Barcelona, a cidade onde ciência rima com cultura
Espanha declara 2007 como “Ano da Ciência”
“Debat la ciencia”. Esse é o novo slogan que há pouco tempo aparece em numerosos cartazes nas ruas, nos ônibus e nas estações de metrô da zona metropolitana da cidade de Barcelona.
Um convite para discutir e debater a ciência, deixando-se envolver pelas numerosas atividades organizadas durante todo o 2007 - que a Espanha declarou oficialmente “Ano da Ciência”.
Gemma Revuelta de la Poza, diretora da Promoção de Cultura científica do Instituto de Cultura da Prefeitura de Barcelona, explica o programa e seus bastidores:
- Por que dedicar este ano à ciência, se há tão pouco tempo, em 2005, foi celebrado em todo o mundo o Ano da Física, e em particular uma homenagem a um dos cientistas mais conhecidos, Albert Einstein?
A idéia de celebrar o ano da ciência nasceu há alguns anos aqui mesmo, em Barcelona. E com muito trabalho conseguimos gerar tanto entusiasmo que, no fim, convencemos até mesmo Zapatero [presidente da Espanha]. De fato, recentemente, o governo central declarou oficialmente 2007 como Ano da Ciência em toda a Espanha. Para entender melhor a origem dessa iniciativa é preciso saber que Barcelona tem uma longa tradição em “O ano de...” que começou em 2000. A partir daquele ano, o Departamento de Cultura da cidade começou a organizar anos temáticos, normalmente dedicados à arte, à arquitetura ou a personagens famosos como Salvador Dalí ou Joan Miró. Desde o princípio, eu e outras pessoas envolvidas no setor, como Vladimir de Semir, que é o verdadeiro fundador e principal realizador, tentamos defender que a ciência também é cultura e, por isso, deveria ser parte desse tipo de celebração. O resultado foi fantástico. O Ano da Ciência de Barcelona não é organizado só pela comunidade científica, mas principalmente pelas mesmas pessoas que há muitos anos se ocupam da arte, do cinema, do teatro e do carnaval. Conseguimos basear-nos sobre um grande sistema de difusão cultural, próximo ao público, e fazendo com que as pessoas do mundo artístico aceitassem o desafio de, pela primeira vez, se aproximar à ciência.
- É por isso que, no programa Barcelona Ciència 2007, há tantas atividades em teatros e museus de arte e até mesmo nas famosas casas históricas de Antoni Gaudí?
Sim, será possível assistir, por exemplo, a um espetáculo de dança sobre as ciências cognitivas, isto é, sobre como a biologia, nos dias de hoje, explica ou procura explicar algumas funções cognitivas como a memória ou as emoções. Ou mesmo uma comédia teatral sobre clonagem. Para quem é apaixonado pela arte, em La Pedrera, uma das casas mais famosas de Gaudí, haverá uma sessão dedicada à matemática que se esconde em todas as obras desse impressionante artista e arquiteto.
- Como vocês conseguiram conciliar tantas atividades de diversos campos, lugares, temas e pessoas?
Foi um trabalho de anos. As primeiras colaborações com o município de Barcelona tiveram início em 1994, quando a administração decidiu criar uma comissão especial dedicada ao estímulo da ciência. Esse foi o primeiro passo na construção de uma verdadeira relação entre a política e a comunidade científica. A comissão se ocupava da criação e do desenvolvimento de novas instituições científicas e da promoção e difusão do conhecimento científico e tecnológico, entre os cidadãos. Foram iniciadas, assim, as primeiras exposições, os primeiros contatos com o mundo do teatro e da arte e os primeiros encontros públicos envolvendo a população. Em 2003, as atividades de divulgação foram absorvidas pelo atual Instituto de Cultura, sempre de propriedade da prefeitura. Esse passo foi muito importante porque o instituto é uma estrutura com grande experiência no campo da difusão da cultura e desde sempre trabalhou em contato com o público. Junto ao Instituto de Cultura foi decidido, como ponto de partida, dedicar finalmente um ano à ciência. Por que em 2007? Porque nós comemoramos três centenários muito importantes: o de Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de Medicina em 1906 pelas suas descobertas sobre o funcionamento das células nervosas; e o nascimento de duas realidades que estão entre as principais propulsoras da pesquisa científica na Catalunha, o Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) e o Instituto de Estudos Catalães (IEC).
