Entrevistas
Inovação desprotegida
25/6/2008
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Consultor internacional e pesquisador da área de transferência e comercialização de tecnologia, Robert Sherwood dedicou as últimas duas décadas à investigação do papel da propriedade intelectual em países em desenvolvimento.
Na última terça-feira (24/6), o norte-americano, um dos especialistas internacionais consultados para a elaboração da Lei de Inovação brasileira, apresentou, na sede da FAPESP, a palestra Successful commercialization of university and government-sourced technology: pitfalls and opportunities ("Comercialização bem-sucedida de tecnologia apoiada por governo e universidade: armadilhas e oportunidades").
Em entrevista à Agência FAPESP, o consultor afirmou que a ciência produzida no Brasil tem alta qualidade, mas não resulta em produtos comerciais com freqüência por não atrair investidores privados globais. E o que afasta esses investimentos é a fragilidade do sistema brasileiro de propriedade intelectual.
Sherwood, que estudou no Harvard College, na Escola de Direito da Universidade Harvard e na Universidade Colúmbia, atuou na área de direito internacional e conduziu um diagnóstico de sistemas de propriedade intelectual na América Latina para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A experiência levou à criação de um modelo numérico de análise que permite avaliar sistemas de propriedade intelectual nacionais a partir da perspectiva de investidores privados. A abordagem foi aplicada a 18 países em desenvolvimento. Sherwood diz ter feito mais de 150 visitas ao Brasil desde 1972. Atualmente, visita o país três vezes ao ano.
Agência FAPESP – Por que o Brasil tem tanta dificuldade para transformar produção científica em inovações inseridas no mercado?
Robert Sherwood – O governo brasileiro investe recursos imensos em pesquisa, o que garante uma ciência de nível internacional. Mas o investimento privado global, necessário para transformar essa produção científica e tecnológica em produtos, não chega ao país. Os investidores globais relutam em colocar dinheiro no Brasil
Agência FAPESP – Qual é a causa dessa relutância?
Sherwood – Eles conhecem os altos riscos do investimento em inovação e, por isso, não querem colocar recursos em países com um sistema de propriedade intelectual fraco, como é o caso do Brasil. Esses investimentos acabam indo para os Estados Unidos.
Agência FAPESP – Poderia citar alguns dos pontos fracos do sistema brasileiro de propriedade intelectual?
Sherwood – Sem dúvida seria preciso fazer pelo menos alguns ajustes técnicos na Lei de Inovação. Não tenho certeza de qual seria o momento ideal para esses ajustes, mas a lei ainda tem um caráter experimental, dando mais importância à inovação com investimentos estatais do que ao fomento por meio de investimento privado. A exigência de edital para o licenciamento exclusivo de tecnologias desenvolvidas com financiamento do governo também é um ponto a ser revisto. Uma das necessidades mais importantes é uma ampla reestruturação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Lei da Propriedade Industrial também tem artigos confusos.
Agência FAPESP – Como esses problemas afetam a comercialização de tecnologias? Poderia exemplificar?
Sherwood – Algumas das empresas start up, particularmente na área biológica e de saúde, estão lidando com problemas de propriedade intelectual. Digamos que uma empresa brasileira tente fazer avançar uma tecnologia original, proveniente do conhecimento produzido na universidade. É provável – a não ser que se trate de uma tecnologia muito simples – que sua capacidade para comercializar, que passa pelo desenvolvimento do produto ou do processo, exija o acesso a uma outra tecnologia estrangeira. Haverá situações em que o fornecedor dessa tecnologia intermediária se recusará a disponibilizá-la no Brasil, porque ela não será adequadamente protegida aqui. O desenvolvimento das tecnologias por empresas brasileiras será então retardado. Isso é parte dos efeitos invisíveis da fraqueza do sistema de proteção intelectual no Brasil.
Agência FAPESP – Além dos problemas da legislação, pode-se dizer que há obstáculos culturais? O cientista pensa pouco em inovação?
Sherwood – Acho que é muito importante que mais universidades se aproximem da comercialização de tecnologias. Seria fundamental que elas pensassem seus processos de uma maneira nova, entendendo a importância da propriedade intelectual para apoiar a comercialização. Assim elas estariam em posição de agir quando os políticos finalmente se voltarem para os problemas da propriedade intelectual. Em outras palavras, aqueles que estão fazendo invenções no Brasil precisam experimentar um pouco mais o processo de mudar para uma comercialização de sucesso em escala global.
Agência FAPESP – A pesquisa deveria ser mais voltada para o mercado?
