07 agosto 2008

Especiais

Teoria e aplicação

7/8/2008

Por Fábio Reynol, de Campinas (SP)


Agência FAPESP – Muitas vezes encarada como uma grande área do conhecimento “pouco científica”, as ciências sociais têm muito a contribuir para o desenvolvimento científico no Brasil e no mundo, tanto por suas construções teóricas como por suas aplicações práticas.

Essa foi a tônica de uma mesa-redonda que reuniu especialistas no assunto no 6º Encontro da Sociedade Brasileira de Ciência Política, realizado na semana passada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IELTS), abriu o debate apresentando uma pesquisa realizada em quatro países, entre eles o Brasil. Foi um levantamento entre grupos de pesquisa em ciências sociais sobre a possibilidade de combinar pesquisa acadêmica de qualidade com pesquisa aplicada relevante do ponto de vista social. A resposta foi negativa na maior parte dos casos.

Para Schwartzman a ciência pura não resulta necessariamente em ganhos práticos para a sociedade. “É freqüente que se invista na pesquisa acadêmica esperando que ela um dia vá gerar resultado prático, mas isso traz dificuldades”, afirmou.

Entre os fatores responsáveis pela falta de efeitos práticos de muitas pesquisas, Schwartzman apontou o sistema de avaliação da produção científica que, para ele, apesar de importante, precisa ser revisto. “Como a avaliação dá ênfase à abordagem acadêmica, acabamos deixando a desejar no lado da aplicação prática”, disse.

Para ele, o modelo de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por exemplo, deve ser repensado, uma vez que “o imenso crescimento da produção científica brasileira não tem se traduzido em benefício para a sociedade”.

Um dos problemas com o modelo de avaliação da Capes, segundo Schwartzman, é que ele está associado às ciências “mais puras”, como química ou física, e “há distorções quando é aplicado às ciências humanas”.

Outro ponto a ser revisto, segundo ele, é o fato de o modelo em vigor não conseguir abranger a multidisciplinaridade vigente na pesquisa científica atual. “Não podemos usar uma camisa-de-força para abarcar tudo o que temos hoje”, destacou.

Realidade mais complexa

Rubem George Oliven, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), chamou a atenção para o aumento da complexidade do mundo contemporâneo, o que torna o trabalho das ciências sociais muito mais difícil.

“Há algumas décadas os cursos de ciências sociais conseguiam dar conta da realidade. Hoje isso não é mais possível, porque a realidade ficou bem mais complexa”, disse o também professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Oliven apontou uma internacionalização da pesquisa brasileira em ciências sociais. África, países vizinhos e até o distante Timor Leste, na Oceania, já são alvos dos cientistas sociais brasileiros. Mas apontou uma barreira para a internacionalização da pesquisa brasileira em ciências humanas: a língua.

Se, por um lado, a maioria dos cientistas sociais brasileiros escreve em português, limitando a disseminação de seu trabalho pelo mundo, de outro, escrever em inglês poderia afetar o estilo próprio, o que é muito mais determinante nas ciências sociais do que nas outras. “Um artigo de física ou química é muito diferente de um de sociologia. Poderíamos perder o nosso estilo ao escrever em inglês”, disse.

Wrana Maria Panizzi, vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concordou com a queixa dos pesquisadores presentes em relação aos poucos recursos para a área. “Os recursos para as ciências sociais são realmente menores, mas crescentes”, disse.

Panizzi apresentou os projetos e visões da entidade e revelou pontos que considera importantes para o desenvolvimento do país e que dependem do trabalho do cientista social, como as novas relações de trabalho, o problema da educação, a violência, as novas estruturas rurais, as organizações sociais, a emancipação feminina e a inclusão social.


Missão da universidade

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, salientou que o modelo da universidade pública é muitas vezes visto com um certo “utilitarismo tecnológico” com duas vertentes básicas: uma de direita, que defende o papel das universidades como geradoras de inovação para as empresas; e outra de esquerda, que vê a instituição pública como geradora de conhecimento para redução da pobreza.

“Não devemos perder de vista que o grande impacto que uma universidade tem em uma sociedade não vem das descobertas científicas feitas lá, mas dos estudantes que são educados na instituição”, afirmou.

Brito Cruz criticou um ranking de universidades chinesas que contabiliza números de artigos, prêmios recebidos, impactos das pesquisas, mas não cita quantos alunos são formados por aquelas instituições. Para ele, as instituições de pesquisa governamentais com missão dirigida, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e o Instituto Agronômico de Campinas, por exemplo, são os locais mais privilegiados para o desenvolvimento da pesquisa aplicada.

“A missão das universidades é a educação com apoio da pesquisa. Claro que é importante que essa pesquisa tenha aplicações quando puder, mas não podemos avaliar a universidade pelas descobertas que ela vai gerar”, afirmou.

Brito Cruz apontou três relevâncias da ciência moderna que são importantes para a sociedade e chamou a atenção para a última. “A ciência, por meio de suas descobertas, pode deixar o cidadão mais rico. Ela também pode deixar o cidadão mais saudável. Mas a terceira relevância, mais significativa e freqüentemente esquecida, é fazer o ser humano ficar mais sábio”, disse.

Fonte: Agência FAPESP, 07/08/2008.

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