- E a comunidade científica? Deixou-se envolver por essa iniciativa?
Devo admitir que, no começo, eles ficaram um pouco desconfiados. A reação freqüente era “eu devo fazer pesquisa, não tenho tempo para essas coisas”. Com o passar dos anos o comportamento mudou muito. Ficou mais claro que as pessoas têm o direito de saber sobre o que se pesquisa e esse conhecimento é fundamental porque a própria pesquisa será mais aceita e apoiada. A ciência, à primeira vista, não está entre as prioridades dos cidadãos, não é a primeira coisa na qual queiram investir dinheiro púbico. Por isso, é importante explicar para que serve; para que se possa entender a importância para o progresso social e individual. Em pouco tempo, muitos cientistas se deixaram envolver e até se apaixonar pela divulgação. No final, um pesquisador trabalhou meses em contato próximo com um coreógrafo para criar um espetáculo de dança.
- Vocês pensaram também na didática?
Muitos eventos terão lugar nas bibliotecas, como por exemplo, os cafés científicos. Nós organizamos muitos, sobretudo nas bibliotecas dos distritos da periferia, para aproximar-nos das pessoas, para que nem tudo fosse concentrado no centro da cidade, e com uma fórmula ainda particular. Não há apresentações. Somente poucas palavras para apresentar os cientistas que estão sentados em mesas, entre as pessoas. Depois, as pessoas começam a fazer perguntas, para quebrar o gelo. Às vezes, são os próprios cientistas que começam a formular perguntas ao vizinho. Isso serve para eliminar totalmente o padrão “cientistas x leigos”, para incentivar o diálogo. Freqüentemente, gosto de citar uma frase que diz: “todos somos ignorantes, mas por sorte, nem todos ignoramos as mesmas coisas”. Além disso, obviamente, envolvemos escolas, num programa chamado “Escolab”. A idéia de fundo é que, na escola, é muito difícil explicar como se faz pesquisa hoje em dia. Transmitir a idéia que um cientista não tem que estar num laboratório. Às vezes, ele simplesmente está sentado numa escrivaninha em frente ao seu computador o dia todo ou vai à montanha para analisar a flora e a fauna. Por isso, montamos um sistema de visitas aos principais centros de pesquisa da região. Pela primeira vez, criamos uma plataforma estruturada, na qual participam hoje mais de 100 institutos e empresas, que organizaram quase 300 atividades para a visita de grupos de estudantes.
- Uma curiosidade. Se você pudesse dar um conselho às pessoas que querem passar um fim de semana ou um dia qualquer na ensolarada Barcelona, o que elas deveriam escolher entre tantas alternativas do programa?
Haverá alguns grandes eventos. Por exemplo, em março, estamos organizando duas jornadas de grandes shows no principal parque da cidade, o Parque da Ciudatella. Haverá muita música para envolver os jovens e todas dedicadas à ciência. Em seguida, acontecerão eventos particulares durante as festas mais importantes da cidade, como a festa da Mercè que acontecerá em setembro. Para aqueles que querem visitar Barcelona em breve, aconselho um itinerário belíssimo que será feito todos os sábados de cada mês até junho. Trata-se de quatro horas de passeio (das 10h às 13h30) através de alguns lugares normalmente impossíveis de visitar e que têm uma relevância científica. Partiremos das ruínas romanas da catedral, que têm muita importância na distribuição da água na cidade; passando através do bairro judeu, onde foram introduzidos os primeiros banhos públicos. Passaremos ainda por La Rambla, a rua mais famosa, onde nasce uma fonte de água particularmente matemática, até chegarmos ao Jardim Botânico. No final do passeio, em frente à praia, descobriremos o nosso próprio DNA. Resumindo, será uma viagem interessante dos antigos romanos à genética.
(Entrevista realizada por Marzia Mazzonetto, jornalista italiana e doutoranda em Comunicação Pública na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. O trabalho foi gentilmente cedido pelo site ulisse.sissa.it/ da Sissa Medialab, da Scuola Internazionale Superiore di Studi Avanzati de Trieste, Itália. Tradução: Diogo Lopes de Oliveira)
(Gestão C&T, nº 578)
Fonte: JC e-mail 3214, de 02 de março de 2007.