Sherwood – Não se trata de ciência voltada exclusivamente para o mercado, mas seria preciso que o cientista tivesse a questão da propriedade intelectual em mente desde o começo de uma pesquisa. Ele poderia, antes de mais nada, verificar nos bancos de patentes internacionais se sua tecnologia não foi patenteada – o que destruiria o possível interesse de investidores. Os cientistas também deveriam ter contato mais próximo com quem entende de propriedade intelectual, para ter em mente que produtos podem ser protegidos. Outro ponto fundamental seria depositar o pedido de patente antes de publicar o artigo científico.
Agência FAPESP – Não há uma tensão entre a necessidade de publicar, para ter credibilidade e conseguir recursos, e a necessidade de proteger as descobertas?
Sherwood – Ambos são importantes. O cientista brasileiro publica muito e isso é importante para fazer avançar o conhecimento. Isso precisa continuar. Mas é preciso buscar patentes e olhar para onde estão os potenciais comerciais, em vez de desperdiçar essas possibilidades. É uma questão de ter certeza de que os pedidos de patente estão terminados antes que o artigo seja publicado. Não vejo incompatibilidade entre publicar e patentear. Assim como não vejo contradição entre ciência básica e ciência aplicada. Mesmo tendo o potencial de mercado em vista, o pesquisador pode fazer descobertas científicas de alta importância.
Agência FAPESP – Quanto o Brasil poderia melhorar seu desempenho de produção tecnológica com uma melhora do sistema de proteção intelectual?
Sherwood – Há muito tempo especialistas em todo o mundo ficam perplexos com o contraste entre a altíssima qualidade da ciência feita no Brasil e a pouca energia que essa produção tão boa coloca na base industrial do país. O potencial é realmente impressionante. E não é preciso muito para consertar essa fraqueza. O custo não é grande. Ao contrário, se o sistema de propriedade intelectual fosse forte o suficiente para trazer investimentos privados, substituindo os investimentos que o governo é forçado a fazer, haveria muito mais recursos públicos para outras partes da economia. Em vez de tentar impulsionar a inovação, esse dinheiro poderia ser remanejado para o sistema de saúde e educação.
Agência FAPESP – O senhor afirmou que a propriedade da patente é uma questão ilusória, que o mais importante é saber quem tem o poder de negociar o licenciamento. Poderia explicar esse ponto de vista?
Sherwood – A propriedade da patente não é de fato a questão crítica. O mais importante é a habilidade para negociar direitos para usar a patente com o investimento privado. Não importa quem seja o dono da patente é preciso eleger alguém que tenha sabedoria, inteligência e que seja uma pessoa de negócios para formular um arranjo no qual o dinheiro vai ser distribuído entre a fonte de recursos original do governo, a universidade, o departamento e o professor ou a equipe que fez o trabalho que gerou joint ventures de pesquisa.
Agência FAPESP – Poderia exemplificar?
Sherwood – Vamos dizer que há uma equipe de Israel em parceria com uma equipe da USP e elas fazem uma importante comercialização de uma nova tecnologia. Temos que ter certeza sobre como vamos distribuir os ganhos dessa comercialização, entre os israelenses e a USP. Geralmente são determinações muito complexas, mas não esperem para definir isso depois de o produto entrar no mercado, ou haverá briga. Desde o início do processo é preciso saber quem vai ficar com dinheiro. E, não importando a quem pertença a patente, será possível nomear alguém que faça a negociação com sabedoria.
Agência FAPESP – Qual a sua opinião sobre as incubadoras de empresas brasileiras? Elas estão conseguindo transferir tecnologia?
Sherwood – O movimento de incubadoras no Brasil tem um crescimento impressionante. A maior parte das universidades hoje têm incubadoras, mas a maioria delas foi criada sem nenhuma preocupação com propriedade intelectual. Poucas das que conheci compreenderam a importância da questão. A de Curitiba, por exemplo, exige que as pequenas empresas ingressantes mostrem sua capacidade de proteção intelectual. Creio que eles têm uma taxa de sucesso maior com suas empresas graduadas. Outras fazem um grande trabalho, mas não têm uma apreciação adequada para propriedade intelectual. Eu soube, por exemplo, de visitas de delegações chinesas a incubadoras brasileiras sem imposição de sigilo. Os chineses tiraram fotos e pediram cópias de diagramas. É um tipo suave de espionagem. Tecnologias brasileiras estariam beneficiando a indústria de base chinesa. Não tenho provas disso, mas é um temor justificável.
Fonte: Agência FAPESP, 25/06/2008.
