Mudança de clima
Artigo de Marcelo Leite.
Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia.
Inequivocamente, mudou o clima em relação ao aquecimento global. Caiu na boca do povo, como se diz. Muita gente falando de como o verão está quente "por causa do buraco do ozônio"... quando o coitado não tem nada a ver com a história.
Até o diligente Senado Federal brasileiro estuda criar uma subcomissão sobre aquecimento global (que pode ser entregue ao ex-presidente Fernando Collor) e uma Comissão Permanente de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Também na Câmara dos Deputados ocorreram na semana que passou vários movimentos em torno da constelação ciência-ambiente. E não parece que tenham sido só para honrar faturas políticas emitidas durante a eleição para as presidências das duas Casas, quer dizer, acomodar correligionários e eleitores. O presidente Lula se pôs a falar sobre mudança climática, depois de ter silenciado sobre temas ambientais no famigerado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O chanceler Celso Amorim, igualmente, descobriu a Amazônia. Ambos sob o prisma gasto do conflito Norte-Sul, mas vá lá.
Tudo isso tem alguma coisa a ver com a divulgação em Paris, há nove dias, da base científica do quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Um milhar de jornalistas acorreu à Cidade Luz, que apagou a Torre Eiffel por alguns minutos, um gesto em respeito ao clima do planeta. A súmula produzida por centenas de pesquisadores e delegados de dezenas de países, sob a bandeira da ONU, disse que o aquecimento global é inequívoco. E que a responsabilidade cabe à espécie humana, com mais de 90% de certeza.
A popularização do tema tem muito a ver com o circo de Paris, sim, mas falta alguma coisa. Para quem descobriu o assunto há 18 anos, em 1988 (ano em que a Amazônia ardeu e Chico Mendes foi morto), chega a ser frustrante. Não dá para entender. Toneladas de tinta foram jogadas no papel, por duas décadas, para mostrar ao público o que acontecia. Uma pequena parte, certo, para tentar provar que nada estava acontecendo. Só caíram nessa os cínicos fantasiados de céticos e os jornalistas americanos acometidos de equilibrismo, doença infantil do pluralismo.
Como tudo que é complicado e chato, o aquecimento global entrava por um ouvido do público e saía pelo outro. Não havia armas fumegantes. Agora vem o IPCC, pronuncia a palavra "inequívoco", e todo mundo sai esbaforido gritando que o mundo vai acabar amanhã -quer dizer, em 2100. Não é nada disso. O mundo não vai acabar amanhã nem em 2100. Só está esquentando, devagar, há tempos. Desde 1850. E por causa de leis da física que valem tanto quanto a da gravidade. Só que ninguém dava ouvidos aos ecochatos, nerds e inimigos do desenvolvimento econômico.
Será tudo culpa -ou mérito- de Al Gore? O documentário por ele estrelado, "Uma Verdade Inconveniente", decerto terá exercido alguma influência. Pouca. Em São Paulo foi exibido em salas minúsculas, que nem chegavam a lotar com os pré-convertidos que aplaudiam no final a confirmação do que já pensavam. Verões e invernos esquisitos, no sul e no norte do globo, tampouco se qualificam como arma fumegante da mudança do clima sobre o clima. Houve outros, mesmo neste breve século 21, sem que ninguém sentisse calores. Onda de calor na Europa? O tsunami não, embora alguns achem que sim. Katrina e Catarina, talvez. A seca na Amazônia. Quem sabe o urso polar, sem gelo para pisar no Ártico. Sei lá.
Fonte: Folha de SP, Mais!, 11/02/2007. (Folha de SP, para assinantes.)
Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia.
Inequivocamente, mudou o clima em relação ao aquecimento global. Caiu na boca do povo, como se diz. Muita gente falando de como o verão está quente "por causa do buraco do ozônio"... quando o coitado não tem nada a ver com a história.
Até o diligente Senado Federal brasileiro estuda criar uma subcomissão sobre aquecimento global (que pode ser entregue ao ex-presidente Fernando Collor) e uma Comissão Permanente de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Também na Câmara dos Deputados ocorreram na semana que passou vários movimentos em torno da constelação ciência-ambiente. E não parece que tenham sido só para honrar faturas políticas emitidas durante a eleição para as presidências das duas Casas, quer dizer, acomodar correligionários e eleitores. O presidente Lula se pôs a falar sobre mudança climática, depois de ter silenciado sobre temas ambientais no famigerado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O chanceler Celso Amorim, igualmente, descobriu a Amazônia. Ambos sob o prisma gasto do conflito Norte-Sul, mas vá lá.
Tudo isso tem alguma coisa a ver com a divulgação em Paris, há nove dias, da base científica do quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Um milhar de jornalistas acorreu à Cidade Luz, que apagou a Torre Eiffel por alguns minutos, um gesto em respeito ao clima do planeta. A súmula produzida por centenas de pesquisadores e delegados de dezenas de países, sob a bandeira da ONU, disse que o aquecimento global é inequívoco. E que a responsabilidade cabe à espécie humana, com mais de 90% de certeza.
A popularização do tema tem muito a ver com o circo de Paris, sim, mas falta alguma coisa. Para quem descobriu o assunto há 18 anos, em 1988 (ano em que a Amazônia ardeu e Chico Mendes foi morto), chega a ser frustrante. Não dá para entender. Toneladas de tinta foram jogadas no papel, por duas décadas, para mostrar ao público o que acontecia. Uma pequena parte, certo, para tentar provar que nada estava acontecendo. Só caíram nessa os cínicos fantasiados de céticos e os jornalistas americanos acometidos de equilibrismo, doença infantil do pluralismo.
Como tudo que é complicado e chato, o aquecimento global entrava por um ouvido do público e saía pelo outro. Não havia armas fumegantes. Agora vem o IPCC, pronuncia a palavra "inequívoco", e todo mundo sai esbaforido gritando que o mundo vai acabar amanhã -quer dizer, em 2100. Não é nada disso. O mundo não vai acabar amanhã nem em 2100. Só está esquentando, devagar, há tempos. Desde 1850. E por causa de leis da física que valem tanto quanto a da gravidade. Só que ninguém dava ouvidos aos ecochatos, nerds e inimigos do desenvolvimento econômico.
Será tudo culpa -ou mérito- de Al Gore? O documentário por ele estrelado, "Uma Verdade Inconveniente", decerto terá exercido alguma influência. Pouca. Em São Paulo foi exibido em salas minúsculas, que nem chegavam a lotar com os pré-convertidos que aplaudiam no final a confirmação do que já pensavam. Verões e invernos esquisitos, no sul e no norte do globo, tampouco se qualificam como arma fumegante da mudança do clima sobre o clima. Houve outros, mesmo neste breve século 21, sem que ninguém sentisse calores. Onda de calor na Europa? O tsunami não, embora alguns achem que sim. Katrina e Catarina, talvez. A seca na Amazônia. Quem sabe o urso polar, sem gelo para pisar no Ártico. Sei lá.
Fonte: Folha de SP, Mais!, 11/02/2007. (Folha de SP, para assinantes.)
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