a única em que ela deveria se basear.
Mulheres são aconselhadas a investir de modo equânime nos relacionamentos com marido e filhos, esquecendo-se que, quando se investe, se pensa em lucros, quando se ama, no ganho do outro.
Somos, ainda, advertidas para negociar crises familiares dentro de padrões gerenciais, dentro dos quais, infelizmente, não existe, por exemplo, a palavra compaixão.
Por outro lado, o conhecimento médico descobriu que nossos corpos diferem estruturalmente dos masculinos, e não apenas pelo aparelho reprodutor.
Hoje, fala-se em medicina de gênero, o que certamente trará descobertas positivas para as mulheres, implicando aumento da expectativa de vida, já maior que a masculina.
Viveremos muito mais, mas ocultando paradoxalmente nossas idades, uma vez que a sociedade -nela incluído o mercado de trabalho- exige aparências eternamente jovens.
Os padrões são tão idealizados que até as mais jovens têm problemas, sacrificando a vida em nome de cânones estéticos impostos, como comprovam as mortes das jovens por anorexia no decorrer do ano passado.
Além de o Brasil estar entre os maiores consumidores do mundo de remédios inibidores de apetite, está entre os campeões em números de cirurgias plásticas estéticas, refletindo a insatisfação feminina com sua aparência, em detrimento da valorização de outras facetas de um todo que deveria transcendê-la.
Por fim, de acordo com uma visão simbólica, a matéria ("mater") sempre foi ligada ao feminino que hoje se comemora.
Com o masculino relacionou-se o espírito (logos). Pelo desenvolvimento deste último, traduzido em conhecimento científico, e por sua aliança a um desenfreado interesse econômico, a integridade da matéria foi colocada em perigo.
Em outras palavras, é o alerta do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática).
Por isso, é pela matéria que se irá lutar pela implantação das reformas necessárias para a salvaguarda das condições de vida saudável na Terra e pela reversão do efeito estufa, ao qual se atribuem as mudanças no clima.
Aproveitando essa movimentação, se abre a janela para o relançamento do movimento de mulheres, resgatando aqueles passos pioneiros de 1857.
Isso acontecendo, teremos chances de saber o que comemorar no ano que vem. E nos próximos.
(Folha de SP, 8/3)
Fonte: JC e-mail 3218, de 08 de Março de 2007.
Estão comprometidas as alegrias das vitórias conquistadas a partir daquela marcha de mulheres há 150 anos.
Eugenia Zerbini, advogada, mestre e doutora em Direito, é escritora, autora do romance "As Netas da Ema" (vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2004). Artigo publicado na “Folha de SP”:
Vários eventos que se encadearam ao longo do último ano levam a perguntar se as mulheres brasileiras têm realmente o que celebrar hoje, Dia Internacional da Mulher.
Tanto no plano público quanto no privado, se encontram comprometidas as alegrias das vitórias conquistadas a partir daquela marcha de mulheres trabalhadoras na luta pela limitação das jornadas de 12 horas nos teares de Nova York, há exatamente 150 anos.
Principalmente, seqüestra o brilho da data o luto carregado por tantas mães, irmãs e filhas que perderam entes queridos em conseqüência da violência que se tornou rotineira nos noticiários dos últimos 12 meses.
Não há festejo que faça esquecer a dor da perda violenta de um familiar, ainda mais se filho ou filha, como também não faz sentido ver a família submetida a agressões cotidianas que, se não tiram a vida da vítima, a incapacitam de modo definitivo.
Esse luto é agravado pela falta de sentido dessas mortes e agressões, uma vez que tais tragédias, por mais abomináveis que pareçam, perderão a grandeza em pouco tempo, devido não só à ocorrência de outros atos que as suplantarão em horror mas também à impunidade de seus autores.
A falta de punição não é só para a violência. Vai além: parece não haver sanção para as irregularidades praticadas em todas as instâncias públicas.
Em meio à impunidade, que padrões éticos e morais empregar na educação dos filhos, se o exemplo é fundamental na formação do caráter?
Mulheres têm apreço à educação, uma vez que foi graças a ela que tiveram acesso à vida emancipada. Além da formação moral, atualmente entra na berlinda a educação formal.
Diante dos resultados lastimáveis veiculados recentemente sobre o estado do ensino no Brasil, se revelou a dificuldade de nossas escolas em dar preparo adequado para crianças e jovens para que eles possam um dia ocupar um lugar digno no mundo.
Segurança, educação, honestidade e lisura com a coisa pública, em que pesem todas as conseqüências desses conceitos em nossas vidas privadas, são assuntos a serem tratados por meio de políticas públicas, quer fora dos partidos (por meio da pressão de organizações não-governamentais, por exemplo), quer dentro deles.
Nesse ponto, cabe lembrar que, embora a lei reserve em cada partido a cota de 30% para a candidatura de mulheres, o número parece não ter sido cumprido nas últimas eleições pela ausência de interesse feminino.
Na esfera privada, a fraseologia do mercado invadiu as relações familiares, roubando a linguagem do afeto, a única em que ela deveria se basear.
Mulheres são aconselhadas a investir de modo equânime nos relacionamentos com marido e filhos, esquecendo-se que, quando se investe, se pensa em lucros, quando se ama, no ganho do outro.
Somos, ainda, advertidas para negociar crises familiares dentro de padrões gerenciais, dentro dos quais, infelizmente, não existe, por exemplo, a palavra compaixão.
Por outro lado, o conhecimento médico descobriu que nossos corpos diferem estruturalmente dos masculinos, e não apenas pelo aparelho reprodutor.
Hoje, fala-se em medicina de gênero, o que certamente trará descobertas positivas para as mulheres, implicando aumento da expectativa de vida, já maior que a masculina.
Viveremos muito mais, mas ocultando paradoxalmente nossas idades, uma vez que a sociedade -nela incluído o mercado de trabalho- exige aparências eternamente jovens.
Os padrões são tão idealizados que até as mais jovens têm problemas, sacrificando a vida em nome de cânones estéticos impostos, como comprovam as mortes das jovens por anorexia no decorrer do ano passado.
Além de o Brasil estar entre os maiores consumidores do mundo de remédios inibidores de apetite, está entre os campeões em números de cirurgias plásticas estéticas, refletindo a insatisfação feminina com sua aparência, em detrimento da valorização de outras facetas de um todo que deveria transcendê-la.
Por fim, de acordo com uma visão simbólica, a matéria ("mater") sempre foi ligada ao feminino que hoje se comemora.
Com o masculino relacionou-se o espírito (logos). Pelo desenvolvimento deste último, traduzido em conhecimento científico, e por sua aliança a um desenfreado interesse econômico, a integridade da matéria foi colocada em perigo.
Em outras palavras, é o alerta do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática).
Por isso, é pela matéria que se irá lutar pela implantação das reformas necessárias para a salvaguarda das condições de vida saudável na Terra e pela reversão do efeito estufa, ao qual se atribuem as mudanças no clima.
Aproveitando essa movimentação, se abre a janela para o relançamento do movimento de mulheres, resgatando aqueles passos pioneiros de 1857.
Isso acontecendo, teremos chances de saber o que comemorar no ano que vem. E nos próximos.
(Folha de SP, 8/3)
Fonte: JC e-mail 3218, de 08 de Março de 2007.
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