Inovação desprotegida
25/6/2008
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Consultor internacional e pesquisador da área de transferência e comercialização de tecnologia, Robert Sherwood dedicou as últimas duas décadas à investigação do papel da propriedade intelectual em países em desenvolvimento.
Na última terça-feira (24/6), o norte-americano, um dos especialistas internacionais consultados para a elaboração da Lei de Inovação brasileira, apresentou, na sede da FAPESP, a palestra Successful commercialization of university and government-sourced technology: pitfalls and opportunities ("Comercialização bem-sucedida de tecnologia apoiada por governo e universidade: armadilhas e oportunidades").
Em entrevista à Agência FAPESP, o consultor afirmou que a ciência produzida no Brasil tem alta qualidade, mas não resulta em produtos comerciais com freqüência por não atrair investidores privados globais. E o que afasta esses investimentos é a fragilidade do sistema brasileiro de propriedade intelectual.
Sherwood, que estudou no Harvard College, na Escola de Direito da Universidade Harvard e na Universidade Colúmbia, atuou na área de direito internacional e conduziu um diagnóstico de sistemas de propriedade intelectual na América Latina para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A experiência levou à criação de um modelo numérico de análise que permite avaliar sistemas de propriedade intelectual nacionais a partir da perspectiva de investidores privados. A abordagem foi aplicada a 18 países em desenvolvimento. Sherwood diz ter feito mais de 150 visitas ao Brasil desde 1972. Atualmente, visita o país três vezes ao ano.
Agência FAPESP – Por que o Brasil tem tanta dificuldade para transformar produção científica em inovações inseridas no mercado?
Robert Sherwood – O governo brasileiro investe recursos imensos em pesquisa, o que garante uma ciência de nível internacional. Mas o investimento privado global, necessário para transformar essa produção científica e tecnológica em produtos, não chega ao país. Os investidores globais relutam em colocar dinheiro no Brasil
Agência FAPESP – Qual é a causa dessa relutância?
Sherwood – Eles conhecem os altos riscos do investimento em inovação e, por isso, não querem colocar recursos em países com um sistema de propriedade intelectual fraco, como é o caso do Brasil. Esses investimentos acabam indo para os Estados Unidos.
Agência FAPESP – Poderia citar alguns dos pontos fracos do sistema brasileiro de propriedade intelectual?
Sherwood – Sem dúvida seria preciso fazer pelo menos alguns ajustes técnicos na Lei de Inovação. Não tenho certeza de qual seria o momento ideal para esses ajustes, mas a lei ainda tem um caráter experimental, dando mais importância à inovação com investimentos estatais do que ao fomento por meio de investimento privado. A exigência de edital para o licenciamento exclusivo de tecnologias desenvolvidas com financiamento do governo também é um ponto a ser revisto. Uma das necessidades mais importantes é uma ampla reestruturação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Lei da Propriedade Industrial também tem artigos confusos.
Agência FAPESP – Como esses problemas afetam a comercialização de tecnologias? Poderia exemplificar?
Sherwood – Algumas das empresas start up, particularmente na área biológica e de saúde, estão lidando com problemas de propriedade intelectual. Digamos que uma empresa brasileira tente fazer avançar uma tecnologia original, proveniente do conhecimento produzido na universidade. É provável – a não ser que se trate de uma tecnologia muito simples – que sua capacidade para comercializar, que passa pelo desenvolvimento do produto ou do processo, exija o acesso a uma outra tecnologia estrangeira. Haverá situações em que o fornecedor dessa tecnologia intermediária se recusará a disponibilizá-la no Brasil, porque ela não será adequadamente protegida aqui. O desenvolvimento das tecnologias por empresas brasileiras será então retardado. Isso é parte dos efeitos invisíveis da fraqueza do sistema de proteção intelectual no Brasil.
Agência FAPESP – Além dos problemas da legislação, pode-se dizer que há obstáculos culturais? O cientista pensa pouco em inovação?
Sherwood – Acho que é muito importante que mais universidades se aproximem da comercialização de tecnologias. Seria fundamental que elas pensassem seus processos de uma maneira nova, entendendo a importância da propriedade intelectual para apoiar a comercialização. Assim elas estariam em posição de agir quando os políticos finalmente se voltarem para os problemas da propriedade intelectual. Em outras palavras, aqueles que estão fazendo invenções no Brasil precisam experimentar um pouco mais o processo de mudar para uma comercialização de sucesso em escala global.
Agência FAPESP – A pesquisa deveria ser mais voltada para o mercado?