“Debat la ciencia”. Esse é o novo slogan que há pouco tempo aparece em numerosos cartazes nas ruas, nos ônibus e nas estações de metrô da zona metropolitana da cidade de Barcelona.
Um convite para discutir e debater a ciência, deixando-se envolver pelas numerosas atividades organizadas durante todo o 2007 - que a Espanha declarou oficialmente “Ano da Ciência”.
Gemma Revuelta de la Poza, diretora da Promoção de Cultura científica do Instituto de Cultura da Prefeitura de Barcelona, explica o programa e seus bastidores:
- Por que dedicar este ano à ciência, se há tão pouco tempo, em 2005, foi celebrado em todo o mundo o Ano da Física, e em particular uma homenagem a um dos cientistas mais conhecidos, Albert Einstein?
A idéia de celebrar o ano da ciência nasceu há alguns anos aqui mesmo, em Barcelona. E com muito trabalho conseguimos gerar tanto entusiasmo que, no fim, convencemos até mesmo Zapatero [presidente da Espanha]. De fato, recentemente, o governo central declarou oficialmente 2007 como Ano da Ciência em toda a Espanha. Para entender melhor a origem dessa iniciativa é preciso saber que Barcelona tem uma longa tradição em “O ano de...” que começou em 2000. A partir daquele ano, o Departamento de Cultura da cidade começou a organizar anos temáticos, normalmente dedicados à arte, à arquitetura ou a personagens famosos como Salvador Dalí ou Joan Miró. Desde o princípio, eu e outras pessoas envolvidas no setor, como Vladimir de Semir, que é o verdadeiro fundador e principal realizador, tentamos defender que a ciência também é cultura e, por isso, deveria ser parte desse tipo de celebração. O resultado foi fantástico. O Ano da Ciência de Barcelona não é organizado só pela comunidade científica, mas principalmente pelas mesmas pessoas que há muitos anos se ocupam da arte, do cinema, do teatro e do carnaval. Conseguimos basear-nos sobre um grande sistema de difusão cultural, próximo ao público, e fazendo com que as pessoas do mundo artístico aceitassem o desafio de, pela primeira vez, se aproximar à ciência.
- É por isso que, no programa Barcelona Ciència 2007, há tantas atividades em teatros e museus de arte e até mesmo nas famosas casas históricas de Antoni Gaudí?
Sim, será possível assistir, por exemplo, a um espetáculo de dança sobre as ciências cognitivas, isto é, sobre como a biologia, nos dias de hoje, explica ou procura explicar algumas funções cognitivas como a memória ou as emoções. Ou mesmo uma comédia teatral sobre clonagem. Para quem é apaixonado pela arte, em La Pedrera, uma das casas mais famosas de Gaudí, haverá uma sessão dedicada à matemática que se esconde em todas as obras desse impressionante artista e arquiteto.
- Como vocês conseguiram conciliar tantas atividades de diversos campos, lugares, temas e pessoas?
Foi um trabalho de anos. As primeiras colaborações com o município de Barcelona tiveram início em 1994, quando a administração decidiu criar uma comissão especial dedicada ao estímulo da ciência. Esse foi o primeiro passo na construção de uma verdadeira relação entre a política e a comunidade científica. A comissão se ocupava da criação e do desenvolvimento de novas instituições científicas e da promoção e difusão do conhecimento científico e tecnológico, entre os cidadãos. Foram iniciadas, assim, as primeiras exposições, os primeiros contatos com o mundo do teatro e da arte e os primeiros encontros públicos envolvendo a população. Em 2003, as atividades de divulgação foram absorvidas pelo atual Instituto de Cultura, sempre de propriedade da prefeitura. Esse passo foi muito importante porque o instituto é uma estrutura com grande experiência no campo da difusão da cultura e desde sempre trabalhou em contato com o público. Junto ao Instituto de Cultura foi decidido, como ponto de partida, dedicar finalmente um ano à ciência. Por que em 2007? Porque nós comemoramos três centenários muito importantes: o de Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de Medicina em 1906 pelas suas descobertas sobre o funcionamento das células nervosas; e o nascimento de duas realidades que estão entre as principais propulsoras da pesquisa científica na Catalunha, o Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) e o Instituto de Estudos Catalães (IEC).