Sherwood – Não se trata de ciência voltada exclusivamente para o mercado, mas seria preciso que o cientista tivesse a questão da propriedade intelectual em mente desde o começo de uma pesquisa. Ele poderia, antes de mais nada, verificar nos bancos de patentes internacionais se sua tecnologia não foi patenteada – o que destruiria o possível interesse de investidores. Os cientistas também deveriam ter contato mais próximo com quem entende de propriedade intelectual, para ter em mente que produtos podem ser protegidos. Outro ponto fundamental seria depositar o pedido de patente antes de publicar o artigo científico.
Agência FAPESP – Não há uma tensão entre a necessidade de publicar, para ter credibilidade e conseguir recursos, e a necessidade de proteger as descobertas?
Sherwood – Ambos são importantes. O cientista brasileiro publica muito e isso é importante para fazer avançar o conhecimento. Isso precisa continuar. Mas é preciso buscar patentes e olhar para onde estão os potenciais comerciais, em vez de desperdiçar essas possibilidades. É uma questão de ter certeza de que os pedidos de patente estão terminados antes que o artigo seja publicado. Não vejo incompatibilidade entre publicar e patentear. Assim como não vejo contradição entre ciência básica e ciência aplicada. Mesmo tendo o potencial de mercado em vista, o pesquisador pode fazer descobertas científicas de alta importância.
Agência FAPESP – Quanto o Brasil poderia melhorar seu desempenho de produção tecnológica com uma melhora do sistema de proteção intelectual?
Sherwood – Há muito tempo especialistas em todo o mundo ficam perplexos com o contraste entre a altíssima qualidade da ciência feita no Brasil e a pouca energia que essa produção tão boa coloca na base industrial do país. O potencial é realmente impressionante. E não é preciso muito para consertar essa fraqueza. O custo não é grande. Ao contrário, se o sistema de propriedade intelectual fosse forte o suficiente para trazer investimentos privados, substituindo os investimentos que o governo é forçado a fazer, haveria muito mais recursos públicos para outras partes da economia. Em vez de tentar impulsionar a inovação, esse dinheiro poderia ser remanejado para o sistema de saúde e educação.
Agência FAPESP – O senhor afirmou que a propriedade da patente é uma questão ilusória, que o mais importante é saber quem tem o poder de negociar o licenciamento. Poderia explicar esse ponto de vista?
Sherwood – A propriedade da patente não é de fato a questão crítica. O mais importante é a habilidade para negociar direitos para usar a patente com o investimento privado. Não importa quem seja o dono da patente é preciso eleger alguém que tenha sabedoria, inteligência e que seja uma pessoa de negócios para formular um arranjo no qual o dinheiro vai ser distribuído entre a fonte de recursos original do governo, a universidade, o departamento e o professor ou a equipe que fez o trabalho que gerou joint ventures de pesquisa.
Agência FAPESP – Poderia exemplificar?
Sherwood – Vamos dizer que há uma equipe de Israel em parceria com uma equipe da USP e elas fazem uma importante comercialização de uma nova tecnologia. Temos que ter certeza sobre como vamos distribuir os ganhos dessa comercialização, entre os israelenses e a USP. Geralmente são determinações muito complexas, mas não esperem para definir isso depois de o produto entrar no mercado, ou haverá briga. Desde o início do processo é preciso saber quem vai ficar com dinheiro. E, não importando a quem pertença a patente, será possível nomear alguém que faça a negociação com sabedoria.
Agência FAPESP – Qual a sua opinião sobre as incubadoras de empresas brasileiras? Elas estão conseguindo transferir tecnologia?
Sherwood – O movimento de incubadoras no Brasil tem um crescimento impressionante. A maior parte das universidades hoje têm incubadoras, mas a maioria delas foi criada sem nenhuma preocupação com propriedade intelectual. Poucas das que conheci compreenderam a importância da questão. A de Curitiba, por exemplo, exige que as pequenas empresas ingressantes mostrem sua capacidade de proteção intelectual. Creio que eles têm uma taxa de sucesso maior com suas empresas graduadas. Outras fazem um grande trabalho, mas não têm uma apreciação adequada para propriedade intelectual. Eu soube, por exemplo, de visitas de delegações chinesas a incubadoras brasileiras sem imposição de sigilo. Os chineses tiraram fotos e pediram cópias de diagramas. É um tipo suave de espionagem. Tecnologias brasileiras estariam beneficiando a indústria de base chinesa. Não tenho provas disso, mas é um temor justificável.
Fonte: Agência FAPESP, 25/06/2008.
Marcadores: Entrevista
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