- E a comunidade científica? Deixou-se envolver por essa iniciativa?
Devo admitir que, no começo, eles ficaram um pouco desconfiados. A reação freqüente era “eu devo fazer pesquisa, não tenho tempo para essas coisas”. Com o passar dos anos o comportamento mudou muito. Ficou mais claro que as pessoas têm o direito de saber sobre o que se pesquisa e esse conhecimento é fundamental porque a própria pesquisa será mais aceita e apoiada. A ciência, à primeira vista, não está entre as prioridades dos cidadãos, não é a primeira coisa na qual queiram investir dinheiro púbico. Por isso, é importante explicar para que serve; para que se possa entender a importância para o progresso social e individual. Em pouco tempo, muitos cientistas se deixaram envolver e até se apaixonar pela divulgação. No final, um pesquisador trabalhou meses em contato próximo com um coreógrafo para criar um espetáculo de dança.
- Vocês pensaram também na didática?
Muitos eventos terão lugar nas bibliotecas, como por exemplo, os cafés científicos. Nós organizamos muitos, sobretudo nas bibliotecas dos distritos da periferia, para aproximar-nos das pessoas, para que nem tudo fosse concentrado no centro da cidade, e com uma fórmula ainda particular. Não há apresentações. Somente poucas palavras para apresentar os cientistas que estão sentados em mesas, entre as pessoas. Depois, as pessoas começam a fazer perguntas, para quebrar o gelo. Às vezes, são os próprios cientistas que começam a formular perguntas ao vizinho. Isso serve para eliminar totalmente o padrão “cientistas x leigos”, para incentivar o diálogo. Freqüentemente, gosto de citar uma frase que diz: “todos somos ignorantes, mas por sorte, nem todos ignoramos as mesmas coisas”. Além disso, obviamente, envolvemos escolas, num programa chamado “Escolab”. A idéia de fundo é que, na escola, é muito difícil explicar como se faz pesquisa hoje em dia. Transmitir a idéia que um cientista não tem que estar num laboratório. Às vezes, ele simplesmente está sentado numa escrivaninha em frente ao seu computador o dia todo ou vai à montanha para analisar a flora e a fauna. Por isso, montamos um sistema de visitas aos principais centros de pesquisa da região. Pela primeira vez, criamos uma plataforma estruturada, na qual participam hoje mais de 100 institutos e empresas, que organizaram quase 300 atividades para a visita de grupos de estudantes.
- Uma curiosidade. Se você pudesse dar um conselho às pessoas que querem passar um fim de semana ou um dia qualquer na ensolarada Barcelona, o que elas deveriam escolher entre tantas alternativas do programa?
Haverá alguns grandes eventos. Por exemplo, em março, estamos organizando duas jornadas de grandes shows no principal parque da cidade, o Parque da Ciudatella. Haverá muita música para envolver os jovens e todas dedicadas à ciência. Em seguida, acontecerão eventos particulares durante as festas mais importantes da cidade, como a festa da Mercè que acontecerá em setembro. Para aqueles que querem visitar Barcelona em breve, aconselho um itinerário belíssimo que será feito todos os sábados de cada mês até junho. Trata-se de quatro horas de passeio (das 10h às 13h30) através de alguns lugares normalmente impossíveis de visitar e que têm uma relevância científica. Partiremos das ruínas romanas da catedral, que têm muita importância na distribuição da água na cidade; passando através do bairro judeu, onde foram introduzidos os primeiros banhos públicos. Passaremos ainda por La Rambla, a rua mais famosa, onde nasce uma fonte de água particularmente matemática, até chegarmos ao Jardim Botânico. No final do passeio, em frente à praia, descobriremos o nosso próprio DNA. Resumindo, será uma viagem interessante dos antigos romanos à genética.
(Entrevista realizada por Marzia Mazzonetto, jornalista italiana e doutoranda em Comunicação Pública na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. O trabalho foi gentilmente cedido pelo site ulisse.sissa.it/ da Sissa Medialab, da Scuola Internazionale Superiore di Studi Avanzati de Trieste, Itália. Tradução: Diogo Lopes de Oliveira)
(Gestão C&T, nº 578)
Fonte: JC e-mail 3214, de 02 de março de 2007